terça-feira, 26 de novembro de 2013

Estudantes Africanos


ADITAL JOVEM
23.08.2013
Estudantes africanos no Ceará: o desafio de integrar diferentes culturas
Tatiana Félix
Adital
João Domingos Tavares Semedo apenas chorava e queria voltar para sua casa em Cabo Verde, quando chegou ao Brasil vindo daquela pequena ilha na África e cruzar o Atlântico para estudar Bacharelado em Humanidades na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), sediada em Redenção, Ceará, no Nordeste brasileiro.
Um ano e dois meses depois, o cabo-verdiano recorda a tristeza que ele e outros estudantes estrangeiros sentiram ao chegar à cidade de 226 km² e pouco mais de 26 mil habitantes: "foi um choque porque a cidade era pequena e não estávamos preparados. A gente tinha informação do Rio de Janeiro, mas não de Redenção. Assim que chegamos aqui muitos estudantes começaram a adoecer por causa do clima [semiárido]. O atendimento no Hospital [público] Paulo Sarasate era péssimo e feito sem diagnóstico. A [falta de] condição de saúde deixou a gente muito triste”.
Foi por meio do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC_G) firmado entre o governo brasileiro e os governos dos países africanos com os quais o Brasil mantém acordos educacionais e culturais, que o jovem de 24 anos chegou à Unilab. Mas, ao se instalar em Redenção, o que João e outros universitários estrangeiros - a maioria africana - encontraram foi uma infraestrutura básica de saúde, moradia e lazer ‘muito precária’.
Segundo ele, as casas para alugar não têm boas estruturas, mas como a universidade ainda não oferece residência estudantil, os alunos precisam se juntar para pagar o aluguel que, em geral sai por R$ 600,00 – mesmo valor da bolsa para auxílio-moradia que eles recebem pelo PEC-G. Todos os alugueis da cidade foram inflacionados pelo valor da bolsa. João divide sua casa e as despesas com mais cinco estudantes de Cabo Verde.
A integração com seus colegas, as atividades extracurriculares, a beleza e a alegria das festas de São João, além do idioma e do clima parecido com o seu país foram fundamentais para ajudar na sua adaptação. Ele também destaca o acolhimento da população local com os estudantes africanos devido à história da cidade de Redenção, que foi a primeira a abolir a escravidão no país em janeiro de 1883, cinco anos antes da abolição oficial em 1888.
Hoje, namorando uma brasileira, e ainda faltando quatro anos para concluir sua graduação, João não pensa em voltar para Cabo Verde. Tudo o que ele quer é continuar estudando até chegar ao doutorado e trabalhar na área de antropologia "para pesquisar sobre os povos indígenas, quem sabe”. Ele ainda não decidiu o tema de estudo, mas sabe que quer continuar mergulhando na história dos povos do mundo.
"O sonho de estudar é um sonho meu”
Com a determinação de quem sabe o que quer, Domingos Nunes Indunque Dju, de 31 anos, aproveitou ‘com unhas e dentes’ a oportunidade para cursar uma graduação no Brasil, quando, em 2009, uma faculdade particular do Ceará apresentou ao seu país, Guiné-Bissau, uma oportunidade para alcançar a tão desejada qualificação profissional.
Embora a única "facilidade” conquistada ao passar no vestibular fosse a vaga para estudar em Fortaleza, o guineense decidiu deixar sua família e sua casa em Bissau, capital do país, e enfrentar o desafio que exigia arcar com todos os custos para viver e estudar em outro continente. Para ele, as dificuldades sempre existem, mas é preciso ser forte para encarar os obstáculos: "Quando cheguei aqui tive dificuldade, mas a pessoa tem que saber se sair para resolver o problema”.
O problema é que trabalhar é proibido. Domingos explicou que, segundo o termo de responsabilidade do convênio, o dinheiro para o custeio dos estudos deve ser enviado pelos familiares, já que o visto para permanecer no Brasil é "meramente de estudante”, o que não permite ao aluno trabalhar. Porém, disse ele, como sabemos, o nosso país está sempre em conflito político ou militar e já houve certos entraves para a família conseguir trabalho lá e lhe mandar "qualquer coisa” aqui.
Em virtude disso, o estudante guineense teve que se virar como pode e arranjar um emprego informal, mesmo sendo proibido, para poder arcar com as despesas mensais nos momentos de aperto. "Na verdade, já fiz muitos trabalhos informais levando em conta a minha situação financeira e não posso parar porque o sonho de estudar é um sonho meu. Eu quero estudar e não posso parar porque a minha família não está me mandando nada (...). Não é que a gente queira [trabalhar ilegalmente], mas o momento é propício para você fazer isso. Então, a gente se encarrega das despesas, tem que pagar a faculdade, o aluguel, tem que manter a alimentação, o transporte, tudo isso gera uma dificuldade ‘muito enorme’ (sic) pra gente”.
