Ruy Carlos Ostermann

Só problemas
Ruy Carlos Ostermann


Só problemas. Desconfio que seja assim com todo mundo que vai viajar e ficar um bom tempo fora. Agora, acabo de passar a mão no bolso de trás, o da esquerda, e ele estava vazio. Onde foi parar o meu talão de cheques?

Fiz um breve e irremediável retrospecto. Ele estava lá quando saí do hotel no Morumbi, em São Paulo. Estava e até apalpei por segurança. Daí fui para o aeroporto, entrei na fila imensa, recebi a notícia de que meu voo estava cancelado porque o avião, que deveria sair do Rio, não tinha teto para favorecê-lo.

Não me lembro de ter me apalpado mais uma vez. Foi preciso providenciar a troca de voo, fui confinado a uma sala para esperar por duas horas. Esperei, também dormitei, fui acordado duas vezes por uma menininha que passou ao menos dez vezes à minha frente em perseguição ao irmão dela, uma jovem bonita, mas afoita.

Dormi, certamente. Acordei com a chamada do voo, entrei numa fila que dava voltas por entre as poltronas, carteira de identidade na mão misturada com a passagem. Exigência que fazem no check-in e todos obedecem mesmo que a moça, sorridente, nem olhe e só reparta em duas a passagem. Não me apalpei, que me lembre.

E, então, já no táxi em Porto Alegre, quase três horas depois de chegar a Congonhas, por cacoete revisei os bolsos. Os documentos estavam na carteira do bolso de trás da direita, o dinheiro no bolso da frente, uns papéis inúteis estavam no outro bolso da frente, mas, emitindo uma sensação desagradável gradativamente transformada em ansiedade pura: o bolso de trás da esquerda estava vazio.

A culpa é um réptil. Acusei-me de ter perdido o talão de cheques dentro do avião sem registrar a perda, distraído na poltrona. Mas já pedi que bloqueassem os cinco cheques que restavam, foi feita a ocorrência policial. Enfim, depois da perda a tentativa de evitar a sua contaminação. E o que mais terei perdido nessa semana suicida da minha viagem para a África do Sul? Só problemas.