quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Muro de Berlim

09 de novembro de 2009 | N° 16150AlertaVoltar para a edição de hojeARTIGOS
O Muro de Berlim, por Paulo Brossard*Estão sendo lembrados os 20 anos da queda do Muro de Berlim, e o fato devia mesmo ser lembrado e relembrado, seja porque foi construído, seja porque foi desfeito. Algumas das personalidades que participaram do acontecimento têm sido nomeadas, Gorbachev, Ronald Reagan, Margaret Thatcher, Bush (pai) e Helmut Kohl reuniram-se na capital da Alemanha em encontro promovido pela Fundação Konrad Adenauer. Adenauer, convém lembrar, assistiu à ascensão do nazismo, testemunhou seu desastre e veio a assumir o governo de sua terra, vencida e dividida, e conduziu a reconstrução do que sobrara, pedra por pedra, desde os alicerces, depois de 12 anos de fúria e demência.

Eu não podia materializar mentalmente o que seria ou como seria o Muro. Foi preciso que o visse com meus próprios olhos para acreditar no que via. Foi em 1963. Deputado estadual, fui convidado a visitar a Alemanha Ocidental. Entre outras cidades importantes, estive em Berlim e vi o Muro, o que era e como era, soldados armados no lado Oriental, no seu alto. Se aquilo tivesse sido preservado de uma das antigas e desaparecidas civilizações, a caldaica por exemplo, eu poderia entender, mas ver aquela criação da segunda metade do século 20 a separar uma capital europeia, não podia entender.

Voltei à Alemanha mais de uma vez, enquanto deputado federal e senador, e em todas estive na capital seccionada; em uma das últimas, recebi igual convite da Alemanha Oriental, por sua embaixada em Brasília. O embaixador brasileiro na Alemanha Oriental, Mário Calábria, foi buscar-me em Berlim Ocidental, e seu automóvel foi inspecionado na passagem do muro. Saliento que o tratamento foi régio. Pude ver e muito me impressionou o desnível entre os dois lados do muro, ou melhor dizendo, entre as duas Alemanhas.

Embora o Muro fosse em si mesmo uma monstruosidade no tempo e no espaço, na Europa e no século 20, durou anos; não foram poucas as vítimas que tentaram transpô-lo. Também foram muitos os que entraram a enfrentar o poder ilimitado, do qual o Muro era a expressão visível; no entanto, não faltavam pessoas pelo mundo afora que repetiam as mais fúteis ou adocicadas razões para justificá-lo; muitas delas, impõe-se salientar, de inegável inteligência e ilustração. Via de regra, as mesmas que, a despeito das dimensões insuperadas da concentração totalitária, rendiam as maiores homenagens e teciam os mais delicados ditirambos às ditaduras instaladas a partir da Cortina de Ferro, e algumas bem antes dela. Agora, o mais chocante. Só depois que a cúpula da União Soviética reconheceu e denunciou os crimes do stalinismo, muitas e muitas pessoas, inquestionavelmente doutas, passaram a ver o que não haviam visto até então. E passaram a ser anti-stalinistas com o mesmo ardor que haviam sido ferrenhamente stalinistas...

Desnecessário dizer que não me ocupo dessas coisas por deleite ou para ferretear os procedimentos de algumas ou de muitas pessoas, mas porque me impressiona o fenômeno em si, o que se poderia chamar de exacerbado servilismo ideológico. Ou de outro nome qualquer, pois a mim pouco importa o nome. O fato, este sim importante, é que o Muro ruiu e nada autoriza, pelo menos por ora, admitir que alguém suponha restabelecê-lo. No entanto, convém não esquecer que o Muro foi obra de homens e isto deve impressionar os viventes. Da minha parte, depois que vi as duas Alemanhas, de um lado e de outro, a despeito de todo o absolutismo estatal vigente em uma delas, cheguei à conclusão de que, dia mais, dia menos, a realidade seria mais poderosa que a força sem limites, tendo a seu serviço os recursos da ciência e da técnica.

Sou levado a crer, repito, que o Muro não tenha adeptos, mas, forçoso é convir, ainda há mentes enfeitiçadas por velhas e gastas ditaduras, anteriores ao próprio Muro, posto abaixo faz 20 anos.



*Jurista, ministro aposentado do STF

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