quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Zé Dirceu

1964: democratas e ditatoriais

O que são 45 anos – transcorridos desde aquele primeiro de abril até hoje? O que foi aquilo? O que restou daquilo?






30/03/2009

Emir Sader

Os golpistas – incluída toda a imprensa, menos a Última Hora – insistiam em dizer que a data era 31 de março; nós, que era primeiro de abril. Ainda mais que eles tentavam dizer que tinha sido uma “revolução”, confessando o prestigio da palavra revolução – até ali identificado com a revolução cubana.

O que são 45 anos – transcorridos desde aquele primeiro de abril até hoje? O que foi aquilo? O que restou daquilo?

Medido no tempo, parece algo distante. Afinal, tinham transcorridos apenas 34 anos desde a revolução de 30 - o momento de maior ruptura progressista na história brasileira. Período que incluiu os 15 anos do primeiro governo de Getúlio e os 19 de democracia liberal, incluídos os 4 do novo mandato de Getúlio e os 5 do JK.

Nem é necessário discorrer muito para dizer que se tratou de um golpe militar, que introduziu uma ditadura militar. Nem a “ditabranda” da FSP (Força Serra Presidente), nem o “autoritarismo” de FHC – todas tentativas de suavizar o regime. Um regime dirigido formal e realmente pela alta oficialidade das FFAA, que reorganizou o Estado em torno dessas instituições, tendo o SNI como seu instrumento de militarização das relações sociais. Um regime que atuou politicamente a favor da hegemonia do grande capital nacional e internacional. Para isso, entre suas primeiras medidas estiveram a intervenção militar em todos os sindicatos e o arrocho salarial – a proibição de qualquer campanha salarial, sonho de todo grande empresário.

Para que se criasse um clima que desembocou no golpe militar, foi montada uma campanha de desestabilização que – hoje se sabe, pelas atas do Senado dos EUA – tinha sua condução diretamente naquele país, com participação direta do então embaixador norte-americano e a cumplicidade ativa da grande mídia – que até hoje não fizeram autocrítica do papel ditatorial que tiveram, nem mesmo a FSP, que emprestou seus carros para ações repressivas da Oban -, somada às mobilizações feitas pela Igreja Católica e pelos partidos de direita – com o lacerdismo moralizante na cabeça.

Nunca como naquele período as grandes empresas privadas lucraram tanto. Foram elas as maiores beneficiárias da repressão – prisões arbitrárias, torturas, fuzilamentos, desaparições, entre outras formas de violência de um regime do terror. Foram o setor economicamente hegemônico durante a ditadura –ao contrário da visão inconsistente de FHC, de que uma suposta “burguesia de Estado” seria o setor hegemônico, para absolver os grandes monopólios nacionais e internacionais.

O Brasil vinha vivendo um processo importante de democratização social, política e cultural. O movimento sindical se expandia, os funcionários públicos passavam a incorporar-se a ele, os militares de baixa graduação passavam a poder se organizar e se candidatar ao Parlamento, se desenvolvia a sindicalização rural, acelerava-se a criação de uma forte e diversificada cultural popular – no cinema, no teatro, nas artes plásticas, -, um movimento editorial de esquerda se fortalecia muito.

Foi para brecar a construção da democracia que o golpe foi dado. Com um caráter abertamente antidemocrático e fortemente antipopular – como as decisões imediatas contra os sindicatos e campanhas salariais demonstram -, foi um instrumento do grande capital e da estratégia de guerra fria dos EUA na região.

1964 se constituiu em um momento de forte inflexão na história brasileira. O modelo de desenvolvimento industrial passou a se centrar na produção para a alta esfera do consumo e a para a exportação, acentuando a concentração de renda e a desigualdade social, assim como a dependência.

