quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ruy Carlos Ostemann


Viajar no mesmo lugar
Ruy Carlos Ostermann

Viajar é, como escreveu de olhos fechados José Saramago, em dia de tédio ou abstinência, não sair do lugar. Entenda-se que o lugar é mesmo um território no qual estão assentados os dois pés do cidadão e, por mais que faça força, estenda-se por uma das pernas ou levante-se como quem vai embora, não consegue se afastar desse lugar de nascimento, permanência e, presumivelmente, do que não trata Saramago, mas eu me atrevo um pouco menos do que sou, de morte.

É que não nos livramos da memória, das emoções, dos amores, das imensas pertinências do ser humano. E, assim, somos repetidamente os mesmos como se nada mais estivesse acontecendo. A viagem para a África do Sul, por exemplo. Revejo a cada instante a mim mesmo, o de sempre, bem mais jovem e indeciso, vacilante, incompleto e ignorante, bem mais velho e quase sem virtude de acréscimo (ao menos, mais significativa e orientadora), feliz ou infeliz, deitado ou em pé, saindo ou chegando. E a mala aberta.

Carrega-se sempre as mesmas coisas, se não as assemelhadas, porque é preciso cuidar do corpo no inverno sul-africano, que em quase tudo é parecido com o nosso. Essa repetição passa pelo aeroporto de São Paulo e desembarca em Johanesburgo. A tentação de acrescentar alguma coisa não vai muito além dos hábitos domésticos da cama, do banheiro e do sofá da sala. Um livro ou dois, em Inglês, de preferência, para reaprender um pouco da velha conversação the book is on the table. Não se sai mesmo do lugar.

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