quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Piratas

Estão-nos mentindo sobre os piratas

5/1/2009, Johann Hari: *The Independent* , UK

Quem imaginaria que em 2009, os governos do mundo declarariam uma nova
Guerra aos Piratas? No instante em que você lê esse artigo, a Marinha Real
Inglesa - e navios de mais 12 nações, dos EUA à China - navega rumo aos
mares da Somália, para capturar homens que ainda vemos como vilãos de
pantomima, com papagaio no ombro. Mais algumas horas e estarão bombardeando
navios e, em seguida, perseguirão os piratas em terra, na terra de um dos
países mais miseráveis do planeta. Por trás dessa estranha história de
fantasia, há um escândalo muito real e jamais contado. Os miseráveis que os
governos 'ocidentais' estão rotulando como "uma das maiores ameaças de nosso
tempo" têm uma história extraordinária a contar - e, se não têm toda a
razão, têm pelo menos muita razão.

Os piratas jamais foram exatamente o que pensamos que fossem. Na "era de
ouro dos piratas" - de 1650 a 1730 - o governo britânico criou, como recurso
de propaganda, a imagem do pirata selvagem, sem propósito, o Barba Azul que
ainda sobrevive. Muita gente sempre soube disso e muitos sempre suspeitaram
da farsa: afinal, os piratas foram muitas vezes salvos das galés, nos braços
de multidões que os defendiam e apoiavam. Por quê? O que os pobres sabiam,
que nunca soubemos? O que viam, que nós não vemos? Em seu livro *Villains Of
All Nations*, o historiador Marcus Rediker começa a revelar segredos muito
interessantes.

Se você fosse mercador ou marinheiro empregado nos navios mercantes naqueles
dias se vivesse nas docas do East End de Londres, se fosse jovem e vivesse
faminto-, você fatalmente acabaria embarcado num inferno flutuante, de
grandes velas. Teria de trabalhar sem descanso, sempre faminto e sem dormir.
E, se se rebelasse, lá estavam o todo-poderoso comandante e seu chicote
[ing. *the Cat O' Nine Tails*, lit. "o Gato de nove rabos"]. Se você
insistisse, era a prancha e os tubarões. E ao final de meses ou anos dessa
vida, seu salário quase sempre lhe era roubado.

Os piratas foram os primeiros que se rebelaram contra esse mundo.
Amotinavam-se nos navios e acabaram por criar um modo diferente de trabalhar
nos mares do mundo. Com os motins, conseguiam apropriar-se dos navios;
depois, os piratas elegiam seus capitães e comandantes, e todas as decisões
eram tomadas coletivamente; e aboliram a tortura. Os butins eram partilhados
entre todos, solução que, nas palavras de Rediker, foi "um dos planos mais
igualitários para distribuição de recursos que havia em todo o mundo, no
século 18 ".

Acolhiam a bordo, como iguais, muitos escravos africanos foragidos. Os
piratas mostraram "muito claramente- e muito subversivamente- que os navios
não precisavam ser comandados com opressão e brutalidade, como fazia a
Marinha Real Inglesa." Por isso eram vistos como heróis românticos, embora
sempre fossem ladrões improdutivos.

As palavras de um pirata cuja voz perde-se no tempo, um jovem inglês chamado
William Scott, volta a ecoar hoje, nessa pirataria *new age* que está em
todas as televisões e jornais do planeta. Pouco antes de ser enforcado em
Charleston, Carolina do Sul, Scott disse: "O que fiz, fiz para não morrer.
Não encontrei outra saída, além da pirataria, para sobreviver".

O governo da Somália entrou em colapso em 1991. Nove milhões de somalianos
passam fome desde então. E todos e tudo o que há de pior no mundo ocidental
rapidamente viu, nessa desgraça, a oportunidade para assaltar o país e
roubar de lá o que houvesse. Ao mesmo tempo, viram nos mares da Somália o
local ideal onde jogar todo o lixo nuclear do planeta.

