segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Coletivo de Entidades Negras



Coletivo de Entidades Negras 


Posted: 22 Dec 2012 03:52 PM PST

Adital – Segue aberto até 25 de janeiro de 2013 o período de inscrição para o prêmio “Mulheres Negras contam sua História”, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR) em parceria com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). “Nossa pretensão é que as mulheres negras escrevam e possam trazer subsídios para a elaboração de políticas públicas”, afirmou a ministra Eleonora Menicucci, da SPM, no ato de anúncio da chamada pública, ocorrido durante os atos alusivos ao Dia Nacional da Consciência Negra.
O público-alvo do concurso é formado por mulheres autodeclaradas negras. Elas poderão participar com redações e ensaios, contar a história e a vida das afro-brasileiras na construção do país. O prêmio possui duas categorias: “Redação”, com texto de no mínimo 1.500 até o máximo de 3.000 caracteres, e “Ensaio”, com textos de 6.000 a 10.000 caracteres. Serão premiadas as cinco melhores redações com R$ 5 mil, e as cinco candidatas selecionadas na categoria “Ensaio” receberão R$ 10 mil.
O prêmio é uma iniciativa da SPM no resgate do anonimato das mulheres negras como sujeitos na construção da história do Brasil. O objetivo é estimular a inclusão social das mulheres negras por meio do fortalecimento da reflexão acerca das desigualdades vividas pelas mulheres negras no seu cotidiano, no mundo do trabalho, nas relações familiares e de violência e na superação do racismo.
Inscrições – As inscrições estão abertas desde 21 de novembro de 2012 e se encerrarão em 25 de janeiro de 2013. Somente mulheres autodeclaradas negras podem participar do concurso. As inscrições somente serão aceitas mediante o envio dos textos, em formato de texto, nas categorias “Redação” e “Ensaio”. Deverão ser efetuadas pelo endereço: premiomulheresnegras@spmulheres.gov.br ou postadas pelo correio para o endereço: Prêmio Mulheres Negras contam sua História – Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República – Praça dos Três Poderes Via N1 Leste, s/nº, Pavilhão das Metas, CEP 70150-908, Brasília – DF.
A notícia é da Secretaria de Políticas para as Mulheres.
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Posted: 22 Dec 2012 03:50 PM PST

Washington Novaes* – O Estado de S.Paulo
Páginas de jornais e revistas andam repletas de notícias, interpretações e opiniões a respeito da legislação que reserva cotas em universidades e institutos técnicos de nível médio federais para candidatos que se declararem pretos, pardos ou indígenas, assim como a alunos que tenham feito integralmente o ensino médio em escolas públicas e a candidatos oriundos de famílias com renda familiar mensal per capita de até um salário mínimo e meio. Não faltam controvérsias. Mas não é só por aí que vai a discussão. Ela inclui, também, a discriminação contra a mulher no mercado de trabalho e na renda.
Segundo informações deste jornal (28/10), o primeiro Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pós-lei de cotas mostrou que 54% dos inscritos eram negros ou indígenas, enquanto a participação dessas etnias na população nacional é de 51%. E, dos 5,7 milhões de estudantes que se inscreveram para vestibulares, 1,5 milhão havia terminado em 2012 o ensino médio, 80% dos quais (1,2 milhão) em escolas públicas.
Mesmo sem a legislação nova, o número de pretos e pardos na universidade multiplicou-se por quatro entre 1997 e 2011, segundo o Censo da Educação Superior, enquanto o de brancos pouco mais que duplicou (Estado, 17/10). E a porcentagem de pretos, pardos e indígenas na população total do Estado de São Paulo é de 34,73%.
