terça-feira, 1 de setembro de 2009

GLBT

Filmes, visibilidade e a luta GLBT

Wilson H. da Silva, da redação

O objetivo desse texto não é exatamente apresentar os filmes e livros indicados abaixo. Mais do que isso, queremos discutir como até mesmo a reflexão e a representação da opressão homofóbica é marcada por questões que só podem ser compreendidas sob a ótica do marxismo e da luta de classes.

A princípio, nossa idéia era dedicar esta seção a textos e filmes sobre a Rebelião de Stonewall, mas, paradoxalmente, uma “limitação” nos obrigou a “ampliar” esta idéia. Aliás, nada mais apropriado quando estamos falando em temas referentes ao setor social formado por gays, lésbicas, bissexuais, travestis e trangêneros ( GLBT’s ).

Afinal, poucas experiências humanas são tão “paradoxais” como nossas vidas. Vivemos, aos olhos do mundo, uma situação totalmente “fora do comum”. O que não deixa de guardar algo de verdadeiro. Afinal, em grande medida nossa busca por felicidade e direitos mínimos (inclusive os de “amar” e “viver”, simplesmente) depende da arte de arrancar o máximo do pouquíssimo espaço que já conquistamos; nossa liberdade, no mais mínimos termos (como por exemplo, de estudar e caminhar na rua) é limitada por mecanismos repressivos dos mais distintos.

No que se refere aos filmes e livros, a limitação é simples: são poucas as obras sobre o tema disponíveis, muito menos em português. Uma limitação decorrente de uma relação que, de forma nada sutil, também é um exemplo do porque o Marxismo está certo em afirmar que relações de produção determinam todos os aspectos da vida. Inclusive a opressão homofóbica, as reflexões intelectuais que são feitas sobre a “não-heterossexualidade” e, também, os produtos estéticos e criativos que levam o tema para as telas de cinema.

A invisibilidade do “pecado” do qual “não se diz o nome”
A não existência de uma “ampla” bibliografia ou filmografia (e, como pretendemos demonstrar, inclusive os temas abordados pelos livros e filmes existentes) revela, com contradições e distorções, o tipo de sociedade em que vivemos. Diz muito sobre quem manda no mundo e como eles influenciam no que temos ou deixamos de ter acesso.

No mundo Ocidental, há séculos a regra é a mesma: uma orientação sexual diferente da heterossexualidade é considerada tão abominável (“nefanda”) que, para a ideologia dominante, seria melhor que homossexuais simplesmente não existissem. É um pecado deplorável (contra um “deus” qualquer ou a própria natureza) que não pode sequer ser imaginado ou visto. Muito menos, evidentemente, deveria ser permitido escrever, ler, representar ou assistir qualquer coisa que trouxesse à mente a visão de duas pessoas do mesmo sexo se amando.

Neste sentido, é correto dizer que a simples “quebra” desta hipocrisia reinante tem algum caráter “positivo”. Mas, cuidado! Em nome desta “conquista” já se cometeram vários crimes. Como comenta uma cineasta lésbica no excelente “O outro lado de Hollywood” (tradução um tanto absurda de “The celluloid closet” – o “armário de celulóide”), é bastante questionável que se “comemore” o fato de que lésbicas tenham finalmente saído da “invisibilidade” apenas para serem representadas como vampiras sanguinárias; carcereiras estupradoras ou todo tipo de mulher dominada por algum “instinto selvagem”.

Em função disto, nossa lista não é exatamente uma indicação do que há de “melhor” por aí, para ser visto ou lido. Mas, sim, é uma seleção ampla que contempla, inclusive, análises e perspectivas que nada ou muito pouco tem a ver com o Marxismo. São referências (importantes, com certeza) que podem auxiliar aqueles interessados em pensar sobre o tema.

Mas é preciso vê-los e lê-los com olhos críticos, contrapondo-os ao contexto em que eles foram escritos, sondando as influências políticas e ideológicas de seus autores e desconstruindo seus mecanismos estéticos e seu discurso.

Identidade, pra que? Cara pálida!
Partindo do princípio de que livros e filmes são, de alguma forma, frutos e reflexos do mundo em que foram produzidos; e se tomarmos a produção contemporânea como exemplo, veremos uma quantidade enorme de produções literárias e cinematográficas voltadas para temas como o da “identidade”, a sempre presente questão da “visibilidade” e as formas como somos “representados” na sociedade.

E, em tempos neoliberais, não poderia ser diferente...Quando o lema e a ordem é a “privatização” de todos os meios de produção (e, por tabela, todas as relações humanas), o que vemos na maioria dos filmes e livros é um reflexo disto: a supervalorização da dimensão “privada” nos estudos e representações de GLBT’s; a proliferação da idéia de que o “paraíso” é aqui, no ponto de consumo mais próximo; a defesa da futilidade, do individualismo. E da “participação-cidadã” na sociedade a partir de uma hipócrita “aceitação”, através de valores, parâmetros e limites impostos pelo mercado.

Dentro desde “blá-blá-blá” pós-modernoso, um dos temas em alta nos dias de hoje é o da “identidade”. Uma questão bastante importante não só porque está no centro dos debates intelectuais da atualidade (principalmente nos já conhecidos “estudos homoeróticos”), mas também afeta diretamente a vida do movimento.

A maioria dos livros e filmes contemporâneos utiliza um conceito de “identidade gay” (ou GLBT) que se sobrepõe a tudo mais. Em outras palavras, uma identidade que pressupõe que a orientação sexual é o que mais nos “particulariza”, é o que nos “difere” e é o que nos “define”. E, conseqüentemente, é o que pode nos “unir”.

