sábado, 5 de fevereiro de 2011

Obama

/6/2008
 
Obama é resposta contra reação conservadora. Entrevista com Immanuel Wallerstein
 
Immanuel Wallerstein está animado. Aos 77 anos, esse sociólogo de esquerda da Universidade Yale acredita que seu candidato, Barack Obama, será eleito e que, se pressionado, reagirá com mudanças sociais nos Estados Unidos. De qualquer forma, para o autor de "O Declínio do Poder Americano" (Contraponto, 2004) e freqüentador do Fórum Social de Porto Alegre, só a candidatura do democrata já traz a questão ao centro da política norte-americana. "Isso é muito saudável, pois, superada essa discussão primitiva de raça e sexo, chegamos à discussão sobre classe, que é para onde caminha essa eleição." É essa questão, defende, que levou as pessoas a comparecerem em número recorde à fase de prévias partidárias, encerrada na última terça, e deve fazer o mesmo em novembro, nas eleições gerais.
Ele concedeu uma entrevista a Sérgio Dávila, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 09-06-2008.
Eis a entrevista
A eleição presidencial deste ano ressuscita de alguma maneira as questões de 1968, não?
Primeiro, devo dizer que apóio Barack Obama, acredito que ele vá ser eleito, batendo com facilidade o republicano John McCain, e terá maioria no Congresso. Minha análise é à luz dessa hipótese. Assim, a relação é muito simples. Se pensarmos que aquele 1968 quebrou as barreiras para os chamados grupos minoritários nos EUA, sua candidatura é uma das conseqüências. Se pensarmos que 1968 proporcionou uma abertura para os EUA repensarem seu papel no mundo, eis outra conseqüência atual.
Mas não esqueçamos do intervalo no meio do período entre 1968 e 2008, que foi a contra-revolução neoconservadora dos anos 80 [com a chegada de Ronald Reagan ao poder], com a tentativa de fazer o país retroceder à era pré-1968, tanto em termos de influência cultural quanto de economia global. Agora, o pêndulo está indo rapidamente em direção oposta. Onde vai parar é uma incógnita. Mas, em geral, a era dos neoconservadores parece estar chegando ao fim nos EUA e, conseqüentemente, no mundo.
Ainda assim, não é um retrocesso que o país esteja discutindo racismo e sexismo 40 anos depois?
[Risos] Esse país vem discutindo raça e sexo há cem anos. A discussão vai continuar. O sexismo é um elemento fundamental do capitalismo mundial, não vai sumir.
Mas hoje essa discussão tem menos impacto político imediato nos EUA do que antes. Isso é muito saudável, sobretudo porque superada essa discussão de certa maneira primitiva de raça e sexo, chegamos à discussão sobre classe, que é para onde caminha essa eleição.
Nos EUA nós não dizemos questões sociais, questões de classe, preferimos usar o eufemismo "problemas econômicos", mas é apenas sintaxe para mascarar a realidade. O fato é que a questão mais premente da corrida será a crise econômica mundial em geral e dos EUA em particular.
Classe, não raça, mesmo com um dos candidatos majoritários sendo negro?
Veja, há pessoas nos EUA que nunca votarão em um negro, como há pessoas que nunca votariam numa mulher. Mas há muito menos do que antes, esse é o primeiro aspecto, e basicamente a maioria, se não a totalidade, já vota em republicanos de qualquer maneira. Então, não importarão do ponto de vista da candidatura de Barack Obama.
Daí o domínio do que o sr. chama de questão de classe.
Sim. Isso tem levado aos altos índices de comparecimento às urnas até agora nas prévias. E indica claramente que caminhamos para uma participação recorde nas eleições de novembro. E esses votos vêm basicamente de pessoas das classes mais baixas, que normalmente não votam porque não acham que as coisas vão mudar de verdade. Essas pessoas estão sendo impelidas a votar por suas necessidades e porque acham que algo pode realmente acontecer.
O sr. escreveu que a pergunta não é que mudanças um candidato como Obama fará mas sim quais conseguirá fazer. Quais?
Por ser uma democrata, ele tentará minimizar as perdas dos americanos que foram mais atingidos pela crise econômica. Mas não acho que as ações do presidente dos EUA nesse momento histórico importem muito para a economia mundial. Essa já tem uma dinâmica própria, que passa ao largo da Casa Branca. Acredito que a maior mudança que o próximo presidente poderá fazer será no campo doméstico. Por exemplo, os juizes indicados para os tribunais federais. Poderá reverter a situação terrível deixada pelo governo de George W. Bush em termos de direitos civis e individuais.
Poderá agir para integrar negros, hispânicos e mulheres à nossa cultura política. Essas mudanças são internas, mas muito importantes. E Obama sofrerá uma grande pressão popular para implementá-las.
O sr. não acha que a frustração seria inevitável? A grande expectativa de mudança, e de certa maneira definida por ele em termos tão vagos como foi até agora, não levaria a isso?
Sim, é indubitavelmente verdade que as expectativas sobre o que ele pode fazer são exageradas. Por outro lado, tudo depende do grau de influência e pressão que os movimentos sociais norte-americanos terão sobre as eleições. Se eles conseguirem fazer as pessoas sentirem que devem ser levadas em conta, certas coisas serão alcançadas. A verdadeira questão é quanta pressão conseguirão fazer depois que ele for eleito. Minha impressão é que a eleição de Obama criará um espaço para ação popular, mas ele não será o ator dessas mudanças, apenas responderá à pressão por elas.
O sr. foi um dos primeiros acadêmicos a escrever que os EUA como potência hegemônica sofreriam declínio. Foi ridicularizado. Sente-se vingado?
[Risos]Quando escrevi na revista "Foreign Policy" o artigo "The Eagle has Crash Landed" [A águia se estatelou, em tradução livre], em 2002, fui praticamente chamado de maluco. Agora, menos de seis anos depois, muita gente relevante fala o mesmo. Venho dizendo isso em artigos pelo menos desde os anos 80.
Em seu livro sobre "sistema-mundo" [em que analisa o que chama de globalização do capitalismo], os países são classificados em centrais, semiperiféricos e periféricos. Mas a ascensão de economias como Índia e Brasil não é prevista. O sr. não acredita que essas economias possam vir a ser centrais?
Meu modelo analítico prevê que, sob condições como as atuais, alguns países semiperiféricos como o Brasil podem se tornar centrais. Mas prevê também um espaço limitado para que tais países sejam centrais. Ou seja, alguém tem de sair para outro entrar. Mas falamos de países muito grandes, com populações enormes, e, em termos de acumulação capitalista, não é possível que tantas pessoas acumulem tanto capital, pois há um montante limitado de riqueza, com distribuição limitada. Para resumir uma teoria mais complexa, não acho que os EUA como potência hegemônica serão substituídos por outro ou outros países com as mesmas características. Embora ache que os países do Leste Asiático estejam se tornando mais poderosos.
O sr. esteve algumas vezes no Brasil. Como vê o governo Lula?
Lula tem sido uma força positiva na política brasileira, mas ele realizou bem menos do que as pessoas esperavam. Tem uma política econômica muito complicada cujo sucesso não é claro no momento. Um dos problemas de Lula é que ele nunca teve maioria legislativa e não tenho certeza se alguém um dia vai ter no Brasil, com o sistema atual. Em geral, no entanto, minha atitude parece com a adotada pelo MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] nas últimas eleições presidenciais: não há alternativa senão apoiá-lo.
 