Adversários das cotas na educação também têm seus argumentos, entre eles o de que a nova legislação não promove a inclusão educacional e social dos favorecidos, apenas oculta a falta de qualidade da educação no País. E que entrar pelo caminho das cotas seria arriscado, introduziria por lei uma divisão perigosa na sociedade. Também aí não faltam números para corroborar posições. Por exemplo: segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica, só 12% dos alunos do 9.º período de ensino têm aprendizado adequado em Matemática; 88% não entendem frações, não sabem operar com porcentagens nem fazer cálculos com dinheiro; e só 22% têm um bom aprendizado da língua portuguesa. Não é só: ainda temos 10,9 milhões de analfabetos, 77 milhões de pessoas não têm o hábito de ler e o piso salarial médio dos professores com 40 horas semanais de trabalho é de apenas R$ 1.451,00.
Há estatísticas em profusão. O número de assassinatos de negros no País foi 132% maior que o de brancos, entre 2002 e 2010, enquanto caiu o número de mortes violentas de brancos (Estado, 30/11). Mas a renda da população negra cresceu em ritmo cinco vezes maior que a não negra em dez anos. Oito em dez pessoas que chegam à classe média são negras (FP, 18/11). A participação das mulheres na força de trabalho aumentou de 40% para 44,5%, entre 1992 e 2009, segundo o IBGE. Mas elas trabalham mais que os homens, porque adicionam 22 horas semanais de trabalho doméstico às 36 horas fora de casa, enquanto os homens somam apenas 9,5 horas a suas 43 horas semanais fora de casa. Só que a remuneração média das mulheres é cerca de 1/3 menor que a dos homens: R$ 1.020,31, ante R$ 1.505,08. Tudo isso num quadro em que o Brasil é um dos países de maior desigualdade no mundo (Estado, 29/11), com 20% da população de maior renda detendo 57% da riqueza total do País (eram 63,7% em 2001), enquanto os 40% mais pobres ficam com 11% do total.
Todas essas coisas trazem de volta à memória do autor destas linhas uma discussão de que participou há 20 anos, em Salvador, na Sociedade de Cultura Negra no Brasil, promovida pela cientista social Juana Elbein dos Santos. Ali, o historiador Joel Rufino dos Santos começou por perguntar: Os direitos humanos são um valor universal? Todos os povos os percebem, compartilham e aceitam da mesma forma? Ou tudo depende da cultura, da geografia, do segmento social do observador? Mesmo entre nós não é assim? “Grande parte do povão” – afirmou ele – não admite que se invoquem esses direitos para proteger supostos ou reais infratores, principalmente assaltantes, sequestradores, etc. Parece favorável até a que se torturem esses acusados, mesmo antes de qualquer definição judicial nos casos em que estejam expostos. “Para a parcela mais pobre da população” – disse ele -, “os únicos laços com o Estado estão no cobrador de impostos e na polícia” (revista Visão, 8/4/1992). Opinião semelhante à do escritor Márcio de Souza, que mais de uma década depois, em outra discussão, em Manaus, disse que “cultura popular só entra no noticiário quando chega a polícia”.
Quem pesquisar mais verá que o quadro também é dramático quando se trata de etnias indígenas. Só em 1988, depois de séculos de violências, aconteceu a primeira condenação judicial no Brasil de um branco por assassinato de um índio. E, como sempre, disputando as terras do outro. Nada novo, se se lembrarem os assassinatos e suicídios de mais de 500 índios guarani kaiowá nos últimos tempos, como tem sido relatado pela comunicação.
Vale a pena, por tudo isso, retornar ao debate de Salvador, para destacar o pensamento exposto na ocasião pelo professor Kabengele Mutanga, professor da Universidade de São Paulo (USP) mas natural do Zaire (hoje República do Congo, país-sede de uma guerra civil em que já morreram milhões de pessoas, de etnias que disputam entre elas suas terras tradicionais, de onde foram expulsas por empresas colonizadoras).
Exilado em São Paulo, o professor Kabengele Mutanga foi contundente: “Temos de parar de falar só nos direitos dos negros, dos índios e outras minorias à base de diferenças, apenas. A base do racismo não está exatamente na negação da diferença. Está no temor da semelhança. É pelo fato de saber que eu posso fazer as mesmas coisas que ele, posso ocupar o lugar dele, que o branco racista me discrimina, persegue e mata”.
