segunda-feira, 15 de julho de 2013

Deputado Federal - PSOL

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Substitutivo ao PL 5921/2001 – Novo ataque fundamentalista

Tramita pela Comissão de Ciência e Tecnologia o PL 5921/2001, que regulamenta a publicidade destinada a produtos infantis. Foi apresentado um substitutivo ao texto pelo deputado Salvador Zimbaldi que determina que tipo de família pode aparecer nos comerciais, e que quer excluir famílias monoparentais (mães e filhos, pais e filhos), inclusive as formadas por adoção, famílias homoafetivas, as famílias sem filhos, etc, da publicidade.

Leia a íntegra: bit.ly/18beB2l


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Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos promove ato em comemoração aos 23 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente

A Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos promoveu ato em defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/90). Com o objetivo de comemorar os 23 anos da lei, o ato repudiou os projetos em tramitação no Congresso Nacional que pedem a redução da maioridade penal.
"É preciso ficar de olho na composição da comissão que vai discutir a redução da maioridade penal. É preciso dizer a cada um deles que reduzir a maioridade penal como remédio para a violência é uma estupidez e é ineficaz. A nossa infância e a nossa adolescência precisa de proteção. Criança tem que ter direito, e não prisão", disse Wyllys em sua fala.
Ouça a fala de Jean Wyllys durante o evento: youtu.be/r1OWc2_ySYg
Fotos do ato: on.fb.me/18bPZXg

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Você quer saber quanto recebe um deputado?

Consultado pelo apresentador Marcelo Tas, a partir da pergunta de um internauta que acompanhava a entrevista, sobre se o salário de um deputado era excessivo, eu respondi que não, que não acho que seja. E não acho mesmo, sou sincero, não gosto de hipocrisia: dizer o que não penso para agradar o outro. Também expliquei ao Marcelo que, no meu caso, feitos todos os descontos, o que eu recebo é QUASE o que eu recebia como professor universitário, com 40 horas-aula, dedicação exclusiva e coordenador de um grupo de pesquisa numa universidade particular. Eu nunca disse que fosse pouco nem que todos os parlamentares recebessem o mesmo que um professor. Apenas falei do MEU CASO.
Mas eu não tenho nada a esconder. Você quer saber quanto eu recebo? bit.ly/1a6SGH3

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“O preconceito e o racismo se expressam na hora do cafezinho” – Entrevista à Revista Sexy

Jean Wyllys, deputado federal pelo PSOL-RJ, fala de seu projeto sobre a regulamentação da prostituição, analisa o BBB, mostra como ainda é alvo de piadinhas, inclusive na câmara, e afirma: o preconceito e o racismo se expressam na hora do cafezinho. 
Leia a íntegra: bit.ly/11zt8lq

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Jean Wyllys e Luiz Carlos Lacerda ministram aula sobre cinema e homossexualidade

A representação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no cinema será tema de palestra que o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e o cineasta carioca Luiz Carlos Lacerda (Bigode) apresentarão sexta-feira, 12, às 14h. Como parte das atividades do Rio Festival Gay de Cinema, que acontece em diversos pontos da cidade entre os dias 04 e 14 de julho, o encontro acontecerá no Instituto Cervantes (Rua Visconde de Ouro Preto, 62. Botafogo), no Rio de Janeiro.
Informações: (21) 4108-1768 e www.riofgc.com  e  #riofgc2013
A entrada é FRANCA!
Mais informações: clique aqui

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Jean Wyllys defende atividade circense e defende cautela na discussão sobre o trabalho de crianças e adolescentes e sobre o uso de animais

A Comissão de Cultura realizou ontem, terça (09/07), uma audiência pública para debater propostas voltadas à atividade circense. Elogiado pelo ator Marcos Frota por sua atuação parlamentar, o deputado Jean Wyllys defendeu o financiamento das artes circenses nas leis orçamentárias, ressaltou que o tema da relação entre circo e animais deve ser tratado com discernimento para evitar a demonização das artes circenses e abordou o PL 4968/2013, de sua autoria, que protege os direitos de crianças e adolescentes do trabalho artístico. 
Assista ao vídeo: youtu.be/rn8I5uwcz2A

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Nota da Comissão de Educação a respeito da destinação dos royalties do petróleo

A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados entende como inaceitável apoiar a redação na forma do Substitutivo do Senado Federal, que implica destinação de recursos muito aquém das necessidades de correção do passivo educacional brasileiro.
Leia a íntegra da nota: bit.ly/10NxanO

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Uma Nova Classe Trabalhadora


Uma nova classe trabalhadora

Em artigo para livro '10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma' (Boitempo, 2013), a filósofa Marilena Chauí afirma que uma nova classe trabalhadora se constituiu no país num momento em que políticas econômicas e sociais avançaram em direção à democracia, mas as condições impostas pela economia neoliberal determinaram a difusão da ideologia da competência e da racionalidade do mercado. Com isso, ela se tornou propensa a aderir ao individualismo competitivo e agressivo difundido pela classe média.

1. Surpresas

Alguém que, nos anos 1950 e 1960, conhecesse as terríveis condições de vida e de trabalho das classes populares brasileiras e, naquela época, tivesse viajado por uns tempos pela Europa, seria duplamente surpreendido. Primeira surpresa: veria operários dirigindo pequenos carros (na França, o famoso “dois cavalos” da Renault; na Inglaterra, o “biriba” da Morris; na Itália, o Cinquecento da Fiat), passando as férias com a família (em geral em alguma praia), fazendo compras em lojas de departamento populares (na França, o Prixunic; na Inglaterra, o Woolworths e a C&A), enviando os filhos a creches públicas e, quando maiores, à escola pública de primeiro e segundo graus, às escolas técnicas e mesmo às universidades. Também veria que os trabalhadores tinham direito, assim como suas famílias, a hospitais públicos e medicamentos gratuitos e, evidentemente, possuíam casa própria. Era a Europa do período fordista do capitalismo industrial, portanto da linha de montagem e fabricação em série de produtos cujo custo barateado permitia o consumo de massa. Mas era, sobretudo, a Europa da economia keynesiana, quando as lutas anteriores dos trabalhadores organizados haviam levado à eleição de governantes de centro ou de esquerda e ao surgimento do Estado do Bem-Estar Social, no qual uma parte considerável do fundo público era destinada, sob a forma de salário indireto, aos direitos sociais, reivindicados e, agora, conquistados pelas lutas dos trabalhadores. Segunda surpresa: a diferença profunda entre, por exemplo, a situação dos trabalhadores suecos – desde os salários e direitos sociais até os direitos culturais – e a dos espanhóis, portugueses e gregos, ainda submetidos a ditaduras fascistas e forçados a emigrar para o restante da Europa em busca de melhores condições de vida e de trabalho.

Entretanto, não passaria pela cabeça de ninguém dizer que os trabalhadores europeus haviam ascendido à classe média. Curiosamente, é o que se diz hoje dos trabalhadores brasileiros, após dez anos de políticas contrárias ao neoliberalismo.

2. A catástrofe neoliberal

Diante da classe trabalhadora que descrevemos acima, não foi por acaso, em meados dos anos 1970, quando o déficit fiscal do Estado e a estagflação abriram uma crise no capitalismo, que os ideólogos conservadores ofereceram uma suposta explicação para ela: a crise, disseram eles, foi causada pelo poder excessivo dos sindicatos e dos movimentos operários, que pressionaram por aumentos salariais e exigiram o aumento dos encargos sociais do Estado. Teriam, dessa maneira, destruído os níveis de lucro requeridos pelas empresas, desencadeado processos inflacionários incontroláveis e provocado o aumento colossal da dívida pública.

Feito o diagnóstico, também ofereceram o remédio: um Estado forte para quebrar o poder dos sindicatos e movimentos populares, controlar o dinheiro público e cortar drasticamente os encargos sociais e os investimentos na economia, tendo como meta principal a estabilidade monetária por meio da contenção dos gastos sociais e do aumento da taxa de desemprego para formar um exército industrial de reserva que acabasse com o poderio das organizações trabalhadoras. Tratava-se, portanto, de um Estado que realizasse uma reforma fiscal para incentivar os investimentos privados, reduzindo os impostos sobre o capital e as fortunas e aumentando os impostos sobre a renda individual e, assim, sobre o trabalho, o consumo e o comércio. Finalmente, um Estado que se afastasse da regulação da economia, privatizando as empresas públicas e deixando que o próprio mercado operasse a desregulação, ou, traduzindo em miúdos, a abolição dos investimentos estatais na produção e do controle estatal sobre o fluxo financeiro, a drástica legislação antigreve e o vasto programa de privatização. Pinochet, no Chile, Thatcher, na Grã-Bretanha, e Reagan, nos Estados unidos, tornaram-se a ponta de lança política desse programa.

