quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Torturadores Anistiados

*OS TORTURADORES – O GOLPE MILITAR DE 1964 – CRIME HEDIONDO NÃO TEM ANISTIA*


Laerte Braga

Há uma forma bem simples de encarar o golpe militar de 1964 e que depôs o
governo constitucional do presidente João Goulart instaurando um período de
violência, barbárie e entrega do País a interesses de uma nação, os Estados
Unidos e grupos econômicos internacionais.

As redes de tevê hoje gostam de exibir cenas de assaltos fracassados em que
os assaltantes, na iminência de virem a ser presos, mantêm uma ou duas
famílias como reféns.

O que os militares fizeram em 1964 foi isso. Seqüestraram a nação inteira e
nos mantiveram reféns debaixo de um imenso tacão nazista, transformando o
Brasil num mero acessório no jogo das grandes potências e em boa parte desse
período transformando seus “comandantes” (o verdadeiro comando era externo,
vinha de fora) em novos milionários (a corrupção é companheira inseparável
da violência), tudo isso sustentado em câmaras de tortura, estupros,
assassinatos, a absoluta falta de respeito e princípios de dignidade dos que
se sustentam na barbárie e na boçalidade que é a regra geral, ainda hoje, da
maioria dos nossos chefes militares.

As vítimas somos todos os brasileiros, uns em maior, outros em menor escala,
mas as vítimas somos todos os brasileiros. E não se constrói uma nação livre
e soberana sem que sua História seja contada sem pontos e vírgulas ocultos
ou omitidos e que sirvam para esconder mentiras e farsas travestidas de
substantivos ou adjetivos pomposos, como democracia, liberdade, patriotismo,
dever cumprido, etc.

Os que mantêm famílias como reféns nesses assaltos corriqueiros de nossos
dias (as forças de segurança estão mais preocupadas com a segurança dos
donos do País e estigmatização da luta popular, a criminalização de
movimentos como o MST) justificam a ação como conseqüência da miséria, da
necessidade de sobrevivência, da falta de perspectivas. Os que seqüestraram
o Brasil em 1964 buscaram justificar o ódio à liberdade, à democracia,
escondidos num “patriotismo” canalha, mal disfarçado ou por outra, que nem
preocuparam- se em disfarçar.

A história das forças armadas brasileiras revela militares de grandeza
ímpar, caso do marechal Teixeira Lott, do marechal Luís Carlos Prestes, do
major Cerveira, do sargento Gregório Bezerra, do capitão Carlos Lamarca, e
certamente, e alguns anônimos sacrificados na absoluta falta de escrúpulos
dos seqüestradores do Brasil.

No Fórum Social Mundial de 2003, em Porto Alegre, uma freira iraquiana, irmã
Sherine, disse a milhares de pessoas que lotavam o Gigantinho, ginásio do
Internacional, que a grande tragédia do seu país, o Iraque, era o petróleo.
O que deveria ser a riqueza de seu povo, permitir o progresso comum a todos,
a existência, a coexistência e a convivência em bases dignas e humanas, se
transformava em tragédia, pela cobiça dos seqüestradores, no caso os
norte-americanos, os britânicos, os países subalternos que os seguiram e as
grandes empresas que vieram atrás.

Somos o maior País da América Latina. Do ponto de vista territorial,
político, econômico, chave para os interesses dos EUA nessa parte do mundo.
O golpe de 1964 começou com a deposição do ditador Vargas em 1945 e o que se
prenunciava democracia manteve-se no governo do condestável do Estado Novo,
o marechal Eurico Gaspar Dutra. Derrotou o projeto militar de eleger o
brigadeiro Eduardo Gomes, fundador da Aeronáutica brasileira e projeto da
direita para o Brasil (era um homem digno, de caráter, diferente de Médice,
Castello, Costa e Silva, Figueiredo, esse tipo de gente).

O projeto tornou a fracassar em 1950 quando Getúlio Vargas voltou ao poder
pela maioria absoluta dos votos dos brasileiros derrotando o mesmo Eduardo
Gomes. A guinada do novo Getúlio (se é que podemos dizer assim) que
resultou, por exemplo, na criação da PETROBRAS (a imensa e esmagadora
maioria dos militares era contra embora fossem muitos os militares que
lutavam a favor na campanha “o petróleo é nosso”), essa guinada, o ranço do
anti-getulismo e de conquistas da classe trabalhadora ao longo do período
que vai da revolução de 1930 até a morte de Getúlio, em agosto de 1954, deu
força à indústria do golpe, com largo alcance num primeiro momento na
Marinha e na Aeronáutica e em seguida se alastrando pelo Exército, onde os
chefes militares identificados com o País iam sendo afastados ou
literalmente peitados pelos nazi/fascistas.

Foram os que subscreveram o manifesto dos coronéis em 1954, pedindo o
afastamento do então ministro do Trabalho João Goulart que havia aumentado o
salário mínimo em 100%. Entre os signatários desse manifesto, golpistas a
serviço da empresa privada e interesses estrangeiros como Golbery do Couto e
Silva, Cordeiro de Faria e outros que viriam a ser proeminentes figuras dez
anos mais tarde na boçalidade tramada e comandada por Washington, o
seqüestro do Brasil por bandidos fardados.

*UM BREVE, MAS SUFICIENTE DEPOIMENTO DE UM CORONEL/TORTURADOR*

A tradição histórica das forças armadas brasileiras é na sua maior parte
golpista e de direita, ou seja, fascista. Seu alinhamento e submissão a
Washington tem sido quase total. Ainda agora, no golpe que derrubou o
presidente constitucional de Honduras, um coronel brasileiro, aluno da
escola de golpes para a América Latina, situada na base militar dos EUA em
Tegucigalpa, emitiu parecer favorável ao golpe, rotulando-o de democrático.

