quinta-feira, 12 de março de 2009

Jornal do Brasil

Jornal do Brasil
JB, 12.03.2009, Artigo

Contra a Justiça de classe

José Dirceu, Ex-ministro chefe da Casa Civil

Alguns discursos da oposição, amplificados pela mídia, são recorrentes. Basta um pretexto para serem colocados na ordem do dia, puxando o fio de todo o raciocínio ideológico que sempre os envolve. Desta vez, o fato – muito grave, é verdade – que motivou pronunciamentos e reportagens sobre a questão das ocupações de terra, da violência, da ligação desses movimentos com ONGs, dos recursos repassados pelo governo federal aos assentamentos e entidades ligadas à reforma agrária, foi o assassinato de quatro seguranças numa fazenda em Pernambuco.

Quero reafirmar o que tenho dito e escrito: o problema da reforma agrária não são as ocupações, cujo número tem diminuído se levarmos em conta o tamanho do país, o grau de concentração da terra, o fato de ela ser improdutiva e a manutenção dos latifúndios. Principalmente, se compararmos estes números com o de trabalhadores e famílias sem-terra e com a pobreza no campo. As ocupações ocorrem basicamente no período anterior a abril e durante aquele mês, época em que os movimentos dos sem-terra fazem suas manifestações em memória dos mortos no massacre de Eldorado de Carajás, no Pará.

As invasões, sem violência, são uma forma de pressão e de negociação, usada para fazer avançar a reforma agrária. Já a violência, como o assassinato dos seguranças, é inadmissível, inaceitável e deve ser reprimida e punida. O fato é que sem as ocupações e sem a presença dos movimentos sociais, como a Contag, a Fretag, o MST e outros, não teríamos reforma agrária no Brasil.

Ao contrário do que afirmam os algozes do MST e dos sem-terra e a oposição, já em campanha para 2010, há, sim, reintegração de posse, negociações, desocupações e desapropriações, se a terra é improdutiva. Também beira ao cinismo a oposição aproveitar um ato de violência inadmissível, que choca a todos os brasileiros, para voltar à velha tese de que o governo transfere recursos para as entidades ligadas aos movimentos agrários dos trabalhadores e de que é preciso investigar a ligação entre os sem-terra e essas entidades, como declarou recentemente a Confederação Nacional da Agricultura, presidida pela senadora Kátia Abreu (DEM/TO).

Eu pergunto: que moral tem a CNA para investigar qualquer coisa? Quem deve ser investigado é a CNA e sua presidente, senadora Kátia Abreu, pela denúncia do uso de recursos públicos da entidade na sua eleição para o Senado, como foi amplamente divulgado pela mídia. As verbas públicas liberadas pelo governo, e questionadas, têm relação é com a reforma agrária.

As ONGs são entidades que dão suporte e apoio aos assentamentos na educação, saúde, administração, assistência técnica e tecnológica. Não tem aí nenhum segredo. Quanto ao uso dos recursos públicos e a ação do MST, vamos lembrar que o Congresso Nacional já fez duas CPIs, a das ONGs e a da terra, sem nada provar. Portanto, a retomada desses temas agora é pura e simplesmente mais um recurso eleitoral das oposições, onde quer que estejam – na mídia, nos partidos ou nos órgãos de Estado.

Toda e qualquer irregularidade deve ser investigada, e se comprovada, punida. Por isso, vem em boa hora a decisão recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de orientar a Justiça (estabelecer o chamado controle judicial) a tomar medidas concretas em processos que envolvam conflitos fundiários.

A decisão é bem-vinda não apenas por causa do conflito que levou às quatro mortes recentes em Pernambuco, ou mesmo a fiscalização, pelo Ministério Público Federal, dos recursos recebidos pela Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), mas porque, talvez, assim o país conheça a gravidade da lentidão e da paralisia da Justiça na questão da reforma agrária e na apuração dos assassinatos e massacres dos sem terra.

Se a violência não pode ser tolerada, muito menos assassinatos e crimes de morte, como bem disse o presidente Lula, também não podemos ter uma Justiça de classe. Não pode continuar a impunidade para a pistolagem e para os assassinatos no campo, e a justiça sumária, o pré-julgamento para os sem terra.


Valor Econômico
Valor, 12.03.2009, Coluna Maria Inês Nassif

Presidentes do STF e do CNJ, sempre unidos

Maria Inês Nassif

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, propôs "uma corregedoria judicial" ou outra forma de controle externo das instituições policiais, a propósito de supostas escutas telefônicas que teriam sido feitas indiscriminadamente pela Polícia Federal (PF) no decorrer das investigações da Operação Satiagraha - que resultariam em dois pedidos de prisão do empresário Daniel Dantas pela justiça de primeira instância, seguidas de dois habeas corpus de Mendes que beneficiaram o empresário.

