quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Arquivos das Forças Armadas

Desafio da Comissão da Verdade deverá ter acesso a arquivos das Forças Armadas

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil









Brasília - A Comissão Nacional da Verdade deverá ter um grande acervo de documentos sobre a perseguição a dissidentes políticos durante a ditadura militar (1964-1985). O Arquivo Nacional dispõe dos papéis e registros dos setores de informação e monitoramento do Ministério da Justiça, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério das Comunicações e de universidades públicas. Além desses, há informações de investigações da Polícia Federal à época do regime.

Há também dados mais recentes, como os produzidos após a redemocratização. Três incursões ao Pará e Tocantins renderam mais de 300 depoimentos sobre a Guerrilha do Araguaia (ocorrida no começo dos anos 1970); os oito anos de trabalho da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça acumularam 60 mil processos sobre perseguições, demissões arbitrárias, tortura e exílio nos 21 anos de regime militar. Ainda há acervos como os do Brasil, Nunca Mais e de particulares como do Major Curió sobre o Araguaia, revelado no ano passado, e que o Ministério Público tenta obter.

“A Comissão da Verdade não realizará seu trabalho partindo do zero”, diz Paulo Abrão, presidente da Comissão da Anistia. Ele espera, no entanto, que a comissão tenha acesso aos arquivos da inteligência do Exército, Marinha e Aeronáutica. “O desafio da Comissão estará em chegar a esses documentos e verificar sua veracidade”, disse à Agência Brasil. Desde a redemocratização na década de 80, os militares afirmam, no entanto, que os documentos desses centros de informação foram destruídos.

Paulo Abrão é um dos seis membros do grupo de trabalho (GT) nomeado na última quarta-feira (27) pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para elaborar até abril o anteprojeto de lei que institui a Comissão Nacional da Verdade. Os outros participantes são Erenice Guerra (secretária executiva da Casa Civil), ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), Vilson Marcelo Vedana (consultor jurídico do Ministério da Defesa), Marco Antônio Barbosa (presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos) e Paulo Sérgio Pinheiro (ex-secretário de Direitos Humanos, representante da sociedade civil no GT). A Casa Civil coordena os trabalhos.

Para o presidente do Clube Militar, general Gilberto Figueiredo, “à primeira vista, a formação do grupo parece completamente desequilibrada. Parece difícil pensar em isenção”. Em sua opinião, o GT poderia ter um representante do Ministério da Defesa, um da Secretaria dos Direitos Humanos e os demais seriam historiadores e cientistas políticos que “examinem os fatos, sem a carga de paixão”. O general disse não ver problemas na instalação de uma comissão da verdade, “para verificar o que realmente ocorreu”.

Na avaliação do cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, “essa coisa de dois lados é conversa fiada. Só há um lado para se apurar: o da responsabilidade dos agentes do Estado”. O ex-secretário pontua que o GT e a Comissão Nacional da Verdade deverão trabalhar com base no diálogo e no que já está previsto em lei; como a Lei nº 9140/95, que reconheceu como mortas as pessoas desaparecidas durante o regime militar.

O presidente da Comissão da Anistia, Paulo Abrão, reforça a necessidade de diálogo e também descarta que haja dois lados para serem apurados. “Não podemos raciocinar nesses termos. O pressuposto primeiro é que todas as partes têm intrínseca vontade em apurar a verdade”












30 de Janeiro de 2010 - 10h08 - Última modificação em 30 de Janeiro de 2010 - 14h28



Há um esforço de setores da sociedade em apagar a ditadura da história do país, diz filósofo

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil









Brasília - Após a Segunda Guerra Mundial, os judeus sobreviventes revelaram que seus carrascos asseguravam que ninguém acreditaria no que havia ocorrido nos campos de concentração. A história, no entanto, não cumpriu o destino previsto pelos nazistas, muitos foram condenados e o episódio marca a pior lembrança da humanidade.

Crimes cometidos em outros momentos de exceção também levaram violadores de direitos humanos a serem interrogados em comissões da verdade e punidos por tribunais, como na África do Sul, em Ruanda, na Argentina, no Uruguai e Paraguai.

Para filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo (USP), há um lugar que resiste à memória do horror e a fazer justiça às vítimas: o Brasil. Nenhum agente do Estado ditatorial (1964-1985), envolvido em crimes como sequestro, tortura, estupro e assassinato de dissidentes políticos, foi a julgamento e preso.