O Brasil que saiu da ditadura, 21 anos depois, era um país diferente daquele de 1964. As organizações democráticas e populares haviam sido duramente golpeadas. A imprensa havia sido depurada dos órgãos de esquerda. (Não esquecer que a resistência na imprensa foi feita pela chamada imprensa nanica, por si só uma denúncia da imprensa tradicional.) O país havia se transformado no mais desigual do continente mais desigual do mundo.

Vários dirigentes da ditadura ainda andam por aí, junto com seus filhos e netos, dando lições de democracia, sendo entrevistados e escrevendo artigos na imprensa. A imprensa não dirá nada ou tentará, uma vez mais, se passar por vítima da ditadura, escondendo o papel real que desempenhou. (Que tal republicar as manchetes de cada órgão naquele primeiro de abril de 1964?) Na resistência e na oposição à ditadura se provou quem era e é democrata no Brasil. ( O texto foi originalmente publicado no Blog do Emir)



Emir Sader é filósofo, cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde coordena o Laboratório de Políticas Públicas.

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----- Original Message -----
From: Consciência.Net



Abril 01, 2009
45 anos do Golpe: memória da luta e resistência do campesinato na Ditadura Militar
"Agora que o País se livrou do fantasma da comunização, podemos repetir o que vínhamos dizendo exaustivamente: todo comunista é covarde e mau caráter. (...) Enfim, começa hoje uma nova era para o Brasil. Confiemos no espírito público dos homens que salvaram a democracia brasileira (...)". Foi com essas palavras que um dos jornais de maior circulação da época anunciou em seu editorial o novo regime político imposto aos brasileiros em 1964: a ditadura militar. Leia texto da Comissão Pastoral da Terra, regional Nordeste II.



Ao amanhecer o dia 1° de abril daquele ano, o Brasil viveria, por um período que duraria 21 anos, um dos momentos mais nefastos na história do país. Após exatos 45 anos, setores que patrocinaram a ditadura insistem em classificá-la de "ditabranda" ou de uma época de pequenos excessos cometidos. Os movimentos sociais e as organizações populares não esquecem o horror vivido e as conseqüências políticas ocasionadas por aquele regime.

Momentos de efervescência política nos anos que antecederam o Golpe

"Os anos que antecederam o '64' foram de uma efervescência política muito grande no Brasil, sobretudo no Nordeste e no campesinato", comenta o Padre Hermínio Canova, da Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e que acompanhou a resistência e luta das organizações camponesas que iam surgindo até então. Para o Padre Hermínio, aquele período anterior ao Golpe foi um marco para a luta dos trabalhadores brasileiros, um período de ascenso de massas, potencializado ainda mais pela referência à Revolução Cubana e às reformas de base anunciadas por Goulart.

A mobilização do campesinato também foi um elemento fundamental para o avanço das lutas populares naquele período. No início dos anos 60, consolidavam-se organizações como as Ligas Camponesas que, sobretudo no Nordeste foram importantes instrumentos de organização e de atuação do campesinato.

O golpe interrompe o processo de luta do campesinato

As organizações e lideranças camponesas que faziam a defesa da Reforma Agrária e dos direitos humanos foram massacradas com a Ditadura Militar. O integrante do Núcleo de Documentação dos Movimentos Sociais da UFPE e preso político no regime, o professor de Comunicação Social, Luis Momesso, enfatiza que a ditadura teve como um dos seus principais eixos de apoio o latifúndio - que se via ameaçado pelas mobilizações populares.

Lideranças como Francisco Julião e João Pedro Teixeira, das Ligas Camponesas de Pernambuco e da Paraíba foram alguns dos símbolos da resistência e luta no Nordeste e se consolidaram como "elementos perigosos" para as forças reacionárias. Ainda dois anos antes do golpe, João Pedro Teixeira foi brutalmente assassinado, enquanto Francisco Julião foi perseguido, preso e exilado nos anos da ditadura.