Exatamente isso: lixo atômico. Nem bem o governo desfez-se (e os ricos
partiram), começaram a aparecer misteriosos navios europeus no litoral da
Somália, que jogavam ao mar contêineres e barris enormes. A população
litorânea começou a adoecer. No começo, erupções de pele, náuseas e bebês
malformados. Então, com o tsunami de 2005, centenas de barris enferrujados e
com vazamentos apareceram em diferentes pontos do litoral. Muita gente
apresentou sintomas de contaminação por radiação e houve 300 mortes.

Quem conta é Ahmedou Ould-Abdallah, enviado da ONU à Somália: "Alguém está
jogando lixo atômico no litoral da Somália. E chumbo e metais pesados,
cádmio, mercúrio, encontram-se praticamente todos." Parte do que se pode
rastrear leva diretamente a hospitais e indústrias européias que, ao que
tudo indica, entrega os resíduos tóxicos à Máfia, que se encarrega de
"descarregá-los" e cobra barato. Quando perguntei a Ould-Abdallah o que os
governos europeus estariam fazendo para combater esse 'negócio', ele
suspirou: "Nada. Não há nem descontaminaçã o, nem compensação, nem
prevenção."

Ao mesmo tempo, outros navios europeus vivem de pilhar os mares da Somália,
atacando uma de suas principais riquezas: pescado. A Europa já destruiu seus
estoques naturais de pescado pela superexploraçã o - e, agora, está
superexplorando os mares da Somália. A cada ano, saem de lá mais de 300
milhões de atum, camarão e lagosta; são roubados anualmente, por pesqueiros
ilegais. Os pescadores locais tradicionais passam fome.

Mohammed Hussein, pescador que vive em Marka, cidade a 100 quilômetros ao
sul de Mogadishu, declarou à Agência Reuters: "Se nada for feito, acabarão
com todo o pescado de todo o litoral da Somália."

Esse é o contexto do qual nasceram os "piratas" somalianos. São pescadores
somalianos, que capturam barcos, como tentativa de assustar e dissuadir os
grandes pesqueiros; ou, pelo menos, como meio de extrair deles alguma
espécie de compensação.

Os somalianos chamam-se "Guarda Costeira Voluntária da Somália". A maioria
dos somalianos os conhecem sob essa designação. [Matéria importante sobre
isso, em
http://wardheernews .com/Articles_ 09/April/ 13_armada_ not_solution_ muuse.html:
"The
*Armada* is not a solution".] Pesquisa divulgada pelo *site* somaliano
independente *WardheerNews* informa que 70% dos somalianos "aprovam
firmemente a pirataria como forma de defesa nacional".

Claro que nada justifica a prática de fazer reféns. Claro, também, que há
gângsteres misturados nessa luta - por exemplo, os que assaltaram os
carregamentos de comida do World Food Programme. Mas em entrevista por
telefone, um dos líderes dos piratas, Sugule Ali disse: "Não somos bandidos
do mar. Bandidos do mar são os pesqueiros clandestinos que saqueiam nosso
peixe." William Scott entenderia perfeitamente.

Por que os europeus supõem que os somalianos deveriam deixar-se matar de
fome passivamente pelas praias, afogados no lixo tóxico europeu, e assistir
passivamente os pesqueiros europeus (dentre outros) que pescam o peixe que,
depois, os europeus comem elegantemente nos restaurantes de Londres, Paris
ou Roma? A Europa nada fez, por muito tempo. Mas quando alguns pescadores
reagiram e intrometeram- se no caminho pelo qual passa 20% do petróleo do
mundo... imediatamente a Europa despachou para lá os seus navios de guerra.

A história da guerra contra a pirataria em 2009 está muito mais claramente
narrada por outro pirata, que viveu e morreu no século 4º AC. Foi preso e
levado à presença de Alexandre, o Grande, que lhe perguntou "o que
pretendia, fazendo-se de senhor dos mares." O pirata riu e respondeu: "O
mesmo que você, fazendo-se de senhor das terras; mas, porque meu navio é
pequeno, sou chamado de ladrão; e você, que comanda uma grande frota, é
chamado de imperador." Hoje, outra vez, a grande frota europeia lança-se ao
mar, rumo à Somália - mas... quem é o ladrão?

http://www.independ ent.co.uk/ opinion/commenta tors/johann- hari/johann- hari-you- are-being- lied-to-about- pirates-1225817. html
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A tradução não é minha!!!!
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HEITOR CARLOS

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