Somo ainda, mesmo em um suposto processo democrático, os seqüestrados e
ameaçados pela barbárie dessa gente. Estamos confinados aos limites da
mentalidade tacanha e podre desses militares.

O depoimento prestado pelo coronel Brilhante Ulstra, comandante do DOI/CODI
(Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa
Interna), à Procuradora da Justiça Militar em São Paulo, Hevelize Jourdan
Covas (esteve em Brasília para ouvir um dos principais assassinos do período
militar) é um primor de desfaçatez e amoralidade. O fato aconteceu em 15 de
outubro na Corregedoria da Justiça Militar. E serve como um dos fios dos
vários novelos enrolados pela ditadura militar e seu caráter de subordinação
a governo de outro país, violência e crueldade.

Brilhante Ulstra, responsável por um dos mais cruéis centros de tortura,
estupros e assassinatos da ditadura militar, declarou que chegou a São Paulo
na primeira quinzena de 1970 e que “o terrorismo aumentava cada vez mais,
principalmente no estado de São Paulo e no Rio de Janeiro”. A definição de
“terrorismo” do carrasco Ultra refere-se aos resistentes ao seqüestro do
Brasil por militares subordinados a um governo estrangeiro e a empresas e
interesses que não os de nosso País.

Segundo o coronel, preparado inclusive por organismos internacionais
preocupados com a repulsa popular ao golpe, os “órgãos policiais” foram
surpreendidos pela ação dos “terroristas”. Estudantes, trabalhadores,
camponeses, donas de casa. Para ele esse tipo de resistência pegou de
surpresa operações especiais como a OBAN (OPERAÇÃO BANDEIRANTES) ,
subordinada ao II Exército, com sede na capital paulista e montada por
militares, polícia estadual e empresas. O filme CIDADÃO BOILESEN, exibido já
em vários pontos do Brasil mostra a participação do empresário Boilesen, de
origem dinamarquesa na repressão aos que lutavam contra a ditadura. Mercedes
Benz, Supergasbrás, FOLHA DE SÃO PAULO, FIESP (Federação das Indústrias de
São Paulo) etc.

Diante desse quadro o próprio presidente da República (ditador) elaborou uma
diretriz de “segurança interna” que deu poderes aos generais de Exército
(são três as patentes de general no Brasil, de Brigada, de Divisão e de
Exército), então comandantes militares de suas respectivas áreas, para
combater o “terrorismo”.

Em cada área foi criado um Conselho de Defesa Interna (CONDI), um centro de
operações – CODI - e um destacamento para operações (DOI). A atuação do
coronel Brilhante Ulstra abrangeu, segundo suas próprias declarações, o
período de vinte e nove de setembro de 1970 a vinte e três de janeiro de
1974. O período Médice, semelhante à ditadura Pinochet no Chile”

Segundo Brilhante Ulstra o comandante do II Exército, general José Canavarro
Pereira, lhe deu plenos poderes para combater o “terrorismo”. Ulstra era
major à época e a frase/ordem de Canavarro foi a seguinte – “major, amanhã o
senhor assumirá o comando do DOI/CODI. Estamos numa guerra. Vá assuma e
comande com dignidade”. Comandar, Brilhante Ulstra comandou. Dignidade não
me consta que assassinos, torturadores, sobretudo de presos por crime de
opinião, indefesos, não me consta que tenha.

Cínico, amoral, chegou a dizer em seu depoimento que a partir deste momento
sua família corria perigo com constantes ameaças às suas vidas e que as
funções foram exercidas com “sacrifícios e privações”. É típico de canalhas
esse tipo de defesa para o inconfessável.

Relatou os “atos de terrorismo” em linhas gerais, falou de “crimes de
resistentes”, negou a tortura, admitiu que, eventualmente, pode ter havido
algum excesso, que muitos presos arrependidos acabavam por ajudar na
apuração dos “crimes”, dá para imaginar as “pregações pelo arrependimento”.
Negou qualquer participação no crime contra Wladimir Herzog e beirando os
limites da hipocrisia absoluta falava que os “suicídios” eram “suicídios
mesmo”.

Repugnante. Repulsiva a figura.

Trecho de seu depoimento – “que afirma que trinta e sete pessoas foram
mortas no DOI/CODI durante seu comando, apresentando relação com dados
completos das pessoas citadas. Que estes trinta e sete militantes morreram
nas ruas em combate com os seus subordinados, ou então, quando reagiam ou
tentavam fugas em pontos normais, pontos de polícia ou e pontos frios. Que
quando morriam em uma destas situações não era possível solicitar perícia
local, pois os terroristas agiam com cobertura armada, havendo risco de
ataque aos agentes que preservavam o local; que o corpo era levado ao DOI,
sendo feito contato com o DOPS, para o encaminhamento ao IML, para autópsia
e abertura de inquérito”.

As autópsias foram executadas pelo médico Harry Shibata proibido de exercer
a medicina e banido da profissão por assinar laudos falsos sobre mortos por
tortura nas dependências do DOI/CODI sob o comando do coronel Brilhante
Ulstra.

Brilhante Ulstra fala em ter orgulho das funções que exerceu e seu
depoimento é público. As instituições da classe médica não carregaram a
vergonha de ter em seus quadros Harry Shibata.

*A DITADURA VEIO DE FORA – A DOUTRINA DA SEGURANÇA NACIONAL*

* *

A renúncia de um tiranete corrupto, alcoólatra e irresponsável em agosto de
1961, Jânio da Silva Quadros, fazia parte de uma tentativa de golpe. Só que
Jânio não combinou nada com ninguém, a não ser os copos que tomava,
enfrentou a oposição de Carlos Lacerda (então governador do antigo estado da
Guanabara, hoje cidade do Rio de Janeiro), um dos seus principais aliados ao
negar-lhe favores pessoais (entendia ser Lacerda um risco para seus
projetos), acabou trazendo de volta à cena os militares que desde a
deposição de Getúlio em 1945 vinham tentando impor ao Brasil o modelo
cristão, ocidental e fascista desenhado em Washington.