As divergências são respeitáveis. Mas quem olha o panorama brasileiro, com as diferenças econômicas, a situação do mercado de trabalho e a possibilidade de acesso a oportunidades educacionais, certamente presta atenção às palavras do professor Mutanga.
* Jornalista, e-mail: wlrnovaes@uol.com.br
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Posted: 22 Dec 2012 03:55 PM PST

Por CENPAH
Documentário Raça, de Joel Zito Araújo e Megan Mylan, cumpre bem o papel de captar a questão racial no Brasil. O desafio é conquistar o público e fazê-lo refletir
Joel Zito Araújo é um dos maiores cineastas brasileiros, principalmente ao abordar questões de gênero e, mais ainda, a racial, nitidamente intencional em suas obras. Foi assim em ‘O efêmero estado, União de Jeová’ (1999), história de Udelino de Matos, homem que tentou formar um estado camponês no norte do Espírito Santo na década de 1950 com a população majoritariamente negra. Em 2001, ‘A Negação do Brasil’ jogou luz sobre a invisibilidade do negro na dramaturgia brasileira (o filme, com pesquisa primorosa do cineasta, virou um livro referência no assunto). Em 2004, ‘Filhas do Vento’ fez história, ganhou vários prêmios, entre eles, oito Kikitos em Gramado. No elenco, atores experientes como Milton Gonçalves, Ruth de Souza, Léa Garcia e Zózimo Bulbul dividem com outros jovens e promissores talentos (entre eles, Taís Araújo, Thalma de Freitas e Rocco Pitanga), personagens cheios de nuances, ricos em suas construções e bem diferentes daqueles estereotipados e ‘reservados’ a atores negros. A abordagem gira em torno do amor e de conflitos familiares, retratando dramas femininos comuns a qualquer mulher, mas acentuados pela sombra do racismo e da escravidão.
Em 2009, com ‘Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado’, Joel Zito botou o dedo na ferida em um assunto até muito explorado pela mídia: o turismo sexual nas regiões Norte e Nordeste do Brasil e, como consequência, a pedofilia e o racismo -, mas que ganhou uma conotação mais humana do diretor.
Com currículo enxuto, mas extremamente respeitado e premiado, ninguém melhor que Joel Zito para explorar, de forma mais direta, a questão racial no Brasil nos últimos anos. O documentário ‘Raça’ (produzido em parceria com a premiada documentarista norte-americana Megan Mylan) apresenta temas que se completam, especialmente em relação à política: a “batalha” de dez anos até aprovação do Estatuto da Igualdade Racial no Congresso Nacional; a legitimidade quilombola e o respeito às tradições e culturas negras, e a invisibilidade do negro nos meios de comunicação pela ótica da criação da TV da Gente, canal de televisão cuja maioria dos profissionais era negro.
Cada um dos assuntos abordados tem seu personagem principal, acompanhados pela produção do filme entre 2005 e 2011. No conjunto da obra, os três pilares atestam com clareza as muitas conquistas da população negra brasileira nas áreas da educação, da cultura, da política e da religião. Mas, se analisados isoladamente, deixam no ar alguns questionamentos pela forma como cada personagem é colocado e, principalmente, entendido pelo público.
A Luta Pelo Estatuto, Pelo Direito e Pela Visibilidade
Os esforços do senador Paulo Paim – autor do projeto original do Estatuto da Igualdade Racial – para que o mesmo fosse aprovado é um dos pontos altos do filme. Na mídia em geral, o assunto sempre foi tratado em notas de rodapé, portanto, vale muito acompanhar os meandros dessa negociação política, algo que Joel Zito e sua equipe tiveram o privilégio de registrar. “Eu não quero nada.