Segundo ele, essa é a maior dificuldade que os estudantes de países africanos enfrentam para estudarem nas faculdades particulares do Ceará. "Todos os meus conterrâneos passaram por isso e para se manter tiveram que fazer um trabalho informal até que consigamum estágio, que é o mais formal”, completou. Como não são vinculados ao PEC-G, que seleciona estudantes estrangeiros para estudar em universidades públicas, os alunos que vêm para as instituições privadas não podem contar com o auxílio de uma bolsa do governo.
União entre compatriotas
Nas horas de lazer, Domingos e seus amigos gostam de se juntar com outras comunidades guineenses para jogar futebol ou para fazer a noite africana. "A gente procura estar juntos para matar aquela saudade um pouquinho", diz.E também é pensando em ajudar seus irmãos guineenses que Domingos preside a Associação de Estudantes de Guiné-Bissau no Estado do Ceará, desde 26 de agosto de 2012.
Segundo ele, a entidade presta apoio nos momentos difíceis dos estudantes em casos de problemas relacionados com a faculdade ou dívidas no pagamento das mensalidades dos cursos superiores que, em média, giram em torno de R$ 400,00. "A Associação está se preocupando com as dívidas dos estudantes, essa dívida é meramente com o estudo (...), não das outras dívidas pessoais. A prioridade da associação é da pessoa não ter dívida da faculdade e têm muitos estudantes com dificuldade para pagar”, enfatiza.
Mas, para dar esse apoio, a instituição sem fins-lucrativos também precisa de ajuda financeira e faz um apelo para empresas ou pessoas interessadas em contribuir: "Gostaríamos de ter esse apoio de instituições ou pessoa para que possamos tirar nossos compatriotas da dívida com a faculdade. Estamos angustiados para que isso aconteça. Estamos apelando para quem quer seja que possa nos ajudar, estamos de braços abertos e dispostos a fazer um monitoramento de toda essa situação (...) para que possamos sair da inadimplência”.
Por enquanto, a Associação de Estudantes de Guiné-Bissau pode contar com o apoio institucional da Prefeitura de Fortaleza, através da Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (COPPIR). Segundo Cristiano Pereira, coordenador especial da COPPIR, o órgão tem acompanhado os estudantes guineenses que têm procurado apoio para realização de debates e eventos. "A Prefeitura está aberta para apoiá-los no momento em que eles quiserem”, afirmou.
O mesmo senso de união foi o que motivou a criação do Movimento Pastoral Africano no Ceará, presidido pelo estudante Alberto Imbunde, também de Guiné-Bissau. Segundo ele, a ideia inicial deste movimento foi dar continuidade ao caminho cristão, mas com os problemas que foram surgindo decidiram fortificar o grupo que "hoje é referência no Ceará devido a grandes conquistas e participação nos encontros nacionais dos estudantes”.
Trocas de experiências
Falando o mesmo idioma e respeitando a cultura local, já que "imperativamente” teria que conviver com o povo cearense, Domingos e afirma que não tem problemas com a vizinhança, apesar de não sentir necessidade de interação. "Eu vejo o cearense assim, como uma pessoa tranquila na sua casa, se você não fala com a pessoa, a pessoa não fala contigo. E nós também não sentimos aquela vontade de intervir na vida da pessoa, de falar muito com a pessoa. Então, fica cada qual no seu canto".
Já Alberto Imbunde, que está há quatro anos no Ceará, conta que apesar de falarem oficialmente o mesmo idioma, o sotaque e a diferença no significado de palavras iguais renderam momentos divertidos: "Aqui encontramos tudo ao contrário, por exemplo, fila em Guiné-Bissau é bicha, blusa é camisola”.
Segundo relato dos estudantes, tanto em Cabo Verde quanto em Guiné-Bissautambém se fala o dialeto criolo, uma espécie de "português mal falado”, como definiu o guineense Domingos. Ainda em comum, os três universitários disseram que sentem falta de um atendimento médico especializado em saúde do africano, quando buscam assistência nos postos de saúde ou hospitais públicos, "porque é diferente a saúde do africano e a do brasileiro. Alguns remédios que precisamos tomar não fazem efeito. Não sei se é questão tropical, alguma coisa deste tipo. Por isso, sugerimos um médico especializado para conosco”, explica Domingos.
Estudantes africanos no Ceará
Apenas na Unilab, com sede na cidade de Redenção, no Ceará, existem atualmente 299 estudantes africanos/as, oriundos, principalmente, de Guiné-Bissau, Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. A Unilab foi criada em julho de 2010 para contribuir com a integração entre o Brasil e demais países de Língua Portuguesa, em especial, os africanos. Já na Universidade Federal do Ceará (UFC) são pouco mais de 100 alunos, metade deles de Cabo Verde, matriculados nos mais diferentes cursos.
Todos esses alunos/as são beneficiários do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC_G)que possibilita a estudantes estrangeiros com idade entre 18 e 23 anos e ensino médio completo, cursar gratuitamente a graduação no país.O custeio das despesas para viver no Brasil é de responsabilidade do aluno, mas o Itamaraty, por meio do Ministério das Relações Exteriores, oferece oportunidade de bolsas no valor de R$ 622,00 em casos específicos.

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