Foi assim em 1954, em 1955 quando tentaram criar obstáculos à posse do
presidente eleito, Juscelino Kubistchek e após a renúncia de Jânio. O vice
João Goulart estava em missão oficial na China e os três ministros militares
resolveram negar-lhe o direito constitucional de assumir a presidência da
República. O marechal Odílio Denys (que traiu seus principais companheiros,
dentre o marechal legalista Teixeira Lott), o brigadeiro Grum Moss e o
almirante Sílvio Heck.

Foi a resistência popular e a ação do governador do Rio Grande do Sul,
Leonel Brizola que, num primeiro momento, conseguiu assegurar a posse de
Jango num regime parlamentarista votado às pressas ( Brizola recebeu apoio
do general Machado Lopes, comandante do III Exercito, no Rio Grande do Sul)
e num presidencialismo obtido pelo voto popular em janeiro de 1963, quando
Jango, definitivamente, assumiu o governo.

A revolução cubana e a explosão de movimentos populares em toda a América
Latina por governos livres dos interesses e do tacão fascista de Washington
levaram empresas e governo dos EUA a criarem uma comissão específica para
situações semelhantes em todo o mundo a chamada Comissão Tri-lateral AAA –
AMÉRICA, ÁSIA e ÁFRICA – e foi essa comissão que desenvolveu a chamada
doutrina de segurança nacional, minuciosamente descrita pelo padre Joseph
Comblin num livro com o mesmo nome “a doutrina da segurança nacional”, aqui
editado pela Editora Civilização Brasileira.

Se no A de América Latina surgiram ditaduras além das já existentes na
América Central principalmente, surgiram também conflitos na Ásia e na
África. No Vietnã, onde os franceses foram derrotados, em países africanos
que lutavam por sua independência do colonialismo europeu (britânico,
francês, belga, holandês e português). Os outros dois As da comissão.

No caso latino-americano um governo de centro esquerda como o de João
Goulart, com propósitos de reforma agrária, nacionalização plena do
petróleo, dos setores básicos da economia, não interessava e nem interessa
aos EUA. Quem imagina que os Estados Unidos seja uma União de estados
equivoca-se. Pode até ter sido, mas é apenas uma união de quadrilhas de
banqueiros sionistas, empresários, o complexo militar/empresarial a que se
referiu o general Eisenhower, hoje sob a batuta de um cervejeiro, Barack
Obama. Branco de pele negra eleito presidente da República.

A derrubada do governo Goulart foi tomada montada em Washington com ação
direta do embaixador dos EUA no Brasil (documentos oficiais revelam isso e
estão à disposição no arquivo público daquele país, no Congresso
norte-americano) , Lincoln Gordon, do general Vernon Walthers, designado para
comandar as forças armadas brasileiras pelo fato de falar português e ser
amigo do ditador Castello Branco.

As lições de 1961, quando não conseguiram evitar a posse de Goulart, foram
aprendidas e farsas de defesa da democracia como a “marcha da família com
Deus pela liberdade”, pregações histéricas e abertamente golpistas de Carlos
Lacerda, o controle da maior parte da mídia, a descarada intervenção
norte-americana nas eleições de 1962 através de um instituto laranja para o
golpe (IBAD – INSTITUTO BRASILEIRO DE AÇÃO DEMOCRÁTICA), todo um cenário,
para se chegar ao golpe.

1964 representou um grande expurgo de militares legalistas, nacionalistas,
socialistas, ou comunistas, mais de dois mil, uma tomada de poder por
delegados de Washington e um briga de vaidades entre generais repletos de
medalhas por bom comportamento, ou torturadores como Brilhante Ulstra, por
assassinatos, estupros, tortura, etc.

E já um ano depois foi rejeitado nas urnas quando Negrão de Lima e Israel
Pinheiro foram eleitos respectivamente governadores da Guanabara e de Minas
Gerais, mesmo sendo homens de centro. Toda uma ação planejada, bem pensada,
dentro do contexto e dos limites traçados pela Comissão Tri-lateral AAA,
foram seguidos à risca e a repressão brutal, sangrenta, assassina, cruel dos
militares brasileiros começou desordenada, organizou-se precariamente (do
ponto de vista deles) na OPERAÇÃO BANDEIRANTES, mas atingiu a limites de
perfeição e requintes de barbárie na criação dos DOI/CODI, por todas as
áreas militares e a associação com ditaduras de países como a Argentina, o
Uruguai, o Chile e o Paraguai, na Operação Condor (objeto de mestrado da
doutora Neuza Cerveira e com documentos oficiais), a partir dos centros do
verdadeiro terrorismo, o de Washington.

Instrutores norte-americanos passaram a assessorar militares e policiais
brasileiros, caso de Dan Mitrione o mais conhecido deles. Terminou executado
em combate em Montevidéu no Uruguai.

Não só o treinamento, como a presença de agentes estrangeiros, a conivência
e a submissão de militares brasileiros aos norte-americanos, como tecnologia
de ponta na tortura transformaram o País num grande campo de concentração,
onde quem não estava preso, silenciava com medo do terror oficial, ou então
era cúmplice.

Brihante Ulstra é o exemplo claro, pronto e acabado de militar indigno em
qualquer força armada digna se é que esse tipo de força armada existe. Ou se
levarmos em conta o que chamam de honra militar.

É só uma ponta do processo que gerou monstros fardados e travestidos de
democratas, patriotas, Brasil afora.

A ditadura veio de fora e dentro do contexto da guerra-fria, escorada na
doutrina de segurança nacional.

Barbárie, violência e entreguismo puro, em essência.