Com o encolhimento do espaço público dos direitos e a ampliação do espaço privado dos interesses de mercado, nascia o neoliberalismo, cujos traços principais podem ser assim resumidos:

1. A desativação do modelo industrial de tipo fordista, baseado no planejamento, na funcionalidade e no longo prazo do trabalho industrial, com a centralização e verticalização das plantas industriais, grandes linhas de montagens concentradas num único espaço, formação de grandes estoques orientados pelas ideias de qualidade e durabilidade dos produtos, e numa política salarial articulada ao Estado (o salário direto articulado ao salário indireto, isto é, aos benefícios sociais assegurados pelo Estado). Em contrapartida, no neoliberalismo, a produção opera por fragmentação e dispersão de todas as esferas e etapas do trabalho produtivo, com a compra e venda de serviços no mundo inteiro, isto é, com a terceirização e precarização do trabalho. Desarticulam-se as formas consolidadas de negociação salarial e se desfazem os referenciais que permitiam à classe trabalhadora perceber-se como classe e lutar como classe social, enfraquecendo-se ao se dispersar nas pequenas unidades terceirizadas, de prestação de serviços, no trabalho precarizado e na informalidade, que se espalharam pelo planeta. Desponta uma nova classe trabalhadora cuja composição e definição ainda estão longe de ser compreendidas.

2. O desemprego torna-se estrutural, deixando de ser acidental ou expressão de uma crise conjuntural, porque a forma contemporânea do capitalismo, ao contrário de sua forma clássica, não opera por inclusão de toda a sociedade no mercado de trabalho e de consumo, mas por exclusão, que se realiza não só pela introdução ilimitada de tecnologias de automação, mas também pela velocidade da rotatividade da mão de obra, que se torna desqualificada e obsoleta muito rapidamente em decorrência da velocidade das mudanças tecnológicas. Como consequência, tem-se a perda de poder dos sindicatos, das organizações e movimentos populares e o aumento da pobreza absoluta.

3. O deslocamento do poder de decisão do capital industrial para o capital financeiro, que se torna o coração e o centro nervoso do capitalismo, ampliando a desvalorização do trabalho produtivo e privilegiando a mais abstrata e fetichizada das mercadorias, o dinheiro, porém não como mercadoria equivalente para todas as mercadorias, mas como moeda ou expressão monetária da relação entre credores e devedores, provocando, assim, a passagem da economia ao monetarismo. Essa abstração transforma a economia no movimento fantasmagórico das bolsas de valores, dos bancos e financeiras – fantasmagórico porque não operam com a materialidade produtiva e sim com signos, sinais e imagens do movimento vertiginoso das moedas.

4. No Estado do Bem-Estar Social, a presença do fundo público sob a forma do salário indireto (os direitos econômicos e sociais) desatou o laço que prendia o capital à força de trabalho (ou ao salário direto). Esse laço era o que, tradicionalmente, forçava a inovação técnica pelo capital a ser uma reação ao aumento real de salário1 e, ao ser desatado, três consequências se impuseram: a) o impulso à inovação tecnológica tornou-se praticamente ilimitado, provocando expansão dos investimentos e agigantamento das forças produtivas cuja liquidez é impressionante, mas cujo lucro não é suficiente para concretizar todas as possibilidades tecnológicas, exigindo o financiamento estatal; b) o desemprego passou a ser estrutural não só pela introdução ilimitada de tecnologias de automação, mas também pela velocidade da rotatividade da mão de obra, que se torna desqualificada e obsoleta muito rapidamente em decorrência da velocidade das mudanças tecnológicas, ampliando a fragmentação da classe trabalhadora e diminuindo o poder de suas organizações; c) o aumento do setor de serviços também se torna estrutural, deixando de ser um suplemento à produção, visto que, agora, sob a designação de tecnociência, a ciência e a tecnologia tornaram-se forças produtivas, deixando de ser mero suporte do capital para se converter em agentes de sua acumulação; com isso, mudou o modo de inserção social do conhecimento científico e técnico, de maneira que cientistas e técnicos se tornaram agentes econômicos diretos. A força e o poder capitalistas encontram-se no monopólio dos conhecimentos e da informação.

5. A transnacionalização da economia reduz a importância da figura do Estado nacional como enclave territorial para o capital e dispensa as formas clássicas do imperialismo – colonialismo político-militar, geopolítica de áreas de influência etc. –, de sorte que o centro econômico, jurídico e político planetário encontra-se no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial, que operam com um único dogma: estabilidade monetária e corte do déficit público.

6. A distinção entre países de Primeiro e terceiro Mundo tende a ser acrescida com a existência, em cada país, de uma divisão entre bolsões de riqueza absoluta e de miséria absoluta, isto é, a polarização de classes surge como polarização entre a opulência absoluta e a indigência absoluta.

3. A mudança a caminho

Em política, há ações e acontecimentos com força para se tornar simbólicos. é assim que podemos contrapor dois momentos simbólicos que marcaram a política brasileira entre 1990 e 2002: o primeiro nos leva de volta ao “bolo de noiva”, que inaugurou a era Collor; o segundo, à pergunta singela feita pelo recém-eleito presidente da república aos âncoras do Jornal nacional da Rede Globo, na noite de 28 de outubro de 2002.
No final da campanha presidencial de 1989 e na fase de transição entre novembro de 1989 e janeiro de 1990, um fato novo marcou a política brasileira: em primeiro plano, tanto nos discursos como nos debates e na prática, veio a economista Zélia Cardoso de Melo com sua equipe técnica. As decisões fundamentais partiam desse grupo, que se reunia em Brasília num edifício apelidado “bolo de noiva” e de lá vieram medidas econômicas que definiram o governo de Fernando Collor, no qual o discurso político foi suplantado pelo técnico-econômico. Neste, surgia, imperial, uma nova figura: o mercado, cuja fantasmagoria só entraria em pleno funcionamento no período de 1994 a 2002, quando a população brasileira passou a ouvir curiosas expressões, tais como “os mercados estão nervosos”, “os mercados estão agitados”, “os mercados se acalmaram”, “os mercados não aprovaram”, como se “os mercados” fossem alguém!

Na noite de 28 de outubro de 2002, no final do Jornal nacional da Rede Globo de televisão, quando os âncoras falavam sobre as cotações das bolsas de valores, do dólar e do real, e sobre a agitação e calmaria dos “mercados”, o presidente da República eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, que estava sendo entrevistado, perguntou com um sorriso levemente irônico: “Vocês não têm outros assuntos? Cadê a fome, o desemprego, a miséria, a desigualdade social?”. Essa indagação singela, unida ao pronunciamento feito algumas horas antes, anunciando a criação da Secretaria de Emergência Social, cuja prioridade era o combate à fome, demarcou simbolicamente o novo campo da política no Brasil: os direitos civis, econômicos e sociais são prioritários e comandam as ações técnico-econômicas, pois a democracia é a única forma política em cujo núcleo está a ideia de direitos, tanto de sua criação pela sociedade, como de sua garantia e conservação pelo Estado.

O “bolo de noiva” simbolizou a entrada do país no modelo neoliberal. O pronunciamento e a pergunta do novo presidente da república simbolizaram a decisão de sair desse modelo.

Entre esses dois momentos, intercalam-se os governos de Fernando Henrique Cardoso, que tornaram esse modelo hegemônico ao realizar a chamada reforma e modernização do Estado, isto é, a adoção do neoliberalismo como princípio definidor da ação estatal (privatização dos direitos sociais, convertidos em serviços vendidos e comprados no mercado, privatização das empresas públicas, direcionamento do fundo público para o capital financeiro etc.). Para legitimar essa decisão política, foram mobilizadas as duas grandes ideologias contemporâneas: a da competência e a da racionalidade do mercado.

A ideologia da competência afirma que aqueles que possuem determinados conhecimentos têm o direito natural de mandar e comandar os que supostamente são ignorantes, de tal maneira que a divisão social das classes aparece como divisão entre dirigentes competentes e executantes que apenas cumprem ordens. Essa ideologia, dando enorme destaque à figura do “técnico competente”, tem a peculiaridade de esquecer a essência mesma da democracia, qual seja, a ideia de que os cidadãos têm direito a todas as informações que lhes permitam tomar decisões políticas porque são todos politicamente competentes para opinar e deliberar, e que somente após a tomada de decisão política há de se recorrer aos técnicos, cuja função não é deliberar nem decidir, mas implementar da melhor maneira as decisões políticas tomadas pelos cidadãos e por seus representantes.