Só deem oportunidade para um povo que foi sempre excluído. Só quem é negro sabe o quanto que é difícil essa caminhada”, diz Paim, com ênfase, em uma de suas falas marcantes reproduzidas no documentário. Destaque também para as cenas de bastidores, das conversas ao pé do ouvido entre os envolvidos e dos calorosos discursos que deram o tom para a aprovação do Estatuto. Chama a atenção algumas aparições do então senador Demóstenes Torres (contrário à discussão) e, mais ainda, a fala sem noção – prontamente rebatida por Paim – em que Demóstenes afirma “que a miscigenação brasileira não ocorreu pelo estupro das mulheres negras na época da escravidão, pois tudo era feito de forma consensual.”
O recorte é, sem dúvida, uma ótima oportunidade de vermos um político sério e combativo em pleno exercício de sua profissão. Coisa rara nessa esfera…
Do outro lado da luta por igualdade e respeito, está Miúda dos Santos, neta de africanos escravizados, moradora do Quilombo de Linharinho, no Espírito Santo, outra personagem do filme Raça. A briga por lá, diretamente falando, é contra a poderosa Aracruz, do ramo de celulose.
A empresa, desde a década de 1970, vem invadindo as terras do Linharinho, limitando o espaço para a cultura, a prática religiosa de matriz africana e costumes tradicionais.
“Ficamos confinados”, relembra Miúda em trecho que mostra a preparação e a execução de um protesto quilombola em uma rodovia. Com a estrada fechada, fica fácil perceber pela lente da câmera o quanto surpresos ficam os motoristas ao saberem o real motivo do protesto. Algo desconhecido e até legítimo para muitos, desde que possam logo acelerar seus carros e seguir em frente. Mas a questão quilombola é mostrada no documentário com a importância que merece ter. Cenas da terra, da simplicidade do povo, da dança e da religiosidade afro-brasileira dão o tom da legitimidade (insisto na palavra) do tema que, diga-se de passagem, avançou em termos de direito, preservação e demarcação de terra nos últimos anos.
A invisibilidade do negro na mídia vem pela figura de Netinho de Paula e os bastidores da criação de seu canal, a TV da Gente, mas que teve vida curta. No entanto, é possível perceber, principalmente nas imagens da inauguração do canal, a emoção da comunidade negra pelo pioneirismo da iniciativa. As lágrimas da veterana Zezé Motta chamam a atenção. Muitos parecem nem acreditar naquilo. Mas a importância do assunto se perde um pouco ao amarrar tal conquista no visível deslumbramento de Netinho diante de seu feito. As cenas do hoje titular da Secretaria de Igualdade Racial de São Paulo, em visita aos Estados Unidos, e também em um de seus shows culpando os “brancos” pelas dificuldades que a TV da Gente já apresentava, são, no mínimo, desnecessárias e provocativas, porém, do ponto de vista de Joel Zito, podem ter sido intencionais.
Fomento Necessário
Esses três assuntos que permeiam o documentário ‘Raça’, mostrados e misturados sem roteiros em cortes e definições de cenas feitas por quem realmente sabe de cinema, são o trunfo da obra que, creio, não se propõe a ganhar prêmios e menções honrosas. Em suas produções, Joel Zito tem como marca principal mexer com a cabeça de quem as vê, provocar questionamentos, colocar a sociedade em movimento pensante e contínuo diante de assuntos históricos e polêmicos.
Com ‘Raça’ não será diferente! Vou torcer muito para que o filme ganhe a visibilidade que merece, que conquiste muitas salas de projeção, que seja exibido nos quase 300 festivais de cinema que temos por ano no país, que ganhe destaque e que faça o mesmo ‘barulho’ dos blockbusters enlatados e das comédias pastelões que hoje dominam o mercado cinematográfico e que repercutem nas ruas.
