quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Ruy Carlos Ostermann


Sem recomendação
Ruy Carlos Ostermann


Sair de férias não é bem assim, como testemunhava o Luiz Antonio de Assis Brasil em crônica no Segundo Caderno da Zero Hora numa manhã dessas, preguiçosa. De fato, vazia de qualquer propósito operativo do tipo trocar de perna, levantar um braço e deixar o outro como morto na areia, virar de bruços lentamente, sem gemer, ou fazer uma declaração em brâmane a respeito da condição definitivamente quadrúpede da nossa verdadeira satisfação não-intelectual, mirar com pontaria invejável o sabiá que ainda canta os desafetos da última primavera. Queixou-se o mestre do calor, do suor pegajoso e mal cheiroso, da camisa empapada, do mal-estar dos pés, do peso descomunal da umidade sobre todos nós.



É isso mesmo e muito mais. Além do último Nabokov, de página mista e bilíngue, comecei o último Chico Buarque, eletrizando, mas não tanto que me fizesse ficar quieto num canto afastado da casa de madeira à beira do rio, a um passo do mar do Siriú, debaixo de um chapéu de sol. Rabiscar até rabisquei num velho caderno que fica de um verão para o outro à espera da minha inspiração, que não passa de algumas frases indecifráveis tempos depois, alguma coisa com a minha mãe, uma paisagem especialmente significativa, mas que não lembro mais de que tratava, se de morro ou escarpa, de água ou sol.



O verão assim como está nesses dias é o do Assis Brasil, uma espécie de punição para quem se atreve a seguir apenas os seus sentimentos, e esses do corpo enxaguado são os piores, porque permanecem o dia inteiro colados nas costas, na barriga e correndo delicadamente pela testa, nada mais profundo e escatológico do que acordar no centro da cama enlameada, desorientado, batendo nas paredes do fundo, no final de um pesadelo com gelo e água correndo por baixo da cama na direção da janela. É uma experiência sem correspondência com nenhuma outra que não seja a das experiências nazistas com mulheres despidas e homens a contragosto, contra a parede em fogo, logo antes do gás.



Não recomendo acordar assim, nem deitar desse jeito, muito menos passar o dia todo debaixo de um chuveiro com água quente pela testa.

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