Por sua vez, a ideologia neoliberal afirma que o espaço público deve ser encolhido ao mínimo enquanto o espaço privado dos interesses de mercado deve ser alargado, pois considera o mercado portador de racionalidade para o funcionamento da sociedade. Ela se consolidou no Brasil com o discurso da modernização, no qual modernidade significava apenas três coisas: enxugar o Estado (entenda-se: redução dos gastos públicos com os direitos sociais), importar tecnologias de ponta e gerir os interesses da finança nacional e internacional.

Essa ideologia propagou-se pela vida cotidiana brasileira, bastando observar o que acontecia nos noticiários dos meios de comunicação. As cotações das bolsas de valores do mundo inteiro, assim como as das moedas, o comportamento do FMI, do Banco Mundial e dos bancos privados passaram para as primeiras páginas dos jornais, para o momento “nobre” dos noticiários de rádio e televisão, alguns canais chegando mesmo a manter na tela faixas com a variação das cotações das bolsas de valores e das moedas minuto por minuto. A subida ou descida do valor do dólar, do euro e do real, o “risco Brasil”, as falas dos dirigentes do FMI, do Banco Central norte-americano, dos economistas ingleses, franceses e alemães passaram a ocupar o lugar de honra e, nos noticiários matinais, a exibição cotidiana da abertura do pregão da bolsa de valores em Wall Street assumiu a aparência de uma oração ou de uma missa, rivalizando com o que, no mesmo horário, se passava nas rádios e canais de televisão propriamente religiosos.

Ora, o neoliberalismo não é, de maneira nenhuma, a crença na racionalidade do mercado e o enxugamento do Estado, e sim a decisão de cortar o fundo público no polo de financiamento dos bens e serviços públicos (isto é, dos direitos sociais) e maximizar o uso da riqueza pública nos investimentos exigidos pelo capital. A compreensão dessa verdade veio expressar-se na decisão dos eleitores de fazer valer a reivindicação por uma nova forma de gestão do fundo público, na qual a bússola é a defesa dos direitos sociais.

4. Uma nova classe trabalhadora brasileira

Estudos, pesquisas e análises mostram que houve uma mudança profunda na composição da sociedade brasileira, graças aos programas governamentais de transferência da renda, inclusão social e erradicação da pobreza, à política econômica de garantia do emprego e elevação do salário mínimo, à recuperação de parte dos direitos sociais das classes populares (sobretudo alimentação, saúde, educação e moradia), à articulação entre esses programas e o princípio do desenvolvimento sustentável e aos primeiros passos de uma reforma agrária que permita às populações do campo não recorrer à migração forçada em direção aos centros urbanos.

De modo geral, utilizando a classificação dos institutos de pesquisa de mercado e da sociologia, costuma-se organizar a sociedade numa pirâmide seccionada em classes designadas como A, B, C, D e E, tomando como critério a renda, a propriedade de bens imóveis e móveis, a escolaridade e a ocupação ou profissão. Por esse critério, chegou-se à conclusão de que, entre 2003 e 2011, as classes D e E diminuíram consideravelmente, passando de 96,2 milhões de pessoas a 63,5 milhões; já no topo da pirâmide houve crescimento das classes A e B, que passaram de 13,3 milhões de pessoas a 22,5 milhões. A expansão verdadeiramente espetacular, contudo, ocorreu na classe C, que passou de 65,8 milhões de pessoas a 105,4 milhões. Essa expansão tem levado à afirmação de que cresceu a classe média brasileira, ou melhor, de que teria surgido uma nova classe média no país.

Sabemos, entretanto, que há outra maneira de analisar a divisão social das classes, tomando como critério a forma da propriedade. No modo de produção capitalista, a classe dominante é proprietária privada dos meios sociais de produção (capital produtivo e capital financeiro); a classe trabalhadora, excluída desses meios de produção e neles incluída como força produtiva, é proprietária da força de trabalho, vendida e comprada sob a forma de salário. Marx falava em pequena burguesia para indicar uma classe social que não se situava nos dois polos da divisão social constituinte do modo de produção capitalista. A escolha dessa designação decorria de dois motivos principais em primeiro lugar, para afastar-se da noção inglesa de middle class, que indicava exatamente a burguesia, situada entre a nobreza e a massa trabalhadora; em segundo, para indicar, por um lado, sua proximidade social e ideológica com a burguesia, e não com os trabalhadores, e, por outro, indicar que, embora não fosse proprietária privada dos meios sociais de produção, poderia ser proprietária privada de bens móveis e imóveis. Numa palavra, encontrava-se fora do núcleo central do capitalismo: não era detentora do capital e dos meios sociais de produção e não era a força de trabalho que produz capital; situava-se nas chamadas profissões liberais, na burocracia estatal (ou nos serviços públicos) e empresarial (ou na administração e gerência), na pequena propriedade fundiária e no pequeno comércio.

É a sociologia, sobretudo a de inspiração estadunidense, que introduz a noção de classe média para designar esse setor socioeconômico, empregando, como dissemos acima, os critérios de renda, escolaridade, profissão e consumo, a pirâmide das classes A, B, C, D e E, e a célebre ideia de mobilidade social para descrever a passagem de um indivíduo de uma classe para outra.

Se abandonarmos a descrição sociológica, se ficarmos com a constituição das classes sociais no modo de produção capitalista (ainda que adotemos a expressão “classe média”), se considerarmos as pesquisas que mencionamos ao iniciar este texto e os números que elas apresentam relativos à diminuição e ao aumento do contingente nas três classes sociais, poderemos chegar a algumas conclusões:

1. Os projetos e programas de transferência de renda e garantia de direitos sociais (educação, saúde, moradia, alimentação) e econômicos (aumento do salário mínimo, políticas de garantia do emprego, salário-desemprego, reforma agrária, cooperativas da economia solidária etc.) indicam que o que cresceu no Brasil foi a classe trabalhadora, cuja composição é complexa, heterogênea e não se limita aos operários industriais e agrícolas.

2. O critério dos serviços como definidor da classe média não se mantém na forma atual do capitalismo porque a ciência e as técnicas (a chamada tecnociência) se tornaram forças produtivas e os serviços por elas realizados ou delas dependentes estão diretamente articulados à acumulação e reprodução do capital. Em outras palavras, o crescimento de assalariados no setor de serviços não é crescimento da classe média, e sim de uma nova classe trabalhadora heterogênea, definida pelas diferenças de escolaridade e pelas habilidades e competências determinadas pela tecnociência. De fato, no capitalismo industrial, as ciências, ainda que algumas delas fossem financiadas pelo capital, se realizavam, em sua maioria, em pesquisas autônomas cujos resultados poderiam levar a tecnologias aplicadas pelo capital na produção econômica. Essa situação significava que cientistas e técnicos pertenciam à classe média. Hoje, porém, as ciências e as técnicas tornaram-se parte essencial das forças produtivas e por isso cientistas e técnicos passaram da classe média à classe trabalhadora como produtores de bens e serviços articulados à relação entre capital e tecnociência. Dessa maneira, renda, propriedade e escolaridade não são critérios para distinguir entre os membros da classe trabalhadora e os da classe média.

3. O critério da profissão liberal também se tornou problemático para definir a classe média, uma vez que a nova forma do capital levou à formação de empresas de saúde, advocacia, educação, comunicação, alimentação etc., de maneira que seus componentes se dividem entre proprietários privados e assalariados, e estes devem ser colocados (mesmo que vociferem contra isso) na classe trabalhadora.

4. A figura da pequena propriedade familiar também não é critério para definir a classe média porque a economia neoliberal, ao desmontar o modelo fordista, fragmentar e terceirizar o trabalho produtivo em milhares de microempresas (grande parte delas, familiares) dependentes do capital transnacional, transformou esses pequenos empresários em força produtiva que, juntamente com os prestadores individuais de serviços (seja na condição de trabalhadores precários, seja na condição de trabalhadores informais), é dirigida e dominada pelos oligopólios multinacionais, em suma, os transformou numa parte da nova classe trabalhadora mundial.

Restaram, portanto, as burocracias estatal e empresarial, o serviço público, a pequena propriedade fundiária e o pequeno comércio não filiado às grandes redes de oligopólios transnacionais como espaços para alocar a classe média. No Brasil, esta se beneficiou com as políticas econômicas dos últimos dez anos, também cresceu e prosperou.

Assim, se retornarmos ao exemplo do viajante brasileiro na Europa dos anos 1950 e 1960, diremos que a nova classe trabalhadora brasileira começa, finalmente, a ter acesso aos direitos sociais e a se tornar participante ativa do consumo de massa. Como a tradição autoritária da sociedade brasileira não pode admitir a existência de uma classe trabalhadora que não seja constituída pelos miseráveis deserdados da terra, os pobres desnutridos, analfabetos e incompetentes, imediatamente passou-se a afirmar que surgiu uma nova classe média, pois isso é menos perigoso para a ordem estabelecida do que uma classe trabalhadora protagonista social e política.