Essa característica estúpida e boçal dos ditadores e seus sicários e não
poderia ser outra, é genética, logo mostrou-se insuficiente para seduzir os
brasileiros. Em 1970 o protesto da população foi silencioso. O número de
votos nulos e brancos foi maior que o de válidos, mas os esquemas para que
vencessem prevaleceram. Em 1974, derrotados de forma explícita nas urnas,
tentaram manter as aparências, editaram o pacote de abril (governo Geisel),
alterando as regras como a criação do senador biônico, eleito indiretamente,
para evitar a perda da maioria nas eleições de 1978, até que, em 1982
começaram a ruir definitivamente, mas logo os donos inventaram a democracia
como a que temos, com figuras como Collor, FHC e agora tentam impingir José
Collor Serra, assustados com as poucas, mas significativas e expressivas
conquistas do governo Lula, sobretudo a perspectiva de um Brasil soberano,
numa América Latina que começa a se levantar contra o império nazi/sionista
dos EUA.

Nas eleições de 1982, já sem o bi-partidarismo imposto de cima para baixo e
sem o AI-5, a ditadura valeu-se de um penúltimo casuísmo. Ao perceber que
seria derrotada nos grandes centros do País, em estados como Minas, São
Paulo, Rio, Pernambuco, Rio Grande do Sul e outros, o ministro da Justiça
Leitão de Abreu vinculou os votos de ponta a ponta, ou seja, ao votar num
candidato de determinado partido, todos os demais candidatos teriam que ser
do mesmo partido. Seriam eleitos desde os governadores, dois terços do
Senado, a totalidade da Câmara dos Deputados, assembléias legislativas,
prefeitos e câmaras de vereadores e estava em jogo a eleição do presidente
da República em 1984, ainda pela via indireta, como previa a carta imposta
desde o governo de Castello e golpeada em 1968 pelo AI-5.

Isso implicou na necessidade de reações imediatas da oposição para sua
sobrevivência e estados como Rio Grande do Sul e Pernambuco foram perdidos
na manobra, além, lógico, da maioria do Congresso Nacional. A ditadura não
controlava os chamados grandes centros urbanos, mas os “coronéis” (esses com
aspas) e os sem aspas controlavam o interior do Brasil, o que Tancredo
chamava de “burgos podres”.

*OS APETITES PRESIDENCIAIS E DITATORIAIS*

* *

* *

O golpe militar de 1964, para além de interesses internacionais sobre e no
Brasil, a cumplicidade das elites econômicas do País, revelou também
apetites ditatoriais para além das forças armadas. Castello Branco foi uma
imposição de Washington a partir do general Vernon Walthers, seu amigo
pessoal (era o oficial de ligação entre as tropas da FEB e dos EUA na IIª
Grande Guerra) e dos governadores Magalhães Pinto, Carlos Lacerda e Ademar
de Barros, respectivamente de Minas Gerais, Guanabara e São Paulo.

Os três apostavam numa rápida transição de um governo militar para um
governo civil eleito pelo voto direto, tanto quanto na eliminação de
eventuais adversários à esquerda (ou presa, ou exilada, cassada) ou de
Juscelino, a princípio, o grande favorito para as eleições de 1965.

O acordo que permitiu a eleição de Castello Branco, então chefe do Estado
Maior do Exército e ligado à extinta UDN (foi cogitado para ser o vice de
Jânio Quadros em 1960), todo ele conduzido sob a inspiração de Vernon
Walthers e a batuta dos três principais governadores brasileiros, incluiu o
antigo PSD e, lógico, JK, que era senador pelo estado de Goiás. O PSD
era maioria
no Congresso, setores do partido estavam levantando a candidatura do
marechal Eurico Gaspar Dutra, ex-presidente e fora do campo de interesses e
disputas dos golpistas. Dutra foi o condestável do estado novo em 1937 e
quem comandou (diante do fato consumado) a deposição de Getúlio em 1945.

Magalhães Pinto, governador de Minas, ainda tem sua biografia não escrita
com todas as letras reais. Um dos políticos mais corruptos e pusilânimes de
nossa história. Sem caráter algum, sem princípios, o tipo do sujeito
asqueroso, pois fala mansa, cheio de armadilhas e por aí afora. Ao perceber
o inevitável, que dentro das forças armadas havia dois grupos distintos, os
duros (Costa e Silva) e os moderados (Castello) e vários subgrupos em torno
dos dois, assentou-se numa moita e ficou esperando para ver quem levaria a
taça. Seria esse, como foi, o seu caminho.

Lacerda apostava nos seus vínculos com militares principalmente na Marinha e
na Aeronáutica. Estivera no palco principal dos acontecimentos políticos
desde o suicídio de Vargas, a renúncia de Jânio (bancou a candidatura do
maluco dentro da UDN) e o golpe. Eram seus trunfos para ser ungido
presidente em 1965, contando inclusive com eleições indiretas num primeiro
momento.

Ademar sabia que estava na corda bamba, era visto como corrupto pelos
militares e contava apenas terminar seu governo em São Paulo e num golpe de
sorte virar uma espécie de presidente de conciliação.

Magalhães pulou no colo de Costa e Silva, virou ministro das Relações
Exteriores. Lacerda num acesso de raiva ao saber que não seria o presidente
em seguida a Castello acabou cassado e Ademar nem o governo terminou em São
Paulo. Foi cassado e substituído por Laudo Natel.

JK saiu de cena mais cedo ainda. Pressionado pela linha dura Castello não
cumpriu o que fora acordado quando de sua eleição. No meio do seu governo
foi emparedado por Costa e Silva, seu ministro do Exército e a tentativa de
indicar um civil, Bilac Pinto para sucedê-lo, morreu na frase de Costa e
Silva ao viajar para o exterior e sabendo das manobras para demiti-lo –
“viajo ministro e volto ministro” –. Estava definido ali o futuro
presidente.