Na primeira exibição do documentário ‘Raça’, realizada no Cine Odeon, na Mostra Prémiere Brasil do Festival de Cinema do Rio de Janeiro, a casa estava cheia. Foi bacana ver olhos atentos na telona em busca da visibilidade de sua gente, de sua história, de suas raízes…
Bem, no final da sessão, merecidos aplausos ecoaram pela sala, mas um ponto me deixou inquieto. Netinho declarou que o filme “era o primeiro reality show negro do Brasil”, afirmação que veio acompanhada de mais e mais aplausos. A simples definição desses programas, já popularizados por aqui como algo de gosto duvidoso, já soa em minha cabeça como um grande oba-oba.
A obra de Joel Zito passa longe desse conceito. Não é reality, é debate! Não é diversão, é informação! E quero crer que esse rico material mostrado por meio da magia do cinema possa sim fomentar, de forma mais efetiva, a discussão racial e social no Brasil (principalmente entre os jovens) e, de quebra, limpar algumas poeiras políticas e empresariais que foram escondidas debaixo do tapete.

Posted: 22 Dec 2012 04:57 PM PST
Posted: 22 Dec 2012 03:59 PM PST

Os gestos sutis e comedidos de Angela Davis, 68, enquanto conversa, quase não lembram a imagem que correu o mundo da jovem revolucionária que integrou os Panteras Negras, nos Estados Unidos. Sua prisão, após envolvimento numa ação para libertar jovens negros acusados de matar um juiz, mobilizou o mundo nos anos 1970. Tema de músicas de John Lennon e Yoko Ono (Angela), além dos Rolling Stones (Sweet Black Angela), a hoje professora da Universidade da Califórnia continua ativista.
Seu espaço de luta é o movimento anticarcerário e a mobilização de mulheres. Em ambos, ela enfatiza que o racismo continua muito presente, mesmo no país que reelegeu como presidente Barack Obama. “Pessoas que estão encarceradas dizem que um homem negro na Casa Branca não é suficiente para anular um milhão de homens negros na casa-grande, ou seja, no sistema carcerário”.
Ela conversou com a Muito na sua quarta passagem pela Bahia, onde teve como principal compromisso participar de um fórum na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em Cachoeira, no dia 20 de novembro.
Como foi a sua  experiência no Fórum 20 de Novembro,  no campus da Universidade Federal do Recôncavo, em Cachoeira?
Fiquei bastante impressionada com o evento, mas também em perceber como a universidade se expandiu. É uma instituição pública federal majoritariamente negra, com ações afirmativas. Deveria ser um exemplo para os EUA. Lá, as ações afirmativas estão sendo questionadas e abolidas.
No Brasil, vivemos um momento em que o entendimento sobre a importância das ações afirmativas consolidou-se na universidade e nos movimentos sociais. Mas parte da sociedade e da mídia tem dúvidas. Qual a situação dessas medidas nos EUA? 
No contexto atual, o Brasil está bem à frente dos Estados Unidos, no que diz respeito à implementação das ações afirmativas. Lá, nos anos 1990, vários programas nesse sentido foram juridicamente eliminados.
Quais as principais consequências desse processo?
Há mais homens negros encarcerados nos EUA do que nas universidades.  Há um milhão de homens negros na cadeia. Temos  que avaliar o que leva um homem negro a chegar a esse ponto. Se não há oportunidade para ingresso no setor da educação formal, se não há assistência à saúde, condições de habitação e de lazer, a prisão se torna a única alternativa viável. Fiquei muito feliz em saber que o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil manteve o programa de ações afirmativas nas universidades brasileiras.
Este é um ponto-chave para o combate às desigualdades?
As políticas de ações afirmativas, quando praticadas repetidamente, têm um poder de transformação bastante significativo. Existe a pressuposição de que as ações afirmativas estão beneficiando indivíduos de tal maneira que prejudicam outros. Mas essa é uma interpretação incorreta sobre as ações afirmativas. Essas ações não dizem respeito à ascensão individual. O objetivo  é a ascensão de comunidades que foram afetadas desproporcionalmente por legislações e pelo racismo que remetem à época da escravidão.