Ao mesmo tempo, entretanto, quando dizemos que se trata de uma nova classe trabalhadora consideramos que a novidade não se encontra apenas nos efeitos das políticas sociais e econômicas, mas também nos dois elementos trazidos pelo neoliberalismo, quais sejam, de um lado, a fragmentação, terceirização e precarização do trabalho e, de outro, a incorporação à classe trabalhadora de segmentos sociais que, nas formas anteriores do capitalismo, teriam pertencido à classe média. Dessa nova classe trabalhadora pouco se sabe até o momento.

5. Classe média: como desatar o nó?

Uma classe social não é um dado fixo, definido apenas pelas determinações econômicas, mas um sujeito social, político, moral e cultural que age, se constitui, interpreta a si mesmo e se transforma por meio da luta de classes. Ela é uma práxis, ou como escreveu E. P. Thompson, um fazer-se histórico. Ora, se é nisso que reside a possibilidade transformadora da classe trabalhadora, é nisso também que reside a possibilidade de ocultamento de seu ser e o risco de sua absorção ideológica pela classe dominante, sendo

O primeiro sinal desse risco justamente a difusão de que há uma nova classe média no Brasil. E é também por isso que a classe média coloca uma questão política de enorme relevância.

Estando fora do núcleo econômico definidor do capitalismo, a classe média encontra-se também fora do núcleo do poder político: ela não detém o poder do Estado nem o poder social da classe trabalhadora organizada. Isso a coloca numa posição que a define menos por sua posição econômica e muito mais por seu lugar ideológico, e este tende a ser contraditório.

Por sua posição no sistema social, a classe média tende a ser fragmentada, raramente encontrando um interesse comum que a unifique. Todavia, certos setores, como é o caso dos estudantes, dos funcionários públicos, dos intelectuais e de lideranças religiosas, tendem a se organizar e a se opor à classe dominante em nome da justiça social, colocando-se na defesa dos interesses e direitos dos excluídos, dos espoliados, dos oprimidos; numa palavra, tendem para a esquerda e, via de regra, para a extrema esquerda e o voluntarismo. No entanto, essa configuração é contrabalançada por outra exatamente oposta. Fragmentada, perpassada pelo individualismo competitivo, desprovida de um referencial social e econômico sólido e claro, a classe média tende a alimentar o imaginário da ordem e da segurança porque, em decorrência de sua fragmentação e de sua instabilidade, seu imaginário é povoado por um sonho e por um pesadelo: seu sonho é tornar-se parte da classe dominante; seu pesadelo é tornar-se proletária. Para que o sonho se realize e o pesadelo não se concretize, é preciso ordem e segurança. Isso torna a classe média ideologicamente conservadora e reacionária, e seu papel social e político é o de assegurar a hegemonia ideológica da classe dominante, fazendo com que essa ideologia, por intermédio da escola, da religião, dos meios de comunicação, se naturalize e se espalhe pelo todo da sociedade. é sob essa perspectiva que se pode dizer que a classe média é a formadora da opinião social e política conservadora e reacionária.

Cabe ainda particularizar a classe média brasileira, que, além dos traços anteriores, é também determinada pela estrutura autoritária da sociedade brasileira. De fato, conservando as marcas da sociedade colonial escravista, a sociedade brasileira é marcada pelo predomínio do espaço privado sobre o público e, tendo o centro na hierarquia familiar, é fortemente hierarquizada em todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece. As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que reforçam a relação mando-obediência, e as desigualdades são naturalizadas. As relações entre os que se julgam iguais são de “parentesco”, isto é, de cumplicidade; e, entre aqueles que são vistos como desiguais, o relacionamento toma a forma do favor, da clientela, da tutela ou da cooptação, e, quando a desigualdade é muito marcada, assume a forma da opressão. A divisão social das classes é sobredeterminada pela polarização entre a carência (das classes populares) e o privilégio (da classe dominante), que é acentuada e reforçada pela adoção da economia neoliberal. Visto que uma carência é sempre particular, ela se distingue do interesse, que pode ser comum, e do direito, que é sempre universal. Visto que o privilégio é sempre particular, não pode unificar-se num interesse comum e jamais pode transformar-se num direito, pois, nesse caso, deixaria de ser privilégio. Compreende-se, portanto, a dificuldade para instituir no Brasil a democracia, que se define pela criação de novos direitos pela sociedade e sua garantia pelo Estado.

Parte constitutiva da sociedade brasileira, a classe média não só incorpora e propaga ideologicamente as formas autoritárias das relações sociais, como também incorpora e propaga a naturalização e valorização positiva da fragmentação e dispersão socioeconômica, trazidas pela economia neoliberal e defendidas ideologicamente pelo estímulo ao individualismo competitivo agressivo e ao sucesso a qualquer preço pela astúcia para operar com os procedimentos do mercado.

Ora, por mais que, no Brasil, as políticas econômicas e sociais tenham avançado em direção à democracia, as condições impostas pela economia neoliberal determinaram, como vimos, a difusão por toda a sociedade da ideologia da competência e da racionalidade do mercado como competição e promessa de sucesso. Uma vez que a nova classe trabalhadora brasileira se constituiu no interior desse momento do capitalismo, marcado pela fragmentação e dispersão do trabalho produtivo, de terceirização, precariedade e informalidade do trabalho, percebido como prestação de serviço de indivíduos independentes que se relacionam com outros indivíduos independentes na esfera do mercado de bens e serviços, ela se torna propensa a aderir ao individualismo competitivo e agressivo difundido pela classe média. Em outras palavras, o ser do social permanece oculto e por isso ela tende a aderir ao modo de aparecer do social como conjunto heterogêneo de indivíduos e interesses particulares em competição. E ela própria tende a acreditar que faz parte de uma nova classe média brasileira.

Essa crença é reforçada por sua entrada no consumo de massa.

De fato, do ponto de vista simbólico, a classe média substitui a falta de poder econômico e de poder político, que a definem, seja pela guinada ao voluntarismo de esquerda, seja voltando-se para a direita pela busca do prestígio e dos signos de prestígio, como os diplomas e os títulos vindos das profissões liberais, e pelo consumo de serviços e objetos indicadores de autoridade, riqueza, abundância, ascensão social – a casa no “bairro nobre” com quatro suítes, o carro importado, a roupa de marca etc. Em outras palavras, o consumo lhe aparece como ascensão social em direção à classe dominante e como distância intransponível entre ela e a classe trabalhadora. Esta, por sua vez, ao ter acesso ao consumo de massa tende a tomar esse imaginário por realidade e a aderir a ele.

Se, pelas condições atuais de sua formação, a nova classe trabalhadora brasileira está cercada por todos os lados pelos valores e símbolos neoliberais difundidos pela classe média, como desatar esse nó?

6. Para finalizar

Se a política democrática corresponde a uma sociedade democrática e se no Brasil a sociedade é autoritária, hierárquica, vertical, oligárquica, polarizada entre a carência e o privilégio, só será possível dar continuidade a uma política democrática enfrentando essa estrutura social. A ideia de inclusão social não é suficiente para derrubar essa polarização. Esta só pode ser enfrentada se o privilégio for enfrentado e este só será enfrentado por meio de quatro grandes ações políticas:
uma reforma tributária que opere sobre a vergonhosa concentração da renda e faça o Estado passar da política de transferência de renda para a da distribuição e redistribuição da renda;
uma reforma política, que dê uma dimensão republicana às instituições públicas;
uma reforma social, que consolide o Estado do bem-estar social como política do Estado e não apenas como programa de governo;
e uma política de cidadania cultural capaz de desmontar o imaginário autoritário, quebrando o monopólio da classe dominante sobre a esfera dos bens simbólicos e sua difusão e conservação por meio da classe média.
Mas a ação do Estado só pode ir até esse ponto. A continuidade da construção de uma sociedade democrática só pode ser a práxis da classe trabalhadora e por isso é fundamental que ela própria, como já o fez tantas outras vezes na história e tão claramente no Brasil, nos anos 1980 e 1990, encontre, em meio às adversidades impostas pelo modo de produção capitalista, caminhos novos de organização, crie suas formas de luta e de expressão autônoma, seja o sujeito de seu fazer.