A linha dura vencera essa disputa e figuras como Jarbas Passarinho (major
que traiu Lott, traiu Castello e quem se lhe opusesse) começam a aparecer e
a dominar o cenário. O fato de ser major não o impedia de ser o principal,
ou um dos principais articuladores da linha dura. Virou inclusive o
preferido dos falcões norte-americanos para o desmonte do ensino público no
País, entidades estudantis e dos sindicatos. Um célebre convênio MEC/USAID
(Ministério da Educação e Cultura e Agência Internacional dos EUA para o
Desenvolvimento – braço da CIA).

Sobre Magalhães Pinto um episódio que ilustra a grandeza de João Goulart. JK
e Lacerda reconciliam- se e promovem a criação da FRENTE AMPLA, em 1968.
Levam a idéia a Goulart (Brizola e Jânio rejeitam) e a tentativa era a de
uma grande mobilização popular pela retomada do processo democrático. Na
viagem para Montevidéu onde foram encontrar-se com Jango, Lacerda confessou
a Juscelino seu constrangimento diante das muitas críticas que fizeram ao
ex-presidente e do seu papel no golpe de 1964.

Ao entrar na casa de Jango encontrou o ex-presidente de braços abertos para
um abraço e ouviu as seguintes palavras –“venha cá governador, me dê um
abraço, nunca lhe votei ódio, rancor ou mágoa, pois o senhor sempre foi
oposição ao meu governo e a mim. Tenho asco do governador Magalhães Pinto
que na manhã do golpe telefonou-me jurando lealdade. Não gosto de
traidores”. Lacerda abraçou-o com lágrimas nos olhos e certamente um
profundo remorso dentro de si.

O que não estava no programa foi o derrame sofrido por Costa e Silva. Fraco,
ridículo, jogador contumaz, dominado pela corrupção familiar (sua mulher e
filho), criou um problema para os golpistas. O vice era Pedro Aleixo, antigo
deputado da UDN e de formação liberal. Israel Pinheiro, governador de Minas,
em meio aos acontecimentos, convocara Aleixo a BH para tentarem uma frente
de resistência. Aleixo abriu mão.

Sai o segundo golpe dentro do golpe. Os ministros militares sob o comando do
general Aurélio Lyra Tavares afastam o presidente, formam uma junta militar
(o AI-5 já era uma realidade) e promovem uma eleição dentro dos quartéis
para evitar um racha de grandes proporções entre os militares. Sendo a força
maior o Exército votou (oficiais) para escolher entre Garrastazu Medice e
Afonso Albuquerque Lima. Medice levou amparado por Orlando Geisel e o terror
desorganizado ganhou contornos de horror e boçalidade milimetricamente
planejados e executados.

A eleição de Medice atende à doutrina de segurança nacional e o Brasil passa
a ser o centro dos golpes na América Latina. Da tortura, da barbárie, da
violência e da estupidez características de tiranos.

O que antes era uma operação financiada por empresários, a OBAN, vira
Operação Condor envolvendo todo o chamado Cone Sul (Brasil, Argentina,
Uruguai, Paraguai e Chile e estende-se a América Latina como um todo). Era
literalmente um esquadrão da morte. Mataram Orlando Letelier, Carlos Pratts,
Juan José Torres, centenas de resistentes, Juscelino Kubistchek, uma
história ainda não contada em sua totalidade.

Os militares se viram obrigados a esse jogo de cena de troca de generais
entre outras coisas por conta de uma decisão do governo Castello Branco.
Castello extinguiu o posto de marechal da reserva e limitou o tempo de
generalato a quatro anos. Antes um general poderia permanecer na ativa até a
chamada expulsória (70 ou 75 anos, não me recordo bem).

O desgaste internacional a que o Brasil se viu exposto com o governo Medice,
a condenação por crimes sistemáticos contra os direitos humanos, a reação
popular a cada eleição, acabou permitindo a Golbery do Couto e Silva,
principal articulador dos chamados militares moderados, ressuscitar o
general Ernesto Geisel, irmão de Orlando e que no início do golpe fora
designado para o STM (Superior Tribunal Militar), uma espécie de túmulo para
oficiais generais das três armas).

Se não era afinado com o irmão Ernesto, o ministro Orlando Geisel não se
apôs e sendo ele a figura principal do governo Medice. Uma espécie de
rodízio ficou acertado, o que permitiu a Ernesto Geisel ser eleito
presidente da República, já consciente que era preciso começar a bater em
retirada no velho estilo não tão depressa que pudesse parecer covardia, nem
tão devagar que pudesse significar provocação.

O ministério do Exército nessa composição de caserna foi para o general
Sílvio Frota que sequer falava, apenas grunhia e vociferava, bisonho e
tacanho, mas com forte apetite para ditador. Quando percebeu que o indicado
de Geisel seria o general João Batista Figueiredo, então chefe do SNI,
tentou um golpe, abortado por um rápido contragolpe de Geisel com apoio do
chefe do Gabinete Militar, general Hugo Abreu, de grande prestígio na tropa.
A posição de Hugo Abreu soou estranha à linha dura, já que um dos seus
integrantes.

Sem o AI-5, com a anistia decretada por Geisel, a volta dos exilados, a
linha dura tenta articular-se em torno de Walter Pires, ministro do
Exército, mas figura medíocre, sem liderança e escolhido exatamente por
isso.

Figuras como Jarbas Passarinho, Mário Andreazza e outros pretendentes à
presidência acabam atropelados por Tancredo Neves, em 1984, em seguida ao
maior movimento popular do País, a campanha pelas diretas. Custaram a
perceber que a candidatura de Tancredo fora costurada desde sua eleição em
1982 para o governo de Minas e entre os costureiros, o general e
ex-presidente Ernesto Geisel. Geisel foi chefe do Gabinete Militar de
Tancredo no período do parlamentarismo, no governo do presidente João
Goulart.