As medidas impostas pela Ditadura para o campo foram logo postas em prática. O regime intensificou o avanço do capital no campo e o fortalecimento do latifúndio, através da entrada de maquinários modernos e agrotóxicos. Foi anulada a lei de 1962, que controlava remessas de lucros para o estrangeiro, dando força e permitindo a entrada em larga escala das multinacionais no país. "Esse é considerado um dos períodos em que latifundiários, empresários e usineiros mais expulsaram os camponeses, posseiros, indígenas e quilombolas de suas terras", afirma Hermínio. A massa de camponeses expulsa do campo, desempregada e sem nenhum direito garantido, migravam para as cidades sem perspectivas de vida e emprego.

Como forma de mascarar as tensões no campo e colocar um freio nos movimentos campesinos, o governo de Castelo Branco emitiu, em 1965, o estatuto da Terra. Mesmo contendo avanços, como falar pela primeira vez da função social da propriedade e da desapropriação para fins de Reforma Agrária, o estatuto não tinha o objetivo de sair do papel e ainda conseguia acobertar o latifúndio em um único item que assegurava que "a propriedade declarada empresa rural não poderia ser desapropriada".

A repressão aos que se posicionavam contra o Regime tornou-se ainda mais brutal em 1968, com o Ato Institucional n° 5 (AI 5). O decreto deu ao regime militar poder absoluto. A partir daí, as organizações de caráter político de oposição ao regime foram barbaramente massacradas e perseguidas. "Nos Sindicatos de Trabalhadores Rurais mais atuantes, a diretoria era substituída por interventores do estado, os chamados `pelegos´ e lideranças camponesas foram brutalmente assassinadas, presas e torturadas", relembra Hermínio.

O campesinato seguiu resistindo ao cenário de terror e violência protagonizado pela Ditadura Militar. Segundo Hermínio "umas das áreas mais cobiçadas para o avanço do capital na ditadura era a pré-Amazônia - que compreende os estados de Tocantins, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul." Foi naquela região, em 1975, em plena ditadura militar, que surgiu a Comissão Pastoral da Terra, como resposta à grave situação dos trabalhadores rurais, desenvolvendo um serviço pastoral e contribuindo com a luta e organização do campesinato contra a implementação do regime, que fazia o jogo dos interesses capitalistas nacionais e transnacionais.

Solidariedade e resistência no campo em Pernambuco

No estado, a luta dos camponeses e camponesas violentados pela ditadura militar contou com a solidariedade e a dedicação de pessoas que também seriam consideradas figuras indesejadas da Ditadura Militar Brasileira. Dom Helder Câmara, designado para ser o arcebispo de Olinda e Recife, chegou à capital pernambucana nos primeiros dias do Golpe Militar.

Por sua atuação social e política de repúdio ao Regime Militar, o "Arcebispo vermelho", como era denominado na época, foi perseguido e censurado pelos militares. Dom Helder ainda conseguiu realizar várias viagens ao exterior onde denunciava as violações de direitos humanos cometidas pela ditadura brasileira.

Outro lutador do povo que sempre esteve ligado às lutas do campesinato foi Gregório Bezerra. Nascido na região do Agreste do estado pernambucano, Gregório começou a trabalhar nas lavouras de cana com quatro anos para ajudar a família. Integrante do PCB, foi preso político e exilado durante o regime. Faleceu em outubro de 1983, deixando um legado de luta e resistência para Pernambuco e o Brasil.

45 anos depois: continua a perseguição política aos movimentos de luta pela terra

Após 45 anos, camponeses a camponesas são insistentemente criminalizados por levantarem a bandeira da Reforma Agrária. Casos mais recentes - como o fechamento das escolas itinerantes do MST no Rio Grande do Sul, em fevereiro deste ano, e a criminalização de lideranças de organizações do campo, como o caso do advogado da CPT, José Batista Afonso, são exemplos de que a perseguição política aos movimentos de luta pela terra persiste.