Bombeiros na Câmara de Vereadores de Vacaria RS

Boa tarde

Integrantes do Corpo de Bombeiros de Vacaria estiveram na Câmara hoje em busca de apoio. Apenas 14 bombeiros trabalham no quartel de Vacaria. O número é baixo e deixa a população em risco, segundo Edson Bittencourt, Comandante do Corpo de Bombeiros. Saiba mais: http://www.camaravacaria.rs.gov.br/vnoticias.php?noticia=924

Giana Pontalti
Assessora de Comunicação

Agência Pública


Jovens Negros na Mira de Grupos de Extermínio


----- Original Message -----
Sent: Thursday, July 11, 2013 4:08 PM

JOVENS NEGROS NA MIRA DE GRUPOS DE EXTERMÍNIO NA BAHIA

A lápide sem nome de Luciano, 21 anos. Foto: Lena Azevedo
Mais de 90% dos alvos de esquadrões da morte na Bahia são afrodescendentes; delegado nomeado para investigar o assunto é acusado de participar de tortura e assassinato

Por Lena Azevedo

Gleidson e Luciano. Dois meninos negros que cresceram juntos em Jaguaribe, na grande área de Cajazeiras, que com mais de 700 mil habitantes de baixa renda é quase outra cidade dentro de Salvador, capital da Bahia.
Gleidson, 20 anos, queria ser torneiro mecânico, já tinha feito um curso técnico e pretendia fazer outro. Vendia TV a cabo para ganhar a vida. A ambição era ter um bom emprego para sustentar a família que um dia iria formar, conta a tia. Luciano, 21 anos, também descrito por parentes como trabalhador e disciplinado, era Ogan de Oxossi (uma espécie de sacerdote no candomblé) no terreiro conduzido pelo pai de Gleidson, ali o babalorixá.
Há dois meses, no dia 13 de maio, ironicamente a data em que se celebra oficialmente o fim da escravidão, os dois amigos e vizinhos foram sequestrados em uma rua perto de suas casa por homens encapuzados que saíram de dois carros, um preto e um prata, e jogados no porta-malas. Por volta de 22h30, moradores vizinho à Estrada Velha do Aeroporto, alguns quilômetros adiante, ouviram tiros nas cercanias de um lugar de desova utilizado por grupos de extermínio. Foram sete disparos em cada um dos garotos, que se somaram às estatísticas de cerca de 20 jovens assassinados por final de semana em Salvador - e pouco mais de uma linha na notícia de jornal.
Os corpos de Luciano e Gleidson foram levados ao IML no início da madrugada do dia 14 de maio, terça-feira, e de manhã os familiares começaram a chegar. Há muita dor e revolta com a previsível impunidade dos assassinos. Não sem motivo, como se veria depois: os laudos cadavéricos, por exemplo, demoraram quatro meses para sair.
Ninguém quer conversar com estranhos, o medo e a desconfiança imperam nas famílias das vítimas. O marido da tia de Luciano foi sintético: “Não sei como foi. Só sei que eu perdi meu sobrinho, perdi alguém que amava muito”. A mãe, disse apenas que Luciano trabalhava e era um “menino de bem”.
Faltava documentação para consumar o reconhecimento dos dois e os legistas do IML trabalham só até às 16 horas. Um princípio de incêndio encerrou o expediente mais cedo e as famílias partem sem os corpos dos meninos.

O IML Nina Rodrigues tem esse nome em homenagem a um médico adepto da teoria lombrosiana, tristemente célebre na América Latina pela famigerada afirmação de que o cérebro do negro é inferior ao do branco. Nina Rodrigues também defendeu a esterilização para aperfeiçoamento da espécie humana como método de prevenção do crime.
Só na tarde de quarta-feira o corpo de Gleidson foi para o Bosque da Paz, o cemitério perto de seu bairro. Luciano só foi sepultado na quinta-feira, porque não tinha vaga no Cemitério Municipal de Brotas. Ele devia ser enterrado às 11h30, mas uma greve de ônibus deixou o trânsito mais caótico do que o habitual e o corpo chegou quase às 13 horas.
O velório no Cemitério de Brotas não dura mais de meia hora. Todo dia tem muitos enterros e a capela é minúscula. A chuva intermitente contribuía para o clima tenso, agravado pela espera. Uma criança foi velada antes e a família se abrigou debaixo da única árvore do cemitério, praticamente um matagal abandonado.
Do lado de fora, policiais com fuzis param motos e carros para uma blitz. Um grupo que fumava crack nos fundos do cemitério decidiu sair dali, assim como  uma senhorinha à procura de um bico para garantir o alimento do dia.
Os primos de Luciano, os amigos, os irmãos de terreiro transpiram revolta no olhar e nos punhos fechados. O silêncio é uma maneira de proteger a dignidade das vítimas, ameaçada pela acusação que pesa contra os que são assassinados pela polícia. Alguma ele fez, sussurram os vizinhos.
Luciano era filho de santo e pelas leis do candomblé tem que voltar para o chão, devolver a terra emprestada por Oxalá para dar vida e forma ao homem. Não pode ser enterrado em carneiro (cemitério vertical, com gavetas). Os cantos em yorubá do ritual de despedida, reservado apenas aos irmãos do candomblé, são ouvidos do lado de fora da minúscula capela.
No cortejo até a cova, a irmã mais nova do rapaz e a mãe não contêm o desespero. Algumas flores e uma coroa feita com papel e plástico, com uma oração católica, adornam tristemente o caixão que desce à terra novamente acompanhado pelos cantos aos orixás, especialmente a Oxossi, o guardião do jovem, para que apesar da morte bruta sua alma encontre um caminho de paz.
A história do menino Luciano acabou em um epitáfio sem nome, identificado apenas como o C 48 QE do Cemitério de Brotas.
Mais de 90% das vítimas são afrodescendentes
Entre 2009 a 2012, 6.483 pessoas foram assassinadas em Salvador – a maior parte das vítimas na faixa  dos 19 aos 24 anos. Outra pesquisa, essa realizada pelo Fórum Comunitário de Combate à Violência (FCCV) apontou que entre 1998 e 2004, das 6.308 pessoas assassinadas em Salvador, 5.852 eram negras ou pardas. Um índice de 92,7% frente aos 85% de afrodescendentes que à época formavam a população da capital da Bahia.
A polícia não sabe quantificar o percentual praticado por grupos de extermínio, mas estudos realizados por organizações da sociedade civil e pesquisadores da Universidade Federal da Bahia entre 1996 e 1999 (“A Outra Face da Moeda”, 2000, CJP), quando 3.369 pessoas foram mortas em Salvador, os crimes cometidos por grupos de extermínio representavam 10,8% - e 46% dos acusados identificados eram policiais.
A existência de crimes com características de extermínio em Salvador foi admitida publicamente pelas autoridades baianas durante a greve da Polícia Militar no Estado, de 31 de janeiro a 11 de fevereiro de 2012. À época, o delegado Arthur Gallas, diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), declarou que  45 homicídios, dos 187 ocorridos nesses 12 dias, tinham características de extermínio: as vítimas, a maioria delas moradores de rua, “foram algemadas ou amarradas, e atingidas na cabeça por assassinos encapuzados, que chegaram ao local em carros com placas clonadas e armados com munição de grosso calibre”.
Apenas sete assassinatos e duas tentativas de homicídio, porém, esses cometidos em duas chacinas que mataram 32 pessoas na noite de 3 de fevereiro, a mais violenta da greve, foram encaminhados para o Ministério Público. Os suspeitos dessas duas chacinas, os militares Donato Ribeiro Lima, Willen Carvalho Bahia, Samuel Oliveira Menezes, e Jair Alexandre dos Santos chegaram a ser presos, mas retornaram às ruas meses depois por determinação judicial sob condição de não se aproximar de parentes das vítimas e com a obrigação de comparecer trimestralmente em juízo, conforme resolução n
º 0533/2012, publicada no Diário Oficial de 4 de outubro de 2012 
..\Documentos\DO_processo_PMs.pdf.
A polícia também tem aumentado o número de homicídios cometidos em serviço. Dados da Corregedoria Geral da Secretaria de Segurança Pública mostram que, entre 2011 e 2012, as mortes ocorridas nos chamados autos de resistência passaram de 97 para 151, 124 provocadas por PMs, outras 27 por policiais civis, e 22 em ações conjuntas das duas polícias.
E essa violência tem endereço, como constata o Mapa da Violência de 2012: para cada branco assassinado 15 negros são executados na capital. Na região metropolitana de Salvador, a cidade de Simões Filho foi classificada pelo mesmo estudo como a que mais mata negros jovens (400 por 100 mil habitantes) no país. Na capital, os locais mais vulneráveis para negros jovens são os que compõem o Subúrbio Ferroviário (com 22 bairros e 600 mil habitantes) e do Miolo de Salvador (cerca de 800 mil habitantes, distribuídos em 41 bairros populares, localizados entre a BR 324, Avenida Paralela, fazendo divisas com as cidades de Simões Filho e Lauro de Freitas).
Nessas mesmas regiões ficam os bairros com maior índice de atuação dos grupos de extermínio na capital baiana, segundo diversos relatórios, dentre eles  o da CPI do Extermínio do Nordeste (2003 a 2005): Boiadeiro, Lobato, Plataforma, Paripe, Periperi, Coutos (Subúrbio Ferroviário), Bairro da Paz, Itapuã, São Caetano, Pirajá, Cajazeiras XI, Patamares, Vila Canária, Sete de Abril, Liberdade, Engenho Velho da Federação, Vale das Pedrinhas, Valéria, Palestina e Nordeste de Amaralina, além de Simões Filho.
O tempo passa, mas o modo de agir desses grupos permanece inalterado. Homens com capuzes (chamado de brucutu) sequestram jovens durante a noite e a madrugada, usando carros com placas frias. As vítimas são eliminadas e os corpos deixados em pontos de desova próximos ao local do sequestro. 

