terça-feira, 30 de junho de 2009

Questão Indígena


INBRAPI/NUMIN e o Desenvolvimento Indígena sob perspectiva de gênero
Dom, 29 de Março de 2009 02:23 Eliane Potiguara

Desenvolvi­mento é o que todos e todas queremos. No entanto o modelo de desenvolvimento social contempla muito mais aos homens do que às mulheres na sociedade. Trabalhar com estratégias para formação de gênero é desafiar as relações desiguais entre homens e mulheres. Na questão indígena não é diferente, tanto no campo de ação, na família ou não, como também no campo organizacional e institucional. A formação de gênero é uma das estratégias usadas para promover a justiça de gênero dentro das organizações de desenvolvimento. Tal formação baseia-se na convicção de que intervenções em forma de projetos ou programas de desenvolvimento podem resultar em transformações sociais para povos indígenas. Formação de gênero neste caso pretende atingir justiça de gênero incorporando uma perspectiva de gênero a todos os níveis de análise e planejamento do projeto ou programa de uma organização indígena, por exemplo.

A formação de gênero pode também ser considerada num contexto mais amplo. Nesta perspectiva, a formação de gênero segue uma abordagem holística ou cosmovisionária e está baseada na experiência de mulheres e homens e tem explicitamente como objetivo o fortalecimento do poder das mulheres num sentido mais amplo do que projetos e programas de desenvolvimento atuais. Por essa razão o INBRAPI (Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual) ao longo de nossos quase seis anos de existência, preocupou-se em oferecer essa forma de discussão e organização dentro de nossos programas e objetivos institucionais. E resultou na formação de um núcleo que atenda especificamente às inquietações das mulheres indígenas. Por essa razão no ano de 2008, nasceu o Numin ( Núcleo de Mulheres Indígenas do Inbrapi) e após reuniões e decisões, a cadeira coordenadora ficou sob a minha gestão, devido a um trabalho anterior de quase 30 anos dentro do GRUMIN e que continua até hoje.
À mulher, cabe o papel de transmitir a cultura do dia-a - dia e mais. transmitir o aspecto da ancestralidade que é o diferencial mais importante para uma cultura. E a mulher por ser mais visionária que os homens e ter negado alguns vícios do colonizador e neo-colonizador, guarda a sete chaves, muitos aspectos culturais e cósmicos de seus avós, bisavós e tataravôs. No passado, a mulher possuía ainda o poder da determinação política, a palavra final nas Assembléias. Com a presença dos estrangeiros os homens colocaram suas mulheres na retaguarda ético-cultural, para defendê-las. Há casos, no século XVI, onde homens levavam toda a sua família ao suicídio coletivo, onde todos pulavam do alto de rochas, para não serem submetidos à escravidão. Dessa retaguarda muita mulheres indígenas não saíram.

A Educação formal indígena cumpre o papel da transmissão da cultura, por isso se lutou muito para o estabelecimento de uma educação verdadeiramente indígena e voltada para a realidade, uma educação diferenciada. Antes a educação formal passava pelos moldes da sociedade não indígena. Hoje existe um avanço e políticas públicas para isso. A maioria dos professores é indígena e sensibilizada dentro de sua cultura. Esse aspecto está mais avançado do que uma política pública para saúde e direitos reprodutivos. Urge que os congressos, conferências, seminários indígenas introduzam esse tema efetivamente nas pautas de discussão, mas não vemos isso, parece que não é relevante. Venho observando várias pautas e o tema mais geral é sobre direito à terra, desenvolvimento, propriedade intelectual, o que é corretíssimo, mas especificamente, não vejo essa discussão tão fortalecida e o INBRAPI a partir de agora aceita esse desafio. O desafio é discutir milhares de temas, mas incluindo a transversalidade de gênero.

O I Censo Escolar Indígena de 2001 mostrou que há mais professores do que professoras, eles representam 65% do total. O que isso indica? Indica que a participação das mulheres indígenas ainda está aquém. Percebi isso há 20 anos, quando conversava com líderes indígenas e professores. É preciso resgatar a originalidade inicial da mulher indígena antes do processo colonial. Ela tinha a decisão sobre problemas políticos, tinha a última palavra. Sabemos que a solidão das mulheres indígenas começou com a migração por ação violenta aos seus povos. O número de meninos nas escolas também é maior. Existe resistência à educação formal das meninas? Sim, as mulheres foram alvo de perseguição masculina desde o processo de colonização. Eram arrancadas do seu povo para servirem de concubinas e escravas aos estrangeiros. Essa responsabilidade é da política integracionista que paternaliza os povos indígenas até hoje. Mas quando nosso movimento pela conscientização da mulher indígena começou a causar polêmicas, a partir de 1979, o processo foi questionado. As meninas indígenas entram para a escola mais tarde do que os meninos. Precisamos mudar isso.

Só com capacitação, seminários, grupos de estudos, organização de oficinas teóricas e práticas entre jovens e líderes masculinos e femininos poderemos implementar uma ação coletiva que caminhe para a igualdade de gênero entre povos indígenas. O NUMIN inicia esse processo, já junto à Comissão Executiva formada em 5 de agosto de 2008 rumo ao Fórum Nacional da Mulher Indígena 2009.

*Eliane Potiguara é professora, escritora, articuladora indígena, 58 anos, autora do livro “METADE CARA, METADE MÁSCARA”(www.elianepotiguara.org.br)

Veja também www.grumin.org.br ( site institucional )

veja também o blog do FÓRUM NACIONAL DA MULHER INDÍGENA: http://mulheresforteseunidas.blogspot.com/ (mulheres fortes e unidas!)

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