Em março, será lançado o livro O Que Resta da Ditadura (editora Boitemço), organizado por Safatle e Edson Teles. A obra tenta entender como a impunidade se forma e se alimenta no Brasil. Para Safatle,o Brasil continua uma democracia imperfeita por resistir a uma reavaliação do período da ditadura militar (1964-1985) e por manter uma relação complicada entre os Três Poderes.


Agência Brasil: O Brasil tem alguma dificuldade com o seu passado?
Vladimir Safatle: Existe um esforço de vários setores da sociedade em apagar a ditadura, quase como se ela não tivesse existido. Há leituras que tentam reduzir o período à vigência do AI-5 [Ato Institucional nº 5], de 1968 a 1979. E o resto seria uma espécie de democracia imperfeita, que não se poderia tecnicamente chamar de ditadura. Ou seja, existe mesmo no Brasil um esforço muito diferente de outros países da América Latina, que passaram por situações semelhantes, que era a confrontação com os crimes do passado. É a ideia de anular simplesmente o caráter criminoso de um certo passado da nossa história.

ABr: Há quem diga que o Brasil não teve de fato uma ditadura clássica depois de 1964, mas sim uma "ditabranda" se comparada à da Argentina e a do Uruguai, por exemplo.
Safatle: Essa leitura é do mais clássico cinismo. É inadmissível para qualquer pessoa que respeite um pouco a história nacional. Afirmar que uma ditadura se conta pela quantidade de mortes que consegue empilhar numa montanha é desconhecer de uma maneira fundamental o que significa uma ditadura para a vida nacional. A princípio, a quantidade de mortes no Brasil é muito menor do que na Argentina. Mas é preciso notar como a ditadura brasileira se perpetuou. O Brasil é o único país da América Latina onde os casos de tortura aumentaram após o regime militar. Tortura-se mais hoje do que durante aquele regime. Isso demostra uma perenidade dos hábitos herdados da ditadura militar, que é muito mais nociva do que a simples contagem de mortes.

ABr: Qual o reflexo disso?
Safatle: Significa um bloqueio fundamental do desenvolvimento social e político do país. Por outro lado, existe um dado relevante: a ditadura de certa maneira é uma exceção. Ela inaugurou um regime extremamente perverso que consiste em utilizar a aparência da legalidade para encobrir o mais claro arbítrio. Tudo era feito de forma a dar a aparência de legalidade. Quando o regime queria de fato assassinar alguém, suspender a lei, embaralhava a distinção entre estar dentro e fora da lei. Fazia isso sem o menor problema. Todos viviam sob um arbítrio implacável que minava e corroía completamente a ideia de legalidade. É um dos defeitos mais perversos e nocivos que uma ditadura pode ter. Isso, de uma maneira muito peculiar, continua.

ABr: Então, a semente da violência atual do aparato policial foi plantada na ditadura?
Safatle: Não é difícil fazer essa associação, pois nunca houve uma depuração da estrutura policial brasileira. É muito fácil encontrar delegados que tiveram participação ativa na ditadura militar, ainda em atividade. No estado de São Paulo, o ex-governador Geraldo Alckmin indicou um delegado que era alguém que fez parte do DOI-Codi [Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna]. Teve toda uma discussão, mas esse debate não serviu sequer para ele voltasse atrás na nomeação. Se você levar em conta esse tipo de perenidade dos próprios agentes que atuaram no processo repressivo, não é difícil entender por que as práticas não mudaram.

ABr: Estamos atrás de outros países, como Argentina e África do Sul, na investigação e julgamento de crimes cometidos pelo Estado?
Safatle: Estamos aquém de todos os países da América Latina. Nosso problema não é só não ter constituído uma comissão de verdade e justiça, mas é o de que ninguém do regime militar foi preso. Não há nenhum processo. O único processo aceito foi o da família Teles contra o coronel [Carlos Alberto Brilhante] Ustra, que foi uma declaração simplesmente de crime. Ninguém está pedindo um julgamento e sim uma declaração de que houve um crime. Legalmente, sequer existiram casos de tortura, já que não há nenhum processo legal. E levando em conta o fato de que o Brasil tinha assinado na mesma época tratados internacionais, condenando a tortura, nossa situação é uma aberração não só em relação à Argentina e à África do Sul, mas em relação ao Chile, ao Paraguai e ao Uruguai.