Acusado de participar de extermínios, delegado chefia investigações
A partir das informações trazidas pelo Mapa da Violência, o governo Jaques Wagner montou duas frentes de trabalho no município de Simões Filho para investigar homicídios e também os locais de encontro de cadáveres. O coordenador de ambas as frentes, porém, é o delegado titular do município, Adan Filho, apontado pela CPI de Extermínio do Nordeste (2005) como integrante de um desses grupos. Segundo os parlamentares, 30 crimes desse tipo são atribuídos ao delegado, entre eles tortura e homicídios (veja box).
As estatíticas apresentadas por Adan Filho são contraditórias. Segundo ele, no ano passado, 77 das 184 vítimas de assassinatos em Simões Filho (a estatística oficial da Secretaria de Segurança Pública contabiliza 151 no mesmo período no município), foram encontradas em um antigo local de desova muito utilizado por esquadrões, “na região de um centro industrial com entorno de mata atlântica bem densa, em local pouco habitado”. O delegado afirma ainda que 50 corpos eram provenientes de bairros da periferia de Salvador, na divisa com o município. Ou seja, 41,8% das vítimas localizadas nessa área de desova foram executadas por esses grupos, que incluem integrantes das policias militar e civil, agentes de  segurança privada e comerciantes da periferia de Salvador região metropolitana.
Uma cifra impressionante, mas que pode ser ainda maior de acordo com outras informações apresentadas pelo mesmo delegado. Segundo ele, até outubro do ano passado quatro corpos por semana eram desovados nesse local. Sendo assim, ao final de 12 meses, 192 pessoas teriam sido mortas por esses grupos, e não apenas as 77 contabilizadas, oito além superior do número total de homicídios anunciados por ele (184).
Ele também diz que, com a instalação de câmeras de videomonitoramento e a realização de blitzes a partir de outubro de 2012, o quantitativo de cadáveres encontrados no local baixou pela metade. “Evidentemente, outros municípios próximos tiveram um acréscimo, porque os grupos começaram a desovar em Itinga (bairro de Lauro de Freitas), Mata de São João e Camaçari”, completa.
Isso significaria que os grupos de extermínio majoritariamente instalados no Subúrbio Ferroviário, em vez dos 12 km até Simões Filho, estariam percorrendo distâncias de 24 km (Lauro de Freitas) a 45 quilômetros (para desovar em Camaçari) sem interceptação policial.

80% dos crimes em Salvador não são investigados de acordo com MP
O Ministério Público Estadual acusa a polícia de não investigar 80% dos homicídios em Salvador e região metropolitana. Dos 1.659 assassinatos registrados em 2012, 1.340 não tiveram sequer inquérito instaurado, estima o coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e de Investigações Criminais (Gaeco) do Ministério Público da Bahia, promotor Ariomar Figueiredo.
"E estou sendo muito generoso quando falo que, do total de homicídios no ano, só 20% de inquéritos chegam ao MP. O percentual na prática está bem abaixo disso", afirma Figueiredo. Embora o número de execuções seja alto, não mais de dois grupos de extermínio são indiciados por ano, segundo ele,  porque falta inquérito para formalização da denúncia.
Dos casos que viraram denúncias efetivas ao Judiciário, a maioria não tinha perícia técnica e muitos foram devolvidos para novas investigações ou arquivados por inconsistência. "A polícia diz que faz perícia em todos os casos, mas essa documentação nunca vem anexada", diz Figueiredo.
O promotor explica ainda que o laudo cadavérico, importante para o oferecimento da denúncia, demora muito tempo para ser emitido pelo IML - entre três a quatro meses, como no caso de Gleidson e Luciano. "Seria importante termos o laudo em mãos em 48 horas no máximo, mas ele não sai porque os delegados insistem em pedir exames de alcoolemia e toxologia da vítima. Não estou dizendo que eles são desnecessários. Entendemos que são exames orbitais. O principal para nós é saber a quantidade de tiros, o tipo de arma, ter o croqui do corpo com entrada e saída dos projeteis, o resultado da perícia, as fotografias".
Mesmo quando chegam ao júri, casos que envolvem policiais têm resultados insuficientes, diz o promotor: “Há hoje uma legislação mais rigorosa se constatado que o crime foi cometido por um grupo de extermínio, mas na hora da efetivação dessas punições há um abrandamento. Crime de policial militar, por exemplo, a gente faz uma hora e meia ou mais de sustentação oral no júri, mostrando que o cidadão responde a mais três ou quatro crimes, comprovando que as testemunhas são ameaçadas, mas os próprios jurados ficam atemorizados. Resultado: os camaradas saem sem condenação, muitas vezes reintegrados à corporação”, relata o promotor.
Segundo ele esses esquadrões da morte normalmente agem nos bairros mais pobres de Salvador, que têm população majoritariamente negra. “Esses grupos surgiram como uma ação de ‘assepsia’, como justiceiros, para eliminar da área aqueles que representassem uma ameaça ao negócio local, normalmente na periferia. Agem com uma lógica própria. Bandido para essas pessoas é quem eles acham que é. O perfil das vítimas é invariavelmente jovem e negro, com passagem ou não pela polícia. A lentidão da Justiça, a sensação de impunidade e uma certa chancela da sociedade colaboram para o aumento de homicídios”, detalha a promotora Ana Rita Cerqueira Nascimento, integrante do Conselho Nacional do Ministério Público e responsável por denúncias que levaram à condenação por homicídios diversos cinco policiais militares e um civil que integravam um grupo de extermínio em Santo Antonio, a 150 Km de Salvador.
Ela acrescenta que nos últimos anos os promotores notaram uma mudança no perfil dessas organizações. “Hoje, vemos esses grupos com uma dinâmica de milícia, associados ao tráfico”, diz, confirmando a percepção de Figueiredo:“O extermínio é muito fluído. Temos casos de pessoas que eram ligadas ao crime e denunciaram policiais civis que iniciaram como ‘parceiros’ do tráfico e, de olho no rendimento, mataram o traficante e posteriormente começaram a eliminar os próprios colegas”, conta. “Por isso, não faço muita separação se é grupo de extermínio formado por policial civil, por militar, segurança particular, se é X-9, ou traficante, o fato é que resulta sempre na mesma coisa: a morte de um ser humano”, conclui o promotor.

BOX: Delegado nomeado para investigar matadores é acusado de tortura e homicídios

O delegado Adailton Adan, indicado no final de 2012 pelo governo para coordenar duas frentes de trabalho que investigam pontos de desova utilizados por grupos de extermínio e a dinâmica dos homicídios em Simões Filho (cidade da região metropolitana), foi apontado pela CPI de Extermínio do Nordeste (2005)  como integrante de um desses grupos. Ao todo, os parlamentares informaram a existência de 30 crimes atribuídos o delegado, entre eles tortura e homicídios.
No Tribunal de Justiça da Bahia, existem vários processos em que Adan figura como réu em ações penais em cidades no interior da Bahia e na Capital. São três ações em Feira de Santana (duas em varas criminais e outra na Fazenda Pública, movida pelo Ministério Público Estadual); uma em Itaberaba, em que o delegado e mais dez acusados, entre eles policiais civis e militares, respondem a processo de tortura contra 19 pessoas.
Em Juazeiro, Adan responde por quatro ações penais e em Salvador, mais duas em varas criminais, sendo uma delas também por tortura. A denúncia contra Adan e mais nove (não especifica se são policiais civis), neste caso foi feita pelo Ministério Público Estadual sob acusação de tortura cometida na cidade de Candeias, Região Metropolitana de Salvador.
Adailton Adan recorreu ao Superior Tribunal de Justiça para anular a condenação de um dos processos de Feira de Santana. Seu advogado, Pedro Ferreira Batista, requereu a nulidade da ação penal "por estar embasada em procedimeto investigatório presidido pelo Ministério Público" e defendeu a prescrição da pena.  O delegado foi condenado, em 3 de abril de 2003,  a seis meses de detenção e suspensão da função policial por 60 dias, com perdas de vencimento e vantagens correspondentes ao período pela prática de lesão corporal e abuso de poder. Em 2006, Adan ingressou com um habeas corpus no STJ, caso que foi analisado somente em 11 de fevereiro de 2008, pela ministra Laurita Vaz. A ministra votou, neste caso em que é acusado de prática de tortura, pela extinção da pena em função da prescrição (o prazo prescricional é de dois anos e até 2006 ele não havia cumprido a sentença). Leia o documento do voto da ministra Laurita Vaz aqui.
 
