sexta-feira, 18 de abril de 2014

Governo Fecha Abrigo para Haitianos


Governo fecha abrigo para haitianos em Brasileia. Para organização de Direitos Humanos, solução improvisada não resolve problema

O Governo do Estado do Acre disse hoje à Organização de Direito Humanos Conectas que fechará o abrigo de imigrantes na cidade de Brasileia, na fronteira com a Bolívia. As autoridades acreanas prometeram retirar até sábado todos os imigrantes – a maioria, haitianos – que viviam abrigados, com a promessa de transferi-los para um centro de exposições na capital, Rio Branco e, de lá, despachá-los para Porto Velho, em Rondônia, de onde serão fornecidos ônibus para fazer o traslado a São Paulo, de acordo com informações do administrador do abrigo deBrasileia, Damião Borges.
A reportagem é do portal Conectas, 09-04-2014.
Mais de 20 mil haitianos já passaram pelo abrigo deBrasileia em três anos e nas últimas semanas, mais de 2.500 pessoas chegaram a se amontoar no local, projetado inicialmente para receber 300 albergados. Só no dia do anúncio, mais 108 haitianos chegaram ao local. De acordo com Damião, todos os novos imigrantes serão informados de que o abrigo foi transferido paraRio Branco. A partir de então, o traslado entre Brasileia e a capital será feito por conta do imigrante, que pode ainda optar por dar entrada no pedido de documentos na própria fronteira, sem direito a alimentação, abrigo ou qualquer outro apoio das autoridades locais, de acordo com Damião.
Para Conectas Direitos Humanos – organização que esteve no abrigo em agosto do ano passado, fazendo denúncias públicas e participando de reuniões bilaterais com os ministérios das Relações Exteriores, Justiça e Trabalho, além de realizar uma audiência regional sobre o tema na OEA (Organização dos Estados Americanos), em Washington, denunciando as precárias condições do abrigo e os problemas do ‘visto humanitário’ oferecido pelo Brasil – a medida é apenas paliativa e não resolve a questão de fundo.
“Demoraram mais de 8 meses para tomar uma providência. E, quando isso foi feito, percebemos que trata-se, na verdade de mais uma solução provisória, paliativa e descoordenada”, disse Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas. “Se o chamado ‘visto humanitário’ estivesse, de fato, sendo concedido como se deve, na Embaixada do Brasil em Porto Príncipe, nenhum desses imigrantes haitianos precisariam passar por essa provação, viajando na mão de coiotes pelo Peru, até chegar ao Brasil, muitos deles apenas com a roupa do corpo.”
Camila diz que o episódio evidencia a precariedade da atual Lei de Migração no Brasil, do tempo da ditadura. Para ela, o País precisa urgentemente rever sua legislação sobre o tema, sob risco de envolver-se constantemente em crises semelhantes. No caso do Haiti, aparece como agravante o fato de o Brasil ter alardeado a adoção de um remendo chamado ‘visto humanitário’, por meio do qual o governo nega o estatuto de refugiado a todos os haitianos, mas entrega documentos de trabalho e CPF, oferecendo o que Camila considera como “uma política de acolhimento parcial, que não dá conta da complexidade e da fragilidade deste fluxo vindo do Haiti, um país severamente castigado, primeiro, pela violência e, em seguida, por um dos maiores desastres naturais de que se tem notícia”.
Brasileia
Quando esteve no abrigo, Conectas constatou as péssimas condições de acolhida. O espaço, com capacidade para 200 pessoas, era então dividido por 800. Apenas 10 latrinas e 8 chuveiros atendiam os imigrantes. Não havia distribuição de sabão ou pasta de dente e o esgoto corria a céu aberto. O hospital local diz que 90% dos pacientes provenientes do campo tinham diarreia. A organização denunciou a situação e recebeu, do governo federal, a promessa de uma força tarefa. Nada foi feito desde então. 
 
Camila refuta o argumento do Governo do Estado do Acre, de que a população de Brasileia estava carregando um fardo pesado demais e precisava se livrar dos imigrantes. “Se isso aconteceu, foi unicamente por culpa do Governo do Estado do Acre e do Governo Federal. Ambos levaram meses para lidar com o problema, deixando com que milhares de pessoas vivessem no meio do esgoto, enfurnados num lugar coberto por lonas plásticas, com homens e mulheres misturados, sem as mínimas condições de dignidade”.

