sexta-feira, 23 de abril de 2010

Corrupção nas Cadeias

CORRUPÇÃO NAS CADEIAS
Lei que prevê afastamento de agentes é desrespeitada
Desde domingo, reportagens de Zero Hora mostram como agentes penitenciários alimentam o crime, ao levar celulares e drogas a criminosos e ao permitir que apenados do regime semiaberto saiam sem autorização judicial. A série também revelou que alguns agentes extorquem dinheiro e torturam detentosA Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e a Secretaria da Segurança Pública descumprem uma lei estadual, aprovada em janeiro de 1996, que prevê o afastamento de servidores que se tornem réus em processos criminais. A maioria dos agentes penitenciários denunciados pelo Ministério Público (MP) por supostos crimes praticados não só permanece em atividade como, em alguns casos, é promovido.

Aprovada em dezembro de 1996, a Lei 10.711 estabelece que “o servidor policial ou penitenciário que incorrer em infração descrita como crime (...) será afastado do serviço público quando da instauração do processo administrativo disciplinar, ou do recebimento da denúncia do crime” (confira a íntegra abaixo).

Não é o que acontece.

– Desconheço algum caso de agente penitenciário afastado pelo fato de ter tido alguma denúncia contra ele recebida formalmente pela Justiça. Cabe à sociedade julgar se estes servidores devem ou não ser afastados – diz Sandra Goldman Ruwel, promotora de Justiça de Controle e Execução Criminal de Porto Alegre.

O caso mais notório é o do corregedor-geral da superintendência, Homero Diógenes Negrello. Ele é suspeito de acobertar servidores que teriam torturado dois condenados recolhidos à Penitenciária Estadual de Charqueadas, em 11 de janeiro de 2005. Pelo menos quatro servidores, entre eles o diretor, o subdiretor e o corregedor penitenciário, teriam torturado presos.

De acordo com o MP, Negrello, que na época também era corregedor-geral, “mesmo sabedor de tais fatos, manteve-se inerte até 28 de março de 2005, quando foi instaurado procedimento de averiguação preliminar por solicitação da Comissão de Execuções Criminais”. Pelo mesmo motivo, também foi denunciado o agente Antonio Carlos Hollanda Cavalcanti, hoje o substituto de Negrello na corregedoria.

Agentes mantidos no cargo são suspeitos de novos crimes

O processo, que tramita na 1ª Vara Criminal de Charqueadas sob o número 156/2.06.0001981-5, tem audiência prevista para o próximo dia 6. Na área administiva os denunciados no caso de tortura foram absolvidos pela Procuradoria-geral do Estado, que entendeu não ter havido a agressão.

Negrello e Cavalcanti não são os únicos réus promovidos na superintendência. Em 1º de março, o agente Jorge Rogério Alves de Araújo Rego, que responde ao processo criminal 001/2.09.0052878-9, instaurado em 10 de setembro de 2009, no Foro de Alto Petrópolis, na Capital, assumiu a função de diretor-geral da Susepe. Conforme o MP, Rego é suspeito de exigir dinheiro de um preso quando era diretor do Instituto Penal de Viamão (IPV).

– Desconheço os casos concretos e as ações em andamento. Falando em tese, caso se configure uma omissão do gestor público na aplicação de uma lei, este ato também pode ser objeto de investigação e eventual ação do Ministério Público – diz o promotor Cesar Luis de Araújo Faccioli, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Porto Alegre.

Como não são afastados, alguns agentes tornam-se suspeitos de novos crimes. Um deles é Alexandre Silveira. Denunciado em junho de 2009 por tortura, falsidade ideológica e denunciação caluniosa contra presos lotados na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) – processo número 156/20900030725, também na comarca de Charqueadas –, ele foi transferido para São Gabriel. Lá, em 21 de dezembro, acabou sendo denunciado, mais uma vez, pelo crime de tortura. Silveira é suspeito de se omitir quando seus colegas agrediam um homem preso pelo não pagamento de pensão alimentícia.

Tudo pode ser alegado para que Silveira permanecesse trabalhando, menos falta de aviso. Além da legislação em vigor, os juízes Luciano André Losekan e Adriana da Silva Ribeiro, ambos da Vara de Execuções Criminais, protocolaram na Casa Civil o ofício 35/2009 solicitando que os nove agentes envolvidos no episódio da Pasc, entre eles Silveira, fossem afastados de suas funções (leia trecho do ofício dos magistrados em destaque, acima).

Conforme Sidinei Brzuska, juiz da Vara de Execuções Crimais da Capital, a permanência de agentes que se tornam réus é um exemplo das reiteradas falhas na área da execução.

– Não tem como a decisão criminal funcionar se o Estado descumpre as leis – afirma.

carlos.etchichury@zerohora.com.br

CARLOS ETCHICHURY
Contrapontos
Zero Hora procurou o secretário da Segurança Pública, Edson Goularte, que estava em viagem, e o superintendente da Susepe, Mario Santa Maria Junior, que, pela terceira vez, não quis se manifestar. O que diz Homero Diógenes Negrello, corregedor-geral da Susepe
Teve um expediente solicitado pela comarca de Charqueadas, mas o secretário decidiu me manter na função. Não houve tortura. O caso foi arquivado pela Procuradoria-geral do Estado e o documento foi anexado ao processo criminal que tramita em Charqueadas. Ninguém pode ser considerado culpado até que o processo seja transitado em julgado. Para mim, a lei não determina o afastamento dos agentes. É um ato administrativo. Hoje não tenho notícia do número de servidores que estão afastados em função de denúncia do MP.
O que diz Antonio Carlos Hollanda Cavalcanti, corregedor penitenciário da Susepe
Na época, o corregedor-geral não achava necessário o afastamento dos denunciados e fez um parecer defendendo isso. O documento foi para o superintendente, que encaminhou para o secretário, que concordou. Portanto, nenhum dos denunciados foi afastado. É uma grande injustiça respondermos a estes processos. Todo o parecer da PGE foi juntado ao processo.
O que diz Jorge Rego, diretor-geral da Susepe
Não estou mais no cargo (de diretor do IPV). Tanto o superintendente quanto o secretário de Segurança e a governadora trabalham dentro da lei. A Constituição Federal prevê que ninguém pode ser punido até o processo ser transitado em julgado. Além de tudo, sou inocente. O preso nunca teve horário estendido além do permitido – indício de que eu não recebi nada. Fui denunciado sem provas contra mim. Existiu uma perseguição da promotoria.
O que diz Michelle Castro Fortes, advogada de Alexandre Silva
Não houve tortura em São Gabriel. A pessoa que diz ter sido agredida tem epilepsia e deve ter se machucado em uma crise. Não há testemunhas nem exames que atestem, só o depoimento.
O que diz assessoria de Comunicação da Casa Civil
O ofício saiu da Casa para a Secretaria da Segurança Pública em 6 de julho de 2009 com pedido de informações.


Fonte: Zero Hora

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