 
CRUELDADE E IMPUNIDADE MARCAM CRIMES DE POLICIAIS
A mãe e a avó de Emerson, arrancado de casa por policiais, ficaram sob a mira das armas. Foto: Lena Azevedo
Perseguidos pelos matadores, famílias sofrem com falta de apoio do Estado e com desleixo nas investigações; casos já foram encaminhados para ONU e OEA
A Salvador que atrai milhares de brasileiros e estrangeiros para o Carnaval com seus ritmos afro vive um apartheid violento nas ruas, como se a imensa maioria negra não tivesse direito a ela. Enquanto o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do bairro mais rico da capital, Itaigara, com 17 mil habitantes, é semelhante ao da Noruega (IDH 0,971), os 45 mil moradores de Periperi (IDH 0,668), localizado no Subúrbio Ferroviário, uma região densamente povoada por pobres e negros que concentra mais de 50% dos homicídios da capital baiana é o pior do que o do Gabão.
É esse caldo de cultura que favorece o descaso das autoridades baianas na investigação e no apoio aos familiares das vítimas de matadores – praticado por policiais militares e civis, seguranças particulares e outros integrantes de milícias quase sempre por preconceito ou vingança. O relato de alguns dos principais casos documentados por familiares e movimentos sociais é mais contundente que qualquer explicação. Leia abaixo:
1996- Um menino estava em frente a um supermercado na região da Paralela e sem querer pisou no pé de um policial, um típico matador. Foi perseguido e assassinado a tiros. O mesmo policial esperou que o irmão do garoto assassinado completasse 18 anos e o executou, “para evitar que ele pensasse em se vingar”. O caso é um dos 20 pesquisados pela socióloga Vilma Reis no trabalho de graduação “Operação Beiru: falam as mães que tombaram”. Vilma conta que no dia da entrevista com essa mãe a casa começou a ser rondada. “Uma coisa é a vítima te dizer que está sendo seguida, outra é você constatar. Naquela hora eu pensei: coloquei aquela mulher em risco. Saí muito angustiada. Não aguentei e voltei. E ela me disse: “Todos os dias eu vivo isso. É o mesmo policial que matou meus dois filhos’. Ou seja, o assassino desenvolveu uma espécie de posse em relação àquela família. É uma coisa louca e de um desmando total. Aquela mulher recorreu a diversas instituições sem conseguir encontrar nenhum tipo de proteção, ou responsabilização do assassino pela morte dos filhos.”
2001 – Caso narrado na CPI de Extermínio no Nordeste (2005) que ocorreu no interior da Bahia, em um lugar chamado Cruz das Almas: “Na semana em que um policial militar foi assassinado por alguém de nome Daniel, cinco jovens foram executados no final de semana porque se chamavam Daniel ou tinham parente chamado Daniel”.
2007 – 1º de Março. Clodoaldo Souza, o Negro Blul, 22, e Cléber de Araújo Álvaro, chamado de Bronka, 21, ambos do movimento hip hop e da “Campanha Reaja ou Será Morto, Reaja ou será morta” foram atacados depois de uma apresentação no Pelourinho, centro de Salvador, quando retornavam a pé a Nova Brasília, onde moravam. Bronka sobreviveu porque se fez de morto. E foi ele quem relatou o crime: “A gente já tinha passado pelo ponto de desova da Estrada Velha do Aeroporto, quando fomos parados por policiais militares em uma viatura. Eles pediram que a gente levantasse a camisa para ver se tinha arma. Pouco depois deles saírem, apareceram dois homens armados e à paisana. Eles nos obrigaram a ficar de joelhos, a, colocar as mãos na cabeça e tirar os bonés. A gente chegou a falar que não tinha feito nada, mas eles foram metendo bala na covardia. Blul chegou a pedir: “Por favor, minha vida”. E os caras, debochando disseram: “e agora, negão, cadê vocês? Reaja". Os assassinos fugiram e deixaram no chão uma escopeta.
Bronka foi levado para o Hospital Geral Estadual (HGE), em Salvador. A família, temendo pela vida do rapaz, já que o crime tinha como autores policiais, chamou Andreia Beatriz Silva dos Santos e Hamilton Borges, coordenadores da Campanha Reaja. “Acionamos o governo para que Bronka fosse transferido para outro hospital, porque não tinha segurança no HGE, não confiávamos na polícia. Ele foi transferido para o Hospital das Clínicas. Fizemos tudo para que ele não fosse descoberto, mas o próprio governo o entregou para a delegada da 10ª, que queria ouvi-lo. Ele, que era a vítima, passou a ser suspeito virou, na perspectiva do Estado, réu. Sumiram com os documentos dele do hospital, de sua casa, sequestraram sua a mãe”, lembra Andreia Beatriz.
Hamilton teve que se esconder da polícia por exigir do governo que cumprisse a obrigação de investigar o caso. “Eu tive que ficar um tempo num terreiro, na casa de Oxumaré. Mas em vez de fugir, porque eu não devo nada, fui a um evento do Ministério Público, que estava cheio de gente da segurança pública, polícia militar, civil. Cheguei lá, me identifiquei e disse: 'Vocês estão me procurando, tem que ser oficialmente. Eu tô aqui. Porque vocês estão me procurando? Gerou aquele constrangimento'. Outras três meninas que faziam o mesmo tipo de trabalho de Blul tiveram as casas invadidas, vasculhadas. Nossos telefones foram grampeados, várias pessoas nossas presas e não eram usuários de droga nem nada, mas eles (policiais) plantavam drogas para criminalizar as pessoas. Tudo isso foi o que gerou a partir da morte de Blul”, relata.
Andreia Beatriz, lembra que a Campanha Reaja conseguiu, com doações, mudar a família de bairro, já que o governo não estava garantindo a proteção de Bronka e familiares.
O Estado vitima por vários aspectos quando fere, tenta matar, como quando negligencia, não dá o atendimento do SUS. Tudo foi feito por nós, porque o governo não fez nada, pelo contrário. Até a medicação tivemos que providenciar. Montamos uma rede de cuidados: cuidado físico, de saúde mental da família. Ele ficou quase um ano sem andar, com projeteis alojados no corpo, na virilha, que afetou bastante o movimento. Voltou a andar, mas continuou com sequelas até ser morto”. Seis anos depois da chacina, em 18 de maio de 2013, Bronka foi executado com um tiro na cabeça disparado no  meio da rua, no bairro onde morava (ele e a família tinham se mudado de Nova Brasília após a chacina de 2007).
2007 – Conhecida como Chacina do Calabetão, um bairro na periferia de Salvador. A líder do Movimento Sem Teto da Bahia, Aurina Rodrigues Santana, 44 anos havia denunciado policiais militares por tortura de seus dois filhos adolescentes, em maio. Os PMs invadiram a casa de Aurina e deram chutes, socos, bateram com barras de ferro e sufocaram seus filhos com sacolas plásticas. Os militares ainda jogaram óleo quente na cabeça do rapaz. 
Em 14 de agosto, uma semana após o depoimento de Aurina e dos filhos na Corregedoria da PM, em que ela e os adolescentes afirmaram que poderiam reconhecer os torturadores, a casa da família foi invadida por policiais. Foram mortos a tiros Aurina Rodrigues Santana, o filho Paulo Rodrigo Santana, 19, e Rodson da Silva Rodrigues, 28, companheiro da líder dos Sem Teto. A filha mais nova, de 13 anos, escapou porque não estava em casa na hora do crime.
Os executores ainda deixaram junto aos corpos 48 trouxas de maconha e 30 pedras decrack numa tentativa de envolver a família com o tráfico de drogas e atribuir as mortes à disputa entre grupos rivais de traficantes. O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan (CEDECA/BA), o Movimento Negro Unificado (MNU), a Justiça Global, e outras dez organizações não governamentais enviaram denúncia à ONU. Nenhum PM foi responsabilizado pelos crimes.
2008 - 22 de janeiro. Parente de um policial teve a bicicleta roubada. O trapezista Ricardo Matos dos Santos, 21, jogava futebol com vizinhos em uma quadra no bairro Boca do Rio, comunidade Bate Facho, por volta das 23h55. Dois carros pararam em frente ao campo e futebol, homens desceram abrindo fogo contra todos. “Ricardo foi atingido na perna e caiu. Ainda assim ficou de pé, levantou os braços e se identificou. Ele ainda disse aos policiais que não era quem eles procuravam, mas foi colocado no chão e executado com mais sete tiros”, relata o pai do rapaz, Jorge Lázaro Nunes dos Santos.