Governo vai construir abrigo para receber haitianos em São Paulo

Duramente criticado pelo Ministério Público Federal e organizações de defesa dos direitos humanos por acolher imigrantes haitianos em condições degradantes, o governo do Acre decidiu fechar o abrigo mantido com apoio do governo federal em Brasiléia, município que tem o Rio Acre como limite da fronteira do Brasil com Cobija, capital do departamento de Pando, na Bolívia. A ONG Conectas denunciou a situação dos imigrantes ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suiça, no final do mês passado.
A reprotagem é de Altino Machado, publicada por Blog da Amazônia, 09-04-2014.
O governo estadual se mobiliza para improvisar um novo acampamento para os haitianos no Parque de Exposições, em Rio Branco, a capital, onde realiza anualmente a Feira Agropecuária, o maior evento cultural, artístico e de negócios do Acre.
Será o sétimo endereço para receber haitianos, dominicanos e senagaleses que já formam o maior fluxo de estrangeiros para o País. Os precários acampamentos mantidos na fronteira se revelaram com espaço insuficiente para acomodar o crescente contingente de imigrantes recebidos ao longo dos últimos quatro anos.
- Vamos encerrar o refúgio em Brasiléia porque a cidade está exausta. Se não fizéssemos isso, passaríamos a correr o risco de acontecer hostilidade envolvendo imigrantes e a população da cidade. Vamos construir um abrigo em RioBranco, que estará associado a outro abrigo que o governo federal vai construir em Sao Paulo, provavelmente emGuarulhos. Temos que agradecer ao povo de Brasiléia tanta compreensão e solidariedade – disse ao Blog daAmazônia o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre (Sejudh), Nilson Mourão.
O acampamento de Brasiléia mede 200 m² cobertos com um teto baixo de zinco. Lonas plásticas servem como cortinas e a temperatura ambiente chega a 40C°. Com esgoto a céu aberto, o mau cheiro toma conta. Apesar de bastante criticada, a parceria dos governos federal e estadual assegura aos imigrantes água, três refeições diárias e serviço de saúde. Amontoados no chão, colchões velhos, enfileirados, em contato direto com o piso, expostos a todo tipo de sujeira, restos de comida, poeira, acúmulo de água, baratas, ratos, moscas e outros insetos.
Em Rio Branco, o governo estadual pretende atuar no novo abrigo com no máximo 200 imigrantes, fazendo um rodízio de permanência de até 10 dias, segundo o secretário Mourão. No acampamento atual, a permanência diária gira em torno de 500 e 1000 imigrantes, mas a capacidade é para apenas 200 ou no máximo 300 pessoas.
O Acre é a principal porta de entrada dos imigrantes haitianos no País. Os primeiros registros do trânsito dehaitianos em Assis Brasil, Brasiléia e Epitaciolândianas, cidades acreanas na fronteira com Peru e Bolívia, são de dezembro de 2010.
Segundo a Sejudh, cerca de 21 mil haitianos chegaram ao Brasil após o terremoto que devastou o Haiti em janeiro de 2010, sendo que 18 mil teriam ingressado pela região até março deste ano. Em média, de 30 a 50 imigrantes, entre homens, mulheres e crianças, permanecem chegando diariamente pela rodovia Interoceânica, responsável pela conexão do Brasil ao Peru.
Capital e trabalho
Tenda usada como abrigo de haitianos na fronteira com a Bolívia
A imigração haitiana não parece ter suas raízes em uma decisão voluntária e individual e daqueles que decidem sair de seu país e recomeçar a vida no Brasil. Segundo as sociólogas do trabalho Eurenice Oliveira de Lima e LetíciaMamed, do grupo de pesquisa Mundos do Trabalho na Amazônia, da Universidade Federal do Acre, que estudam omovimento dos imigrantes haitianos pela Amazônia Ocidental, pelas características históricas e estruturais que apresenta e pela maneira como se realiza, o fluxo de haitianos sugere uma conexão direta com a conjuntura do sistema capitalista de produção e distribuição de riquezas.
- No caso do Haiti, país de capitalismo dependente, criou-se um imenso excedente, que, por não encontrar possibilidade de reprodução social digna de sua existência, é impelido a emigrar, sob o espectro da miséria e da fome – afirmam as pesquisadoras.
As empresas que mais recrutaram haitianos foram as da construção civil, metalúrgicas, têxteis, hoteleiras e, principalmente, da agroindústria da carne, estabelecidas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nos últimos seis meses, empresas dos estados de Goiás e Mato Grosso também reforçaram contratações.
Letícia Mamed, doutoranda da Unicamp, investiga em especial o recrutamento de haitianos na Amazônia pela agroindústria da carne do Centro-Sul brasileiro, e analisa como se estabelece a inserção deles nos processos de trabalho, a trajetória e a experiência dos imigrantes empregados em larga escala nos abatedouros industriais de carne.
Chapecó (SC) é um dos principais destinos dos que são recrutados no Acre. A cidade é o berço de um dos maiores grupos empresariais do setor, a Brasil Foods, conglomerado do ramo de produtos alimentícios e proteínas animais, surgida em 2009, da fusão da Sadia com a Perdigão.
No caso dos senegaleses, segundo Letíca Mamed, existe um movimento significativo de recrutamento também pelaagroindústria da carne, mas em um segmento muito específico, que é o de frigoríficos com abate diferenciado, conhecido como “halal”, cuja produção se destina à exportação para o Oriente Médio, com o necessário cumprimento de rituais islâmicos no processo de abate.
Na avaliação da pesquisadora, ao receber, abrigar, alimentar e documentar esses imigrantes, parcialmente e em condições precárias, o Estado brasileiro reforça esse circuito, pois prepara e organiza a força de trabalho para ser oferecida a baixo custo ao capital.
- A considerar que o valor da mão de obra haitiana é o mais baixo do mundo, inclusive mais que a chinesa, as perspectivas existentes para esses imigrantes são bastante limitadas. Ao longo dos últimos quatro anos, no Acre se configurou um campo de refugiados próprio ao Brasil, que concretamente assume a face de um verdadeiro mercado de força de trabalho, pobre, negra e barata, com limitadas possibilidades de resistência às formas de exploração,opressão e violência que o trabalho precário estabelece. Se esses imigrantes fugiram do Haiti sob o espectro da fome, no Brasil passam a conviver sob o espectro do trabalho escravo contemporâneo, demarcado por jornadas exaustivas, condições laborais e de moradia degradantes, incluindo em muitos casos a retenção por dívida – acrescentou Letícia Mamed.

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