Essa pode ser uma discussão para se colocar na mesa em um debate sobre a ampliação da democracia brasileira, e seria recomendável que se discutissem com seriedade limitações à atuação das polícias que lidam diretamente com a segurança pública, e sobre as quais, em especial nos grandes centros urbanos, chovem acusações de violações de direitos humanos. Mas seria bastante conveniente se, aproveitando a oportunidade, fosse debatida igualmente uma forma de controle externo do Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é uma experiência de eficiência bastante duvidosa quando se tem uma gestão personalista e voluntariosa no STF. Acaba se tornando um instrumento de controle pessoal sobre as instâncias inferiores e não consegue coibir uma expansão excessiva de poder da presidência do Supremo.

É difícil falar em atuação independente do CNJ. Um exemplo disso é o fórum criado pelo CNJ e pelo STF para analisar as ações relativas a problemas fundiários. Essa iniciativa resulta de mais um conflito público de Mendes. Na semana passada, ao comentar do assassinato de quatro capangas de uma fazenda por integrantes do Movimento do Sem Terra (MST) - um crime que pode chegar a ser julgado pelo Supremo que preside, e existem grandes chances de isso acontecer -, Mendes aproveitou e apontou o dedo acusador para o governo. Acusou-o de ser conivente com atos ilegais do MST. Não satisfeito, atacou o Ministério Público Federal. "Os recursos públicos não são recursos do governo. Será que nós na sociedade queremos pagar por isso? (...) Claro que nós não podemos esperar. Do contrário, daqui a pouco nós vamos ficar celebrando uma missa de sétimo dia, missa de trigésimo dia, missa de um ano. Nós estamos falando em mortes", disse o presidente do STF, cobrando o MP. Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva relativizou as opiniões do ministro, afirmando que ele falou como cidadão, Mendes esclareceu: não falou como cidadão, não, mas como "presidente do Judiciário".

Daí, o presidente do STF, Gilmar Mendes, reagiu contra o governo que atacou e acordou com o presidente do CNJ, Gilmar Mendes, que o conselho vai fazer um "fórum" para monitorar as decisões judiciais e o cumprimento delas em todos os Estados.

O STF, com a vigência da súmula vinculante, passou a ter um enorme controle sobre as decisões de instâncias inferiores da Justiça. Faz parte do jogo, mas esse é um poderoso instrumento de centralização do Judiciário. Paralelamente, o CNJ, a partir do início da presidência de Gilmar Mendes, tem atuado como força auxiliar do Supremo. Mendes deu dimensão a isso, por exemplo, quando usou os cargos cumulativos na presidência do STF e do CNJ para pedir, em nome das duas instituições, ao corregedor-geral do Tribunal Regional Federal da 3ªregião, desembargador André Nabarrete, que acionasse o juiz Fausto De Sanctis, que decretou a prisão de Dantas duas vezes. A acusação é a de que De Sanctis teria afrontado todo o STF, na figura de Gilmar Mendes. Gilmar Mendes, presidente do Supremo, e Gilmar Mendes, presidente do CNJ, reclamam oficialmente contra um juiz que teria atentado contra todo o Supremo, na figura de Gilmar Mendes.

Ao botar o seu dedo na questão dos conflitos de terra, que tem um potencial explosivo muito grande e deve ser tratada preferencialmente como política de governo (que tem votos e mecanismos de negociação para evitar a radicalização de lado a lado), Mendes conseguiu ir além do que o próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, que não poupa críticas ao governo Lula. FHC acusou o governo de ser indulgente com o MST, mas evitou condenar o repasse de recursos a assentamentos. "Não existe reforma agrária sem o repasse de recursos a assentamentos. O que é preciso saber é se são legítimos", afirmou. Os governos de FHC não foram nada tolerantes com o MST, mas nem o tucano conseguiu evitar de incluir repasses a assentamentos como políticas de governo.

A questão agrária tende a provocar cada vez mais conflitos, daqui até a eleição de 2010. Os partidos políticos claramente manipulam o tema com fins políticos. E já existe uma evidente radicalização ideológica em torno do tema, que se acirrou com ofensivas e contra-ofensivas de proprietários rurais e sem-terras. Não é preciso colocar mais lenha nessa fogueira.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

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