O trapezista Ricardo Matos morava em Belo Horizonte, trabalhava no Le Cirque e estava fazendo formação para ingressar no Cirque du Soleil e mudar para a França. Ele tinha ido passar as férias com a família. Após o crime, os pais e quatro irmãos mais novos de Ricardo tiveram que deixar a casa própria, onde moravam. Os parentes chegaram a ser incluídos no Programa de Proteção à Testemunhas (Provita) porpressão do movimento social, articulado em torno da Campanha Reaja e do Circo Picolino, mas desligados em novembro do mesmo ano sob alegação de “reiteradas quebras de normas, incompatíveis com a permanência na proteção”.
Estado não apoia vítimas nem investiga crimes
Hamilton Borges, do Quilombo Xis e da Campanha “Reaja ou será morto, reaja ou será morta”, conta que sucessivas vezes cobraram do estado proteção à família. “Nós questionamos o desligamento. Quebrar norma é o pai correr atrás de tudo quanto é instituição para ver o caso de seu filho chegar a julgamento? Este caso só andou por insistência de Lázaro. Desqualificar familiares de vítimas tem sido uma estratégia muito conveniente para o Estado”, reclama Hamilton.
Segundo ele, Jorge Lázaro tentou que sua família fosse incluída no PPCAM, em função de ter filhos adolescentes sob ameaça de vida, e a reinclusão no Provita. “Os dois programas negaram e no dia 10 de março de 2013 mataram o irmão de Ricardo,Enio Matos (19 anos), a tiros no Bairro da Paz. O Estado é responsável por esses extermínios”, acusa o ativista.
A família dos dois meninos desmoronou após o homicídio de Ricardo e passou a não ter paradeiro certo. A mãe entrou em depressão profunda. O pai tomou como missão de vida responsabilizar os três PMs acusados do primeiro crime, já que do segundo não há nem testemunhas ou informações, e percorreu uma infinidade de instituições públicas em busca de justiça: SSP, Polícia Civil, Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, Secretaria de Direitos Humanos e Justiça da Bahia, Ministério Público estadual e Federal, Ouvidoria, entre outras. Nessa busca, conseguiu um documento com escutas telefônicas autorizadas que revelam pouco do caso, mas deixam entrever que existe participação de um oficial e que seria protegido pela instituição, além de uma “irmandade”, uma ação de grupos de extermínio com participação de PMs.
Após a morte de Ênio, pressionado pelos movimentos sociais, o governo arrumou uma proteção para a família no mínimo inusitada: colocou a mãe e duas filhas adolescentes numa casa que abriga mulheres vítimas de violência, e Jorge Lázaro e o menino de 14 anos em um abrigo para moradores de rua na periferia de Salvador. Há seis anos os filhos não frequentam a escola, a família não tem renda nem perspectiva para sair dessa situação.
Na prática, eles só contam com a solidariedade dos movimentos sociais. A Campanha Reaja buscou doações de dinheiro, alimentos e roupas e está tentando conseguir um local seguro para juntar novamente a família. A ideia é que os jovens consigam retomar os estudos e os pais sejam assistidos por psicólogos e retomem a vida. As sequelas são muitas. A dor e a loucura são muito próximas e o futuro parece algo muito distante da realidade dos Matos.
No próximo dia 27 de julho acontecerá uma audiência de instrução e julgamento dos acusados da morte de Ricardo Matos: os soldados Marco Antônio Carvalho Santa Bárbara, José Roberto dos Santos e Adilson José da Silva Souza, que à época eram lotados na 39ª Companhia Independente (Imbuí/Boca do Rio).
O caso está sendo enviado pelo Quilombo Xis e Justiça Global para a Comissão de Direitos Humanos da OEA.
2012 – Quarta-feira, 22 de agosto, 17h30. Um dia chuvoso e frio em Salvador. O barbeiro Emerson da Fonseca, 25 anos, que a família chamava de Pururuca, dormia com a filha de três meses em um dos cômodos da casa, num dos becos no Nordeste de Amaralina, quando três homens que se diziam policiais abriram a porta da sala que estava destravada. A avó de Emerson, dona Maria José, uma senhora de 76 anos, até pensou que era o outro neto de 17 anos. Assustou-se ao ver aqueles homens de preto, com coletes à prova de balas, capuz e luvas.
Os homens apontaram a arma para avó e para a filha, tia de Emerson, que estava deitada no quarto colado à sala e pegaram o Emerson. Impossibilitada de andar por sofrer de hidroencefalia, a tia começou a gritar: “Deixe ele moço”. Um dos policiais apontou a arma para ela e a mandou calar a boca. A mãe do jovem, Joselita da Fonseca, conhecida como Nega, que vive de vender salgados com a mãe em uma barraca do bairro, estava nos fundos da casa. Ao ouvir os gritos correu. Perguntou à polícia para onde iam levar o filho, porque queria ir junto. Eles disseram que o levariam para a DP de Roubos e Furtos e um dos homens bateu no peito de Nega impedindo que ela tentasse ir com eles. “Eu ainda disse que meu filho não era ladrão, que estavam levando a pessoa errada”, contou. Além de levarem Emerson, os policiais carregaram o celular do rapaz e da avó.
Nega começou naquela noite uma peregrinação por delegacias. Não havia nenhum registro de entrada do rapaz em qualquer lugar. Ela quis dar queixa do sequestro, mas a unidade de polícia local se recusou. “A escrivã disse que o povo já estava ligando para saber dele, porque todo mundo sabia que o menino tinha boa índole, que era de família, nunca fez nada de errado”. No segundo dia de buscas, enquanto esperava um delegado chegar, Nega recebeu um telefonema. O corpo de Emerson tinha sido encontrado no Bairro da Paz, em uma área de desova.
Semanas antes Emerson e alguns amigos tinham ajudado a separar uma briga entre uma pessoa e o filho de um policial. Depois disso, vários dos apaziguadores foram assassinados. “Um deles foi morto há uns seis meses na frente do mercado, quando atravessou a rua. Um cara de moto parou e deu tiro nele. O que estava na briga mesmo morreu primeiro que meu filho. Foi um dia de domingo. A história que saiu é que ele trocou tiros com polícia”, conta Nega, que destaca “Curiosamente, as câmeras [da UPP da comunidade] quebraram no dia da invasão de minha casa e voltaram a funcionar dois dias depois”, diz. O assassinato de Emerson foi arquivado como homícidio sem autoria definida.
2013 – No dia 13 de junho, o supervisor de camareiro e capoeirista Carlos Alberto Junior, 21 anos, nascido e criado em Nordeste de Amaralina, estava de folga e seguia para a praia quando, segundo moradores, ele foi rendido pelos policiais na rua e levado para um quintal, onde foi executado com um tiro na cabeça. Antes de ser morto, o rapaz ainda gritou: "Não me matem, sou trabalhador". De nada adiantou. Os PMs, segundo testemunhas, após assassiná-lo, colocaram pedras de crack e um revólver na mão do rapaz para alegar “troca de tiros com traficantes”.
Revoltados com a morte, moradores incendiaram objetos na rua e fecharam o trânsito de duas vias no Nordeste de Amaralina. Um dos cartazes do protesto chamava a atenção: “O Estado não pode financiar o extermínio”. O rapaz morreu perto de onde mataram, há dois anos, seu primo, o menino Joel Conceição Castro, 10 anos, assassinado dentro de casa também em uma ação da PM. Os 11 militares envolvidos aguardam o julgamento em liberdade.
O pai de Carlos Alberto Santos, conhecido como Mestre Bozó, não esconde a revolta: “Beço (como chamavam Carlos) era um trabalhador. Deixou um filho de dois anos e uma mãe que passou por duas cirurgias de câncer de mama e está na cama. Ele não era um bandido. E enquanto eu tiver vida vou cobrar a punição desses PMs”.
Sete policiais envolvidos com o crime, segundo o comando da PM, foram afastados. O Inquérito Policial Militar tem 40 dias de prazo para conclusão. Moradores de Nordeste de Amaralina disseram que na mesma noite do homicídio os mesmos policiais rondaram a área em um carro descaracterizado, como forma de pressionar possíveis testemunhas.