ABr: Que expectativa o senhor tem quanto ao funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), para apurar crimes da ditadura?
Safatle: Uma atitude como essa é a mais louvável que poderia ter acontecido e merece ser defendida custe o que custar. O trabalho feito pelo ministro Paulo Vannuchi [secretário dos Direitos Humanos, da Presidência da República] e pela Comissão de Direitos Humanos é da mais alta relevância nacional. Acho que é muito difícil falar o que vai acontecer. A gente está entrando numa dimensão onde a memória nacional, a política atual e o destino do nosso futuro se entrelaçam. Existe uma frase no livro 1984, de George Orwell, que diz: “Quem controla o passado controla o futuro”. Mexer com esse tipo de coisa é algo que não diz respeito só à maneira que o dever de memória vai ser institucionalizado na vida nacional, mas à maneira com que o nosso futuro vai ser decidido.

ABr: Mas, antes mesmo da criação da Comissão da Verdade, os debates já estão muito acalorados.
Safatle: O melhor que poderia acontecer é que se acirrassem de fato as posições e cada um dissesse muito claramente de que lado está. O país está dividido desde o início. Veja a questão da Lei da Anistia. O programa do governo [PNDH 3] em momento algum sugeriu uma forma de revisão ou suspensão da lei. O que ele sugeriu foi que se abrisse espaço para a discussão sobre a interpretação da letra da lei. Porque a anistia não vale para crimes de sequestro e atentados pessoais. A confusão que se criou demonstra muito claramente como a sociedade brasileira precisa de um debate dessa natureza, o mais rápido possível. Não dá para suportar que certos segmentos da sociedade chamem pessoas foram ligadas a esses tipos de atividades de “terroristas”. É sempre bom lembrar que no interior da noção liberal de democracia, desde John Locke [filósofo inglês do século 17], se aceita que o cidadão tem um direito a se contrapor de forma violenta contra um Estado ilegal. Alguns estados nos Estados Unidos também preveem essa situação.

ABr: O termo “terrorista” é usado por historiadores que não têm qualquer ligação com os militares e até mesmo por pessoas que participaram da luta armada. Usar a palavra é errado?
Safatle: Completamente. É inaceitável esse uso que visa a criminalizar profundamente esse tipo de atividade que aconteceu na época. A ditadura foi um estado ilegal que se impôs através da institucionalização de uma situação ilegal. Foi resultado de um golpe que suspendeu eleições, criou eleições de fachada com múltiplos casuísmos. Podemos contar as vezes que o Congresso Nacional foi fechado porque o Executivo não admitia certas leis. O fato de ter aparência de democracia porque tinham algumas eleições pontuais, marcadas por milhões de casuísmos, não significa nada. No Leste Europeu também existiam eleições que eram marcadas desta mesma maneira.Um Estado que entra numa posição ilegal não tem direito, em hipótese alguma, de criminalizar aqueles que lutam contra a ilegalidade. Por trás dessa discussão, existe a tentativa de desqualificar a distinção clara entre direito e Justiça. Em certas situações, as exigências de Justiça não encontram lugar nas estruturas do Direito tal como ele aparecia na ditadura militar. Agora, existem certos setores que tentam aproximar o que aconteceu no Brasil do que houve na mesma época na Europa, com os grupos armados na Itália e na Alemanha. As situações são totalmente diferentes porque nenhum desses países era um Estado ilegal. E não há casos no Brasil de atentado contra a população civil. Todos os alvos foram ligados ao governo.

ABr: Os assaltos a banco não seriam atentados às pessoas comuns que estavam nas agências?
Safatle: Todos os que participaram a atentados a bancos não foram contemplados pela Lei da Anistia e continuaram presos depois de 1979. Pagaram pelo crime. Isso não pode ser utilizado para bloquear a discussão. Dentro de um processo de legalidade, de maneira alguma o Estado pode tentar esconder aquilo que foi feito por cidadãos contra eles, como se fossem todos crimes ordinários. Se um assalto a banco é um crime ordinário, eu diria que a luta armada, a luta contra o aparato do Estado ilegal, não é. Isso faz parte da nossa noção liberal de democracia.

