quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Afropress

 
 
Tortura racial: parabéns Polícia Civil e Dr. Dojival Vieira.
 
Por: Hédio Silva Jr. - 13/2/2011
Há decisões judiciais ou mesmo administrativas cujo caráter inovador, relevância, alcance e impacto deflagram mudanças de paradigma, isto é, alteram o modo como determinada conduta humana é qualificada juridicamente.

Sem sombra de dúvidas, a decisão tomada pelo Dr. Léo Francisco Ribeiro, do 9º DP de Osasco, que qualificou a ação dos algozes de Januário Santana como crime de tortura situa-se na categoria das decisões paradigmáticas.
Não temos registros de nenhuma outra medida análoga e, por outro lado, todas as decisões a serem tomadas pelo sistema penal daqui para frente, diante de crimes de racismo, não poderão ignorar o corajoso relatório do Delegado Ribeiro.
Em agosto de 2009 Januário Santana foi barbaramente humilhado e torturado por vigias do Carrefour sob alegação de que estaria furtando um veículo que pertencia a ele próprio.
Vale lembrar que a Lei de Tortura, lei n. 9455/97, apresenta a seguinte redação em seu art. 1º, inciso I, alínea “c”: “Constranger alguém com o emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental – em razão de discriminação racial ou religiosa”.
Interessante perceber que o legislador reconheceu que a tortura pode ser empregada com a finalidade de obter informações, por exemplo, ou simplesmente ser motivada por discriminação racial ou religiosa.
Nesta hipótese o torturador age não com o propósito de obter alguma vantagem, uma informação útil para elucidar um crime por exemplo, mas movido pela discriminação racial que cultiva contra integrantes de determinado grupo.
No caso de Januário Santana, a Polícia Civil concluiu que a tortura teve dupla motivação: para obter informações e pelo fato de que ele é negro.
Este mesmo atributo também pode ser identificado no crime de genocídio, capitulado na lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956:
“‘Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal, matar membros do grupo ou causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;”
A redação é igualmente cristalina: equipara-se a violência mental, psíquica, à violência física, motivada pela intenção de destruir parcial ou totalmente um grupo étnico, racial ou religioso. Obviamente, um único indivíduo é parte de determinado grupo, de modo que se a ação violenta recair mesmo que sobre um único integrante daquele grupo, é possível falar-se em genocídio.
Aqui o que interessa não é o número de vítimas mas a intenção do agente: destruir no todo ou em parte membros de determinado grupo racial.
Note o(a) leitor(a) que a lei do genocídio (há também tratados internacionais sobre o tema) data de 1956 e jamais foi utilizada em defesa da população negra brasileira.
Do mesmo modo, a lei de tortura está em vigor há quase quinze anos e até então não havia sido aplicada para caracterizar atos violentos que submetem suas vítimas a intensa aflição física ou mental pelo fato perfeitamente simples de que são negras.
Daí a relevância e o caráter inovador da decisão em foco, resultado do trabalho da Polícia mas também da defesa técnica, tenacidade e destreza jurídica do Advogado Dojival Vieira.
Já na esfera cível o Dr. Dojival Vieira havia representado os interesses de Januário Santana e conduzido as negociações com o Carrefour com habilidade e competência que resultaram na assinatura de um acordo pelo qual Januário recebeu expressiva indenização.
No campo penal, o Advogado Dojival Vieira acompanhou todas as perícias, depoimentos, reconstituição do crime e atuou intensamente para que fosse reconhecido o crime de tortura.
A lei brasileira assegura às vítimas de qualquer crime o direito de indicar Advogado para acompanhar o processo penal e também a investigação criminal.
O caso de Januário Santana reafirma e ilustra a importância da atuação do Advogado da vítima no inquérito policial: graças a atuação do Dr. Dojival Vieira o Poder Judiciário brasileiro poderá reorientar todas as suas decisões em casos de crime de racismo, reconhecendo sua gravidade e o intenso dano que causa em suas vítimas.
Parabéns Advogado Dojival Vieira.

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