Posted: 22 Dec 2012 04:05 PM PST

Erica Neves – Editoria de educação
Livros privilegiam visão do colonizador. Sancionada há 10 anos, lei que institui a cultura afro em currículos é ignorada
Com o intuito de quebrar paradigmas construídos ao longo de uma história marcada pela discriminação dos negros brasileiros, foi sancionada pelo governo federal, em 2003, a lei nº 10.639. A lei determina que escolas públicas e particulares de Ensino Fundamental e Médio insiram em seus currículos conteúdos relacionados à história e a cultura africanas.
Contudo, quase dez anos depois de sua sanção, a grande maioria das instituições educacionais brasileiras ainda não cumpre a legislação. Os entraves para o cumprimento da lei são vários, dentre eles está a falta de previsão orçamentária por parte do Executivo para a sua implementação. “Se há uma alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), o Estado brasileiro teria que prever algum recurso para que os sistemas de ensino, principalmente a partir dos gestores, fossem atualizados em relação a isso. E foi o que não aconteceu no caso da lei 10.639?, pontua Valter Silvério, especialista em ações afirmativas e professor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
A superintendente da Promoção de Igualdade Racial no Estado, Raimunda Montelo, reforça o pensamento de Silvério. “Quando a lei foi sancionada não tinha orçamento para que fosse implementada, e você define muito bem a prioridade de uma ação e de uma política pública pela quantidade de recursos destinados à sua implementação”, diz ela.
Alex Ratts, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, também relaciona a falta de recursos públicos à dificuldade no cumprimento da legislação. “O que falta mesmo é esforço governamental porque nós temos hoje em Goiás mais de 30 professores com mestrado e doutorado e em plenas condições de formar professores nessa área, mas nós não temos recursos do governo estadual para que isso aconteça.”
Para a coordenadora do Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-Racial de Goiás, Roseane Ramos, essa realidade, no entanto, não está restrita a Goiás. “Raramente encontramos alguma Secretaria de Educação fazendo um trabalho mais amplo em toda a rede. O que nós identificamos são ações pontuais de professores que têm algum vínculo com o movimento negro ou com alguma formação na área. Isto é uma falta de compromisso dos gestores que estão à frente das pastas das secretarias municipais e estaduais de educação”, pontua.
Outro problema destacado por ela no tocante ao cumprimento da lei refere-se à má compreensão sobre o significado da legislação. “Muitas vezes se faz uma denúncia ao Ministério Público acerca do descumprimento da lei por parte de determinada escola, mas se a escola apresenta um projeto político pedagógico no qual constam algumas ações pontuais sobre a cultura afro-brasileira, o entendimento é de que se está cumprindo a lei, mas não está”.
Discussão aprofundada
Silvério tem opinião semelhante acerca da incompreensão em torno do que versa a legislação. “Os sistemas de ensino estão com dificuldade em compreender qual é o verdadeiro sentido dessa legislação, já que ela altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)”.
O professor avalia que a aplicação da lei implicaria na discussão do impacto do racismo na sociedade brasileira resultante de conteúdos eurocêntricos ministrados em sala de aula. “Não existe reconhecimento de todos os povos que para cá vieram com contribuições absolutamente diversas na formação do que nós chamamos do caráter brasileiro, do caráter nacional. Recebemos uma formação que é totalmente etnocêntrica na medida em que só nos referimos à contribuição europeia”, ressalta.
Silvério acredita que a resistência à implantação da lei 10.639 deve-se ao fato de que ela insere uma discussão mais ampla e profunda sobre a própria matriz curricular da educação no Brasil. “As diretrizes colocam claramente que a participação da população negra, mais especificamente dos africanos e seus descendentes na formação social brasileira, deve se constituir em um dos pilares do currículo. Isso significa que você tem que rever toda a grade curricular brasileira e os conteúdos que são ministrados”, destaca.