Para o professor Momesso, "a ditadura não existe mais enquanto regime, mas o capitalismo continua. As mesmas pessoas que patrocinavam a ditadura estão hoje no Governo, como Sarney. O capital não tem projeto para a sociedade, e nesse contexto, a tendência dele é radicalizar pela violência, sempre foi. Quando não é pela via do estado, é via milícias armadas contratadas pelos latifundiários. Nós estamos em uma democracia que é violência, é ditadura também", finaliza Momesso.
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"NÃO RESOLVEMOS A QUESTÃO CENTRAL DA REFORMA

DO PAPEL DAS FORÇAS ARMADAS", DIZ JOSÉ DIRCEU.

José Dirceu de Oliveira e Silva completava 15 dias de maioridade, mas ainda era um adolescente político. Trabalhava em um escritório na Praça da República, no centro de São Paulo, estudava no Colégio Paulistano e fazia cursinho pré-vestibular. Tinha acabado de fazer 18 anos quando viu descendo pela Rua da Consolação, vindo da Rua Maria Antônia, estudantes do Colégio Mackenzie fazendo manifestação em favor do golpe militar de 64. Contra os alunos direitistas, o jovem Zé Dirceu teve certeza de que estava do lado certo, mas jamais imaginou que poderia liderar nos anos seguintes parte da resistência à ditadura militar que vigorou por 21 anos. Passados 45 anos de sua maioridade e do golpe, José Dirceu avalia o período, refuta teses tais como “o AI-5 foi culpa das guerrilhas urbanas” ou que “a luta armada prolongou o regime ditatorial”. Ele reconhece o legado econômico do período, mas avalia que o país teria se saído muito melhor sob a democracia. O ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), ex-ministro-chefe da Casa Civil dn primeiro mandato do presidente Lula e deputado cassado por seus pares (sob acusação de envolvimento com o mensalão) analisa que, após quase 25 anos de redemocratização, o país precisa rever o papel das Forças Armadas e passar a limpo sua história contemporânea. A seguir, os trecho principais de entrevista por telefone, concedida no dia 26 deste mês.

Agência Brasil – No momento do golpe militar, o senhor já era militante?

José Dirceu – A minha militância política e um novo mundo que descobri aconteceram quando eu entrei para a PUC [Pontifícia Universidade Católica] para fazer o curso de Direito. Ali começo a militar com amigos do Partido Comunista Brasileiro, fazer cineclube, protestar contra o autoritarismo vigente na escola, contra as anuidades, contra o fechamento dos centros acadêmicos, pela associação atlética [da faculdade], contra o recrudescimento da ditadura com a Lei Suplicy [que extinguiu a União Nacional dos Estudantes - UNE e as uniões estaduais de estudantes] e com o Ato Institucional nº 2 [escrito “à nação” e que estabeleceu a suspensão de direitos políticos e eleição indireta para presidente, além de censura à propaganda considerada “subversiva”, entre outras medidas].

ABr – A esquerda fez uma leitura errada dos acontecimentos que antecederam o golpe, avaliando que poderia haver resistência?

Dirceu – O golpe era um golpe anunciado, que tem raízes na Escola Superior de Guerra. Tinha uma avaliação de que haveria tentativa de golpe, mas não houve uma preparação para resistir. Ainda que os norte-americanos estivessem preparados. Os americanos tinham mandado uma frota da Marinha para cá e estavam preparados não só para reconhecer os golpistas [como representantes legítimos do Estado brasileiro], como também para fazer uma intervenção política e militar ao lado deles. Em grande parte, o golpe foi financiado, articulado e apoiado pelos americanos. Depois disso e até o governo Geisel, toda política interna e externa refletiu essa ligação carnal com os Estados Unidos. O Juracy Magalhães [ministro das Relações Exteriores do governo Castelo Branco, 1966-1967] disse que “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.

ABr – Qual a pior conseqência do golpe?