Octávio de Aguiar Medeiros, general e a mais importante figura do governo
Figueiredo (na área militar, na econômica Delfim Neto já havia engolido
Mário Henrique Simonsen), foi o último general do período de 1964 a
alimentar a pretensão de virar ditador. Não conseguiu sequer ensaiar um
segundo passo, ele e Figueiredo não mais que relinchavam.

*A ANISTIA*

* *

* *

O acordo costurado pelo ditador Ernesto Geisel para suspender a vigência do
AI-5 e decretar a Anistia começou pelas mãos de Petrônio Portela
(ex-udenista, janguista, traiu no dia quando percebeu a vitória dos
golpistas. Soltou um manifestou de apoio a Jango pela manhã, era governador
do Piauí e outro de apoio ao golpe à tarde). Candidato a presidente morreu
ministro da Justiça do governo Figueiredo.

Foi designado ministro da Justiça no governo do ditador João Batista
Figueiredo exatamente para conduzir o processo que permitisse ao partido
oficial eleger o primeiro presidente civil e acreditava que seria ele o
indicado.

A essa altura do campeonato, nos Estados Unidos, matriz e condutor do golpe
(houve arranhões durante o governo Geisel) a passagem de Jimmy Carter pela
presidência desarticulou algumas forças pré-históricas, o bastante para que
ditadura latino-americanas se sentissem ameaçadas.

É um detalhe significativo, mesmo Carter não tendo sido reeleito (nos anos
que se seguiram ao término da IIª Grande Guerra, apenas quatro presidente
não foram reeleitos nos EUA. John Kennedy que morreu assassinado em 1963.
Seu sucessor Lyndon Johnson que desistiu em 1968 de pleitear a reeleição.
Jimmy Carter que foi derrotado por Ronald Reagan e George Bush pai que
perdeu para Bil Clinton).

O grande temor dos militares é que na eventualidade de um presidente civil
com amplo apoio popular pudesse, com a anistia, adotar medidas de punição
para torturadores como Brilhante Ulstra, Torres de Mello, Erasmo Dias, Romeu
Tuma e outros tantos. Revanchismo era a palavra chave dos contrários à
medida. Geisel estendeu a anistia a todos segundo ele “vencedores e
vencidos”. Ao mesmo tempo que permitia a volta dos exilados, garantia a
impunidade para o esquadrão da morte golpista.

E um grande obstáculo. A maioria dos militares se mostrou contra a anistia a
Leonel Brizola em quem enxergavam o maior risco de volta das esquerdas ao
poder. Carter, ironias à parte, foi o grande trunfo de Brizola. Militares
ligados à Operação Condor haviam decidido assassinar o ex-governador no
exílio no Uruguai, assim limpavam o terreno e Carter retirou Brizola às
pressas de Montevidéu, evitando que o fato se consumasse.

Em 1979 voltavam os exilados e estavam cobertos pela garantia da impunidade
os assassinos fardados do golpe de 1964. Os civis também. Romeu Tuma hoje é
senador.

Brizola foi eleito governador do estado do Rio de Janeiro a despeito da
tentativa de fraude num esquema conhecido como PROCONSULT, com participação
de escroques, militares da linha dura e da REDE GLOBO. A empresa
totalizadora de votos contava parte dos votos em branco para Wellington
Moreira Franco, de um jeito que ao final da totalização Brizola fosse
derrotado.

O esquema falhou por conta de uma armadilha montada para o presidente da
PROCONSULT, testa de ferro dos verdadeiros interessados, onde a confissão
foi explícita e o Tribunal Regional Eleitoral não teve alternativa outra que
não totalizar os votos de forma correta e a REDE GLOBO engolir o resultado,
inclusive com uma entrevista de Brizola.

O diretor de jornalismo da REDE, Armando Nogueira, acabou demitido ao
admitir publicamente o erro da GLOBO.

A anistia no Brasil foi conseqüência de um processo de rejeição e
repugnância pela ditadura militar, de necessidade de respirar ar puro, que
acabou se transformando por força de ajustes aqui e ali, num grande acordo
imposto goela abaixo e que manteve intactos os porões da ditadura.

Se os vampiros de 1964 hoje estão envelhecidos, surgiram figuras como Nelson
Jobim, sinistro em todos os sentidos e permanece intocada na base militar,
em sua maioria, a visão tacanha, bisonha e golpista que gerou 1964.

O tal profissionalismo, ou a consciência da realidade nacional, postura
democrática, percepção que o papel de forças armadas é o de garantir a
integridade do território nacional, a soberania do Brasil, de qualquer força
armada em seu próprio País, em boa parte da América Latina e dos países que
ensejaram a chamada COMISSÃO TRI-LATERAL – AAA (AMÉRICA, ÁSIA E ÁFRICA),
nada disso existe. Está viva, embora momentaneamente enfraquecida – não
tanto quanto se supõe – sobrevive o espírito golpista.

E começa numa reserva de direito inaceitável consagrado pela constituição de
1988, imposto, de zelar pela ordem interna no Brasil. Os militares
brasileiros, basicamente, permanecem subordinados a interesses das elites
econômicas nacionais e internacionais. E na realidade da globalização (ou
“globalitarização” como afirmou Milton Santos), adereço das grandes
potências, particularmente os EUA.

*O GOVERNO LULA – SÍSTOLE E DIÁSTOLE – A REAÇÃO DE JOBIM E DOS MILITARES*

* *

* *

Certa feita perguntaram a Golbery do Couto e Silva, um dos principais
ideólogos do golpe de 1964, a razão de ser de uma ditadura militar num País
de dimensões continentais como o nosso, implicitamente o que significava
abrir mão de um Brasil livre e soberano e o porquê de períodos que
alternavam uma relativa democracia, como agora, a momentos de violência como
1964, fazendo do Brasil uma espécie de república de bananas, epíteto aos
países da América Central sob o controle da norte-americana United Fruit.