De acordo com o sociólogo, as consequências dessa revisão da matriz curricular vão além do acréscimo de conteúdos às disciplinas existentes. “O que é dito pela lei é que nós temos que fazer uma reformulação do currículo. É rever as bases pelas quais os nossos professores são formados e que nós somos formados, já que nós desconhecemos a contribuição dos africanos e seus descendentes na formação social brasileira”, explica.
Formação x racismo
Para Cecília Vieira, professora da rede municipal de Goiânia, apoio técnico pedagógico da divisão de Educação Infantil da SME e com atuação no Núcleo de Estudos Africanos e Afrodescendentes da UFG (NEAAD), a formação dos educadores é o primeiro aspecto a ser considerado para a efetiva implementação da legislação. “O professor precisa se fundamentar porque os conflitos que envolvem o racismo em sala de aula são cotidianos. Por isso é preciso fazer uma formação do formador”, explica.
Ela destaca ainda que o principal papel do poder público deve ser o de investir na formação inicial e continuada dos educadores. “O que se tem hoje nos cursos de Pedagogia são matérias optativas sobre o assunto. Mas a lei é clara, essas disciplinas devem compor a grade curricular de forma obrigatória”, enfatiza.
Mas Roseane Ramos, coordenadora do Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-Racial de Goiás, destaca a dificuldade em formar professores aptos a ensinar a história e a cultura dos povos africanos. Não por falta de especialistas, mas por conta da atual grade curricular dos cursos de formação inicial. “Infelizmente as instituições de Ensino Superior não incluíram o ensino de história e cultura afro-brasileira em suas matrizes curriculares. Por isso os professores ainda não possuem essa bagagem e é preciso fazer uma formação continuada dos professores que já estão atuando”, avalia.
Roseane vai além na discussão e relaciona a dificuldade para viabilizar a formação continuada dos professores justamente à discriminação. “Nós acreditamos que essa dificuldade política tem um viés racista porque não se quer mexer no currículo. Então nós precisamos de gestores mais compromissados com o cumprimento da lei”, salienta.
Mas se o descaso governamental em colocar a lei em prática ser atribuído ao preconceito, as consequências decorrentes dessa resistência colaboram ainda mais para a perpetuação do racismo no Brasil, já que tudo o que se ensina sobre a população negra está relacionado unicamente à escravidão.
Quem faz o alerta é Raimunda Montelo, superintendente da Promoção da Igualdade Racial. “As consequências do desconhecimento da história africana é desastrosa, tanto do ponto de vista do sofrimento da população negra quanto do próprio racismo, que se perpetua secularmente na constituição, na subjetivação e no pensamento dominante”, lamenta.
O desconhecimento gera intolerância
Mas quais seriam os principais benefícios advindos do cumprimento efetivo da lei nº 10.639 nas escolas de Ensino Médio e Fundamental brasileiras? Para Roseane Ramos, coordenadora do Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-Racial de Goiás, esse aprendizado implicaria na ressignificação das relações que hoje estão estabelecidas dentro de um fundamento racista.
“O processo de intolerância e de estranhamento tenderia a diminuir porque o desconhecido é estranho. Então, a partir do momento em que a história do povo negro passa a ser reconhecida e valorizada, criam-se as bases para o surgimento de uma nova sociedade”, conclui.
Cecília Vieira, professora da rede municipal de Goiânia, acredita que da mesma forma em que nascem, no ambiente escolar, os preconceitos que resultam na exclusão de uma parcela significativa da população brasileira, é também dentro da escola que estão as ferramentas para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
No seu entendimento, o caminho para a construção dessa nova sociedade passa necessariamente pela valorização da herança africana na formação do povo brasileiro. “As crianças negras precisam ter sua autoestima desenvolvida na escola para verem que, assim como as brancas, elas também podem sonhar com um futuro melhor. E para que possam perceber que esse espaço escolar também é delas”, salienta.

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