ABr: Que democracia é a nossa que tem dificuldades de olhar o passado?
Safatle: É uma democracia imperfeita ou, se quisermos, uma semidemocracia. O Brasil não pode ser considerado um país de democracia plena. Existe uma certa teoria política que consiste em pensar de maneira binária, como se existissem só duas categorias: ditadura ou democracia. É uma análise incorreta. Seria necessário acrescentar pelo menos uma terceira categoria: as democracias imperfeitas.

ABr: O que isso significa?
Safatle: Consiste em dizer basicamente o seguinte: não há uma situação totalitária de estrutura, mas há bloqueios no processo de aperfeiçoamento democrático, bloqueios brutais e muito visíveis. Existe uma versão relativamente difundida de que a Nova República é um período de consolidação da democracia brasileira. Diria que não é verdade. É um período muito evidente que demonstra como a democracia brasileira repete os seus impasses a todo momento. O primeiro presidente eleito recebeu um impeachment, o segundo subornou o Congresso para poder passar um emenda de reeleição e seu procurador-geral da República era conhecido por todos como “engavetador-geral”, que levou a uma série de casos de corrupção que nunca foram relativizados. O terceiro presidente eleito muito provavelmente continuou processos de negociação com o Legislativo mais ou menos nas mesmas bases. Chamar isso de consolidação da estrutura democrática nacional é um absurdo. Os poderes mantêm uma relação problemática, uma interferência do poder econômico privado nas decisões de governo. Um sistema de financiamento de campanhas eleitorais que todos sabem que é totalmente ilegal e é utilizado por todos os partidos sem exceção.



Edição: Enio Vieira




26 de Janeiro de 2010 - 18h37 - Última modificação em 26 de Janeiro de 2010 - 19h22



Indicados seis nomes do GT da Comissão da Verdade

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil









Brasília - O Diário Oficial da União deve publicar amanhã (27) os nomes dos seis componentes do grupo de trabalho que deverá elaborar até abril o projeto de lei para criar a Comissão Nacional da Verdade. Esta comissão vai apurar crimes comuns praticados por agentes do Estado desde 1946 até 1988, sobretudo durante a ditadura militar (1964-1985).

De acordo com a Casa Civil da Presidência da República, os nomes do governo são: o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (Sedh); Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia; Erenice Guerra, secretária-executiva da Casa Civil; Vilson Marcelo Vedana, consultor jurídico do Ministério da Defesa.

Além desses nomes, já estavam indicados cientista político Paulo Sérgio Pinheiro (ex-secretário de Direitos Humanos) e do advogado Marco Antônio Rodrigues Barbosa (presidente da Comissão de Mortos e Desparecidos Políticos).

A criação do GT foi determinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em decreto de 13 de janeiro. Segundo o documento, o grupo deverá formular anteprojeto de lei que defina como a Comissão da Verdade funcionará. A portaria com os nomes da Comissão da verdade sairá com três dias de atraso em relação ao previsto no decreto presidencial.

Outros países que passaram por regimes não democráticos como a Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai, Peru e até a África do Sul (pós-Apartheid) já criaram comissões da verdade para verificar abusos cometidos durante o período de ditadura.

“A Comissão da Verdade não processa e não prende ninguém”, esclarece o advogado Belisário dos Santos Júnior, da Comissão de Mortos e Desparecidos políticos. Caberá a comissão apurar eventuais crimes como tortura, sequestro, estupro e assassinatos e encaminhar processos relativos à Justiça.

“A Comissão da Verdade é fundamental para que as cicatrizes sejam fechadas”, disse Barbosa, ao anunciar o nome de Paulo Sérgio Pinheiro. O presidente da Comissão de Mortos e desaparecidos tem expectativa que o Congresso Nacional elabore este ano a lei da Comissão da Verdade e que a Justiça faça os julgamentos.

“Eu espero que os agentes do estado cumpram seus deveres”, disse Barbosa. Ele comentou a demora do julgamento sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 153), que questiona a extensão da anistia da ditadura militar (Lei 6.6683, de 28/8/1979) a crimes comuns cometidos contra presos políticos.

No próximo dia 3 de fevereiro, completará um ano que o Supremo Tribunal Federal (STF) aguarda parecer da Procuradoria Geral da República (PGR) sobre a arguição. A ação foi iniciada em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).



Edição: Enio Vieira







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