A resposta de Golbery foi simples. O Brasil seria como que um coração que em
seu processo de funcionamento, ora bombeia sangue para fora do músculo
cardíaco, a sístole e ora relaxa e se enche de sangue – antes de cada batida
-, a diástole. Ou seja, qualquer que fosse a situação, democracia ou
ditadura o modelo seria sempre o mesmo. Abrir ou fechar era conseqüência das
exigências do modelo político e econômico num determinado contexto de tempo.

Mais ou menos como a democracia pode ir até determinado ponto e ponto final.
Se dali passasse, era hora de fechar. Endurecer.

A morte de Tancredo não gerou nos militares maiores preocupações, exceto no
grupo do general Ernesto Geisel que tinha em torno do ex-presidente um
projeto mais amplo. Uma travessia mais segura, ou pelo menos com riscos
menores. Sarney não oferecia perigo algum, é um político menor, um “coronel”
da ditadura, uma das muitas figuras asquerosas da política nacional.

A constituição de 1988, a despeito de muitas conquistas, mas todas sem pisar
fora da linha do modelo (ou se uma ou outra o fizesse, o caso da emenda
Gasparian que limitava os juros seriam ignoradas) consagrou as forças
armadas como guardiãs da democracia. Ninguém pode guardar, tendo que
avaliar, o que não conhece, ou o que não tem como princípio.

E pior, se não tem autonomia para isso. As forças armadas brasileiras, isso
não tem nada a ver com o sucateamento da instituição, é outra história,
outra discussão, noutro plano, são subordinadas ao modelo econômico vigente
e isso passa por subordinação aos EUA. O nacionalismo de determinados
setores termina no primeiro grito de ordinário marche, em sua maioria e a
despeito de grandes líderes militares, mas todos via de regra colocados à
margem.

O que molda a democracia brasileira é o esquema FIESP/DASLU, uma combinação
de banqueiros, empresários, latifundiários escorados numa classe política
podre (a maioria). Esse tipo de gente, elite, é apátrida. Gravita em torno
de Wall Street.

Collor foi um acidente de percurso, um erro na linha de montagem da REDE
GLOBO (parte viva do processo e um desafio a ser vencido, o da comunicação)
e Itamar um breve período de transição para um “Collor” mais seguro e
confiável, Fernando Henrique Cardoso, sem favor algum o político mais
sórdido da história contemporânea do Brasil.

Um “general” Anselmo. Amoral, não hesitou em ajustar o País aos interesses
econômicos de um mundo sem alternativas que o capitalismo ofereceu e impôs
após a derrocada da União Soviética (por conta de erros de governos
soviéticos, como muito mais pelas virtudes que pelos defeitos).

A eleição de Lula revela o verdadeiro caráter dessas elites e dos militares.

Um presidente operário, com propostas reformistas, que esbarra na
necessidade de alianças políticas espúrias para sobreviver e conseguir
avanços maiores ou menores, minimamente, preservar alguma coisa da soberania
nacional.

E que recebeu um País falido, em vias de viver o mesmo processo vivido pela
Argentina após a saída de Menem e a eleição de De La Rúa. Era a aposta da
extrema-direita, já definida no campo político de PSDB e quejandos.

Lula escora-se numa invenção muito bem definida por Ivan Pinheiro
“capitalismo a brasileira”. É atropelado por escândalos montados,
orquestrados e dirigidos pela mídia. Cai em armadilhas, mas consegue através
de políticas compensatórias aqui e ali, além de alianças com setores
ponderáveis do empresariado, superar os escândalos, sair de armadilhas,
alcançar níveis de melhoria social até então desconhecidos da grande maioria
dos brasileiros das classes mais baixas e por conta disso, montado numa
política externa competente (Celso Amorim), somando ainda o seu carisma
pessoal, aos trancos e barrancos transformar- se num presidente que a
despeito de qualquer crítica e dentro do modelo, pode, tranquilamente, ser
citado como um dos três maiores. Getulio, Juscelino e ele. Jango fica fora
por não ter completado seu governo, certamente teria alcançado resultados
excelentes com as chamadas reformas de base.

O que Tancredo chamava de “burgos podres”, os territórios controlados
eleitoralmente pelos “coronéis” políticos, é hoje a grande força de Lula,
mas paradoxalmente, acrescentado de ponderáveis setores da intelectualidade,
de forças de esquerda. Os grandes contingentes eleitorais urbanos são
exatamente os que se deixam manipular pelo maior desafio à tarefa de
formação e conscientização cidadã (palavra extremamente desgastada).

A mágica de uma política econômica ortodoxa, da busca de ruptura do
monopólio norte-americano em setores da economia, uma ou outra peitada nos
grandes interesses internacionais (que permitiram o avanço do empresariado
nacional, mesmo associados ao estrangeiro, daí a “concessão”) e uma inegável
melhoria na qualidade de vida de brasileiros em regiões onde a fome era a
plantação principal, são esses, em linhas gerais, os traçados da
popularidade do presidente, do seu carisma, de seu prestígio internacional,
levando em conta também a crise que até hoje afeta os EUA, a China surgindo
e se consolidando como grande economia e o capitalismo percebendo e sentindo
o fim do neoliberalismo.

E, de repente, um grito de independência em vários países latino-americanos.
Venezuela, Equador, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Nicarágua, El Salvador, a
própria Argentina, em maior ou menor escala, mas uma escalada que impediu,
por exemplo, a ALCA – ALIANÇA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – algo como uma
recolonização de toda a América Latina. A “mexicanização” dessa parte do
mundo. O México hoje é um mero adereço dos EUA.