Dirceu – Evidentemente a ditadura em si foi o pior. Há muitos aspectos da política econômica: concentração de renda, êxodo rural, empobrecimento das classes populares e endividamento. O que marca a ditadura é a repressão, as torturas, os crimes políticos, os desaparecimentos, a censura, o impedimento de que o país tivesse instituições democráticas. Até então, o Brasil em 70 anos de República viveu 35 de ditadura. Isso trouxe conseqüências graves para a formação política e cívica do país. O saldo que a ditadura deixou foi trágico: não só pelos assassinatos e torturas, mas pela cassação dos direitos políticos dos milhares que foram diretamente cassados como eu, mas de todo o povo brasileiro que não pôde exercer os direitos.

ABr – Na sua vida, a cassação e o exílio foram os piores momentos?

Dirceu – O golpe me despertou para a política, assim como aconteceu com milhões de brasileiros. O Brasil não parou de lutar. Fizemos questão de manter as ruas na mão daqueles que se opunham à ditadura. Nós mantivemos centros acadêmicos abertos e mobilizações de alguns setores contra a ditadura, como os de intelectuais, artistas, professores, jornalistas. Tentamos fazer uma ponte com o movimento sindical que se levantou em 1968, em Osasco (SP). A cassação do meu habeas corpus pelo Ato Institucional nº 5 foi o pior momento [que o impediu sair da prisão, feita durante o 30º Congresso da UNE, no interior de São Paulo].

ABr – Por que o movimento estudantil capitaneou a resistência ao regime militar?

Dirceu – Os estudantes pertenciam a uma geração libertária que saiu de casa, foi trabalhar e estudar nas grandes cidades sem depender dos pais. Foi uma geração avessa ao conservadorismo cultural e moral e ao autoritarismo que existia no país. O movimento estudantil foi mais do que luta contra a ditadura, foi uma revolução de comportamento. Isso coincide com um momento de grandes transformações no mundo.

ABr – Olhar isso com uma certa nostalgia não esconde a dureza que foram aqueles anos?

Dirceu – Não, a vida é assim, tem muitas facetas, é um arco-íris. A luta nossa teve seus momentos de tristeza e dor pelas derrotas, mas teve seus momentos de alegria e vitória pela criação e pelos sonhos.

ABr – A luta armada levou o país ao AI-5?

Dirceu – Não. Isso é uma tese sem fundamento que até serve de justificativa para o golpe. Os atos institucionais nº 1 e nº 2 já mostram a natureza da ditadura. Todo golpe tem uma natureza violenta porque é uma solução fora da política. Dizer que a repressão teve como causa a resistência à ditadura é uma coisa simplesmente inaceitável. Então não se pode lutar pela liberdade? Esse tipo de conceito não corresponde aos fatos históricos. Ditadura era ditadura. Também foram reprimidos os partidos políticos de oposição. O Partido Comunista Brasileiro, que não participou da luta armada, também foi reprimido. Não tem sentido esse argumento.

ABr – A visão revolucionária de alguns setores estava equivocada? A visão reformista do citado “Partidão” talvez fosse a leitura mais adequada daqueles momentos?

Dirceu – A luta armada tem, em primeiro lugar, uma justificativa pelo menos moral: é o direito à resistência, está previsto na carta das Nações Unidas, contra a opressão e um governo ilegítimo que nasceu da violência de um golpe militar inconstitucional e se impôs pela força. Evidentemente que não foi o método mais correto. Não soubemos combinar a resistência armada com a luta política e social. Porém, daí tirar a conclusão de que a luta pacífica ou que a resistência institucional poderiam ser bem-sucedidas está errado porque elas também foram derrotadas. No processo histórico todos aprendemos, não vejo por que dar toda a razão aos pacifistas ou negar toda a razão à luta armada, apesar do seu caráter militarista.

ABr – Qual foi o maior aprendizado?