9/6/2008
 
'EUA serão expulsos do Iraque, e clérigo radical será premiê', opina I. Wallerstein
 
Estamos em 2009. O democrata Barack Obama é o presidente dos Estados Unidos. O que aconteceu com a Guerra do Iraque? "Acabou", acredita Immanuel Wallerstein, "e Moqtada al Sadr é o primeiro-ministro do país", conclui, referindo-se ao influente clérigo xiita. Hipótese radical? Certamente, assim como seu autor, mas o sociólogo explica a tese na entrevista concedida a Sérgio Dávila e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 09-0-2008.
"A população norte-americana quer que o país saia de lá [do Iraque], a questão será como sair com um mínimo de dignidade. Obama também quer sair, mas verá que é mais difícil do que pensa em termos de discussões domésticas. Ironicamente, nada disso terá importância, pois eu acredito que os iraquianos vão nos expulsar do país. E vamos aceitar graciosamente, porque não teremos outra opção.
Em termos realistas, o poderio dos EUA no Oriente Médio hoje é bem menor do que o povo norte-americano pensa, apesar do número de militares e armamentos deslocados para a região e de dinheiro investido.
O governo de George W. Bush está tentando desesperadamente fazer um acordo militar para manter tropas americanas indefinidamente no país. Tenta fazer isso enquanto ainda tem algum poder.
Negocia diretamente com o primeiro-ministro, o sunita Nuri al Maliki, contando com que ele não leve essas mudanças para serem referendadas pelo Parlamento e principalmente pelo voto popular, pois sabe que seriam derrotados. São negociações praticamente secretas. Nas últimas semanas, tanto o grão-aiatolá Ali al Sistani [clérigo xiita mais influente do país] quanto Al Sadr disseram que não as aceitam.
Se apoiado pelo primeiro, o segundo pode sair da história como o grande poder unificador no país hoje. Os EUA estão perdendo a guerra no Iraque, no Afeganistão e sendo passados para trás no Paquistão, perderam o que queriam no Líbano, estão sendo derrotado em todas as frentes do Oriente Médio em termos de objetivos políticos da administração Bush.
Sendo assim, em termos de atores principais, um eventual presidente Obama será uma figura secundária. Digo isso porque os próprios iraquianos conduzirão essa mudança.
Agora, a coisa muda de figura se o eleito for John McCain. Os EUA têm uma máquina militar extremamente poderosa, que pode causar todo tipo de agressão. Com o republicano no poder, não é impossível que ele pense em tomar essas atitudes agressivas, mesmo que isso tenha conseqüências negativas para os Estados Unidos.
Ele pode, por exemplo, atacar o Irã. Essa é uma diferença real entre os dois candidatos. Mas não acho que o republicano seja eleito. Creio que veremos seus índices nas pesquisas caírem nos próximos três meses. A não ser que os democratas façam algo incrivelmente estúpido, o que nunca pode ser totalmente descartado..."
 
 

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