Essa política que muitas vezes é executada como pêndulo, ou seja, tropas
brasileiras exercendo seus instintos assassinos no Haiti, ou na condenação
de Uribe (traficante que governa a Colômbia com apoio dos EUA) quando do
bombardeio contra território equatoriano (com cumplicidade criminosa de
militares daquele país), trouxe a sensação que somo um gigante desperto,
caminhando para caminhos de democracia plena, popular, quando, na verdade,
não conseguimos nada mais que alargar a camisa de força do capitalismo.

E um dilema. Jogar o jogo enquanto se luta por algo maior, ou virar as
costas e sair de campo?

Entregar o País a figuras como José Collor Serra, ou Aécio Pirlimpimpim
Neves, ou qualquer outro nessa linha?

Marchar ao lado de Dilma Roussef na perspectiva de alargar um pouco mais a
camisa de força e tentar rompê-la?

No Congresso do Partido Comunista Brasileiro o secretário geral Ivan
Pinheiro deixou claro que a despeito das criticas a Lula e ao seu governo, o
PCB não será o responsável por nenhum retrocesso, pois tem consciência da
etapa que vivemos no processo histórico, mas nem por isso será cúmplice de
equívocos ou recuos comprometedores de possibilidades de avanços efetivos na
construção da democracia popular.

Cabe como luva em qualquer análise sobre jogar o jogo e como jogar para
qualquer movimento ou partido de esquerda, socialista, ou comunista,
democrático que seja lato senso. Transcende aos limites do PCB para
inserir-se num espectro bem mais amplo, no mínimo o do bom senso e da
consciência da etapa que vivemos.

É um delírio de Lula imaginar que possa resgatar a história sombria da
ditadura militar e seus porões, mas é um dever, à medida que um delírio
fundamental para o reencontro do Brasil consigo próprio, recuperar e
cicatrizar o corte brutal que foi a ditadura no curso de nossa caminhada.

E é um delírio quando se imagina que militares e elites chegaram a um ponto
de compromisso democrático, ou maturidade (putz) que aceitarão sem reagir
esse tipo de atitude.

O projeto do secretário de Direitos Humanos Paulo Vanuchi é mais ou menos
como você estar preso num tubo imenso, fétido, escuro e sem bem entender
nada do que acontece e de repente encontrar a saída, a porta para respirar
ar puro.

A reação de Nelson Jobim (ministro da Defesa) e dos chefes militares foi uma
peitada no presidente e não surpreende ninguém, ou se surpreender,
surpreende aos ingênuos.

Jobim foi ministro da Justiça de FHC e quando o processo de privatizações
passou a enfrentar obstáculos no Judiciário, eivado de irregularidades,
ilegalidades, corrupção, foi mandado para o STF onde ao tomar posse se
declarou “líder do governo nesta corte”, iniciando a desmoralização da tal
corte, que corre até hoje com Gilmar Mendes.

Cumpriu seu papel e voltou à sua origem. Foi para o governo Lula na esteira
de alianças espúrias que pode tornar Hélio Costa, homem da GLOBO, vice de
Dilma Roussef (assim como José Roberto Arruda seria o de Serra).

Os mais de oitenta por cento de popularidade de Lula não passam por ter
levado aos brasileiros a necessidade de resgatar sua história e mostrar a
barbárie que se viveu com o golpe de 1964. Muito menos exibir figuras
trágicas como Brilhante Ulstra, coronel, cheio de medalhas de bom
comportamento e cumprimento do dever, se levarmos em conta que dever se
cumpria nas câmaras de tortura, estupros, assassinatos de adversários do
golpe.

Essa popularidade começa e termina dentro dos limites do jogo eleitoral, do
sistema, do modelo. Se pisar fora da linha chega a hora da sístole. O
coração patriótico dos militares e das elites se contrai e se fecha para
expulsar o sangue e curiosamente, para encher de sangue as veias do Brasil,
para usar a imagem de Galeano noutro plano, noutra dimensão.

A hipótese de golpe, suave, brando, o que for, não pode ser excluída e nem
deixada de lado.

A criminalização de movimentos populares, principalmente o MST (MOVIMENTO
DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA), a forma como a mídia age na construção
de zumbis alienados na mentalidade de consumir em shoppings, vai exigir
muito mais que popularidade de oitenta por cento que resulta de duas ou três
refeições diárias.

Vai exigir que se enfrente o modelo e isso só com organização popular. Se,
como disse Ivan Pinheiro, o partido que dirige não vai ser responsável pelo
retrocesso, a bola, nesse momento, está com Lula. E pelo jeito o presidente
chegou atrasado, tomou um “xambão como dizia Waldir Amaral narrando jogos de
futebol.

Vai ter que jogar, se quiser, nas regras do modelo, do contrário, vai ter
que vir para as ruas e buscar o que lhe cabia fazer desde o primeiro
momento, forças para romper esse dique de impunidade, corrupção e
instituições falidas, num faz de conta que vivemos numa democracia.

Os caminhos do Brasil passam pela unidade latino-americana. Não passam por
Washington. Nem pelo esquema FIESP/DASLU. E braços tucanos, DEMocratas, ou
de “socialistas” comprados a doze mil por mês, assim padrão Roberto Freire.

Os generais são só paus mandados dessa gente e a reação a abertura dos baús
da ditadura é o exercício de esconder suas vergonhas. O lado tétrico das
forças armadas.

Não é o lado de Lott, nem de Prestes, nem de Lamarca, nem de Cerveira e dos
muitos militares silenciosos diante dessas vergonhas (a minoria), ou dos
tantos que tombaram nos expurgos sangrentos e dolorosos de 1964.

Esse tumor tem que ser extirpado e essa história mostrada aos brasileiros.
Do contrário seremos sempre meia democracia, isso não existe.

Não é possível a convivência num mesmo corpo e esse corpo se manter sadio,
de Paulo Vanuchi e Celso Amorim, com vírus letais como Jobim, Hélio Costa e
outros.

O significado real de Honduras é esse. O de alerta. E por isso Honduras é
toda a América Latina.




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