Dirceu – Que não se pode fazer nenhuma luta se não tiver apoio popular e é preciso aprender com a luta. Nós aprendemos isso e exercitamos a partir de 80, muitos fundadores do PT vivemos essa experiência e soubemos aproveitá-la na vida política.

ABr – Houve acertos no regime militar?

Dirceu – Evidentemente houve acertos, não é possível governar o país por tanto tempo sem crescimento, sem realizações. O país mudou radicalmente. O Brasil de 1985 não é igual ao Brasil de 1964. É um outro país, para o bem e para o mal. Caracterizado pela pobreza, perda da soberania popular e ausência de instituições democráticas, mas também com infra-estrutura de telecomunicações, rodoviária, energia, apesar de ter abandonado as ferrovias, não ter desenvolvido a hidrovia, e de a produção de energia nuclear não ter dado certo. Teve endividamento externo, mas o país criou uma indústria petroquímica, a Petrobras sobreviveu, se constituiu a Eletrobrás, a Telebrás. Não se conseguiu criar uma indústria de TI [tecnologia da informação], mas o país avançou na indústria pesada, de máquinas e equipamentos, apesar de não ter conseguido acompanhar o desenvolvimento tecnológico mundial. O Brasil começou a criar as bases para a agricultura e a groindústria que tem hoje. O saldo absoluto negativo é no social e político. No econômico - como o país trabalhou, produziu, acumulou muito e aumentou sua população -, é inegável que houve crescimento, mas nada disso justifica a ditadura. Tudo isso poderia ter sido feito com democracia e teria sido feito melhor. Talvez, por exemplo, não teríamos visto um desenvolvimento urbano tão concentrador, tanta favelização. Talvez a participação do trabalho na renda nacional teria sido maior, feito a reforma agrária em uma época que teria outro impacto.

ABr – Que diferenças e semelhanças o senhor apontaria entre aquele projeto de desenvolvimento e o projeto atual do governo Lula?

Dirceu – Nenhuma semelhança. O país é outro, o mundo é outro, não tem nenhuma comparação. Não fazemos o crescimento com base no endividamento externo. O país já tem uma base industrial e tecnológica para dar saltos. O principal problema do país é combater a pobreza, a desigualdade, e fazer uma revolução tecnológica e educacional. Outro problema é fazer a integração da América do Sul, que não estava colocada naquela época. O discurso era chauvinista, de direita nacionalista, até de sub-imperialismo. Não vejo paralelo. Tudo agora é feito na democracia, naquela época não havia participação da sociedade. Não se pode comparar.

ABr – No governo Geisel, a abertura correu riscos?

Dirceu – Claro que correu. Só não ocorreu porque as forças que lutavam pela democracia foram se impondo. A sociedade foi se mobilizando: a Igreja teve um papel importante, o MDB [Movimento Democrático Brasileiro, partido de oposição ao regime militar que antecedeu o PMDB], os sindicalistas [que depois vão fundar o PT], os intelectuais, os jornalistas, a imprensa e as camadas populares que se levantaram por melhores condições de vida. O país caminhou para a democracia resistindo e lutando. Senão, não teria saído da ditadura. A democracia não é obra da distensão e nem dos militares, ela é obra de quem lutou.

ABr – Por que o Brasil tem tanta dificuldade de passar essa história a limpo?

Dirceu – Porque nós não resolvemos uma questão central que é a reforma e a revisão do papel das Forças Armadas no país. Foi criado o Ministério da Defesa, mas ele não está consolidado. Nunca os militares abriram mão de autodefinir as suas políticas. Nunca o Congresso Nacional avocou isso para si, o que significa que a sociedade não avocou para si. Existe um capítulo não encerrado, como acontece em outras casos. Precisamos, por exemplo, fazer uma reforma política e não deixar que o poder econômico, a cada dia, controle mais a política, e a política dependa do dinheiro. O Brasil não acertou as contas com a sua própria história. Por Gilberto Costa/Abr.









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