E esta seria uma identidade quase que totalmente construída em torno de uma coisa: nossas relações afetivas e sexuais são “não-héteros”, nos apaixonamos e queremos viver com gente de nosso próprio sexo, ou que mudaram de sexo. Enfim, somos fundamentalmente o que somos porque rompemos com as definições e posições tidas como “normais” na sociedade.

Para estes estudos e filmes, essa “identidade GLBT” está acima de todos os demais aspectos de nossas experiências sociais. É o que organiza nossa vida. Independente do setor social, da raça, da classe a que se pertença; independentemente, inclusive, de posturas ideológicas e políticas. É o que leva, por exemplo, a maioria do movimento GLBT brasileiro considerar nossos “parceiros” na luta contra homofobia gente como a “Frente Parlamentar” constituída em Brasília (um balaio de gatos com políticos dos mais diferentes hemisférios, histórias e tradições pra lá de opressivas e repressoras).

Consciência de classe e liberação sexual
Nós, do PSTU, não achamos que as coisas devam ser assim. Nem no movimento nem na produção teórica, literária e cinematográfica. Achamos, sim, que o fato de termos uma orientação sexual diferente da majoritária faz com que, como setor social (ou uma subcultura), temos, certamente, uma “identidade” construída entre nós. Reconhecer isto é importante, inclusive, para que possamos defender o direito de nos organizarmos em nossas Secretarias e Entidades e a idéia de que (apesar de não termos “exclusividade” ou “reserva de mercado”) temos o direito de escrever (e sabemos melhor como) e representar a nós mesmos.

Contudo, a Secretaria GLBT do PSTU parte do princípio de que nossa identidade como “oprimidos” (sejamos nós negros, mulheres, GLBT, ou uma mescla destas muitas possibilidades) também, e sobretudo, é determinada por um aspecto mais importante para todos nós que vivemos sob o capitalismo: a nossa consciência de classe.

Temos que ter sempre em mente que, antes de sermos gays, negros, travestis ou mulheres, somos parte de uma classe, o que faz com que, além de sermos oprimidos, também sejamos explorados pela ganância sem fim dos senhores brancos-machos-héteros que mandam no mundo. Somos, na nossa imensa maioria, parte daquele setor que nem tem poder econômico e nem conduz, ao seu bel-prazer, os rumos da política.

Certamente, como “não-heterossexuais” compartilhamos de uma “identidade”, de uma “subcultura”, como escreveu Vito Russo (o autor do livro que deu origem ao documentário “The celluoid closet”), que praticamente somos “obrigados” a construir, “em grande medida, um produto da opressão, da necessidade de esconder tão bem, por tanto tempo. É uma sensibilidade de gueto, nascida da necessidade de desenvolver e utilizar um segundo olhar que possa traduzir silenciosamente o que o mundo vê e o que na verdade deveria estar sendo visto”.

É isto, ainda segundo Russo, que sempre permitiu que gays e lésbicas sempre identifiquem seus “iguais” nas ruas e cantos escuros dos bares. E, também, nas telas do cinema (mesmo quando eles estavam apenas insinuados, “disfarçados” ou metaforizados).

Mas, convenhamos, é muito diferente ver o mundo através da fumaça de uma boate “chiquérrima” ou uma sauna “liberadíssima”, do que do fundo de um bar sujo, ou, ainda, num beco escuro da periferia.

E, conseqüentemente, são diferentes as perspectivas de análise, as escolhas estéticas, os temas e as visões de mundo que escritores e cineastas de diferentes classes sociais adotam em seus livros e filmes. Como também o contexto social e histórico (que, para o Marxismo, também sempre é determinado pela dinâmica da luta de classes) influencia de forma determinante a ideologia, a estética, as abordagens, os pontos de vistas de qualquer autor ou cineasta.

“Teorema”, de Pasolini, é radical, metafórico, cheio de referências à cultura popular, porque o diretor italiano era um católico herege, um homossexual militante e um comunista pouquíssimo ortodoxo. Mas foi seu permanente e vigoroso embate com o sistema capitalista e a “mercantilização” de todas relações humanas que moldou toda sua obra.

“Maus hábitos” e “A lei do desejo” são “a cara” de Almodóvar, por que eles têm uma naturalização de tudo que é “incomum”, feita com um misto de beleza, escracho e ironia que só podem ter brotado de um momento em que a Espanha, embalada pela “movida madrileña” (entre o final dos anos 1970 e início dos 80), celebrava o fim da ultra-conservadora e carola ditadura de Franco.

Como também, um filme como “Filadélfia”, apesar de ser um marco no que se refere aos diretos dos gays soropositivos, é, também, um exemplo típico de um autor que “optou” por amenizar a representação dos homossexuais (que, no filme, quase sequer se tocam e reproduzem uma versão meio espelhada da “família feliz americana”) em busca do “grande-público”, mas conhecido como “mercado” e “bilheteria”.

Enfim, os filmes refletem muito mais que a orientação sexual dos diretores. E o mesmo se aplica aos escritores e sua obra. Nossa idéia, com a publicação da seleção abaixo, é oferecer principalmente para o público GLBT, um material que possa ser utilizado para oferecer formação teórica (e cultural) e que, também, possa provocar debate. Esperamos que vocês apreciem o material. Que nossos militantes e simpatizantes o utilize para construir a Secretaria GLBT do PSTU. E que aqueles que ainda não nos conheçam e ficarem curiosos sobre nossas posições políticas, entrem em contato conosco.

Observação: Sempre que possível, iremos indicar a existência de críticas publicadas em nosso site sobre os filmes.


Fonte: PSTU

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