quarta-feira, 28 de maio de 2014

Governo Federal se Esquiva de Responsabilidade sobre Haitianos


Governo federal se esquiva de responsabilidade sobre haitianos

Para a ONG Conectas, decisão de fechar abrigo de Brasileia (AC) foi descoordenada. Galpão operava acima da capacidade há meses.
Mais de 3 meses se passaram até que o Ministério da Justiça se manifestasse sobre a maior crise já enfrentada pelos haitianos que chegam ao Brasil pelo Acre e que agora, depois da decisão de fechar o galpão que lhes servia de abrigo na cidade de Brasileia, estão sendo encaminhados para Rio Branco antes de seguirem viagem para outros estados.
A reportagem é publicada por Conectas, 25-04-2014.
 
O atraso, no entanto, não é o único problema da nota oficial publicada no dia 22 pelo MJ: ela não dá qualquer resposta aos novos desafios impostos aos imigrantes, como a falta de estrutura de acolhida nos estados que passaram a recebê-los e as persistentes deficiências estruturais de Brasileia, que segue como principal ponto de entrada para os haitianos que chegam ao País sem o visto humanitário.
 
Repetindo o que parece ser um o discurso de que as responsabilidades do governo federal na crise se limitam à transferência de recursos, o ministério afirma que “mais de R$ 4,2 milhões foram repassados para os serviços de saúde, além de garantir documentação básica de forma simplificada e imediata”. 
 
“Desde o início do fluxo de haitianos para o Brasil, o governo federal tem se escondido atrás do pacto federativo para evitar uma atribuição que é sua, segundo a Constituição”, afirma Camila Asano, coordenadora de Política Externa daConectas. “A nota do MJ também reflete a descoordenação e esquivo do governo federal. Conectas reitera, há mais de oito meses, que o caso possui dimensões nacionais, escancarando as falhas da política migratória brasileira, e só pode ser enfrentado com a atuação direta do governo federal para uma acolhida efetivamente humanitária. Ainda, é necessária a ampliação da política de concessão de vistos humanitários ou mesmo a eliminação de exigência do visto e ações coordenadas com outros países da região”.
No início de abril, quando o fechamento do galpão de Brasileia foi anunciado, Conectas enviou questionamento formal via carta à Secretaria Nacional de Justiça do MJ pedindo explicações sobre  a existência de um plano coordenado com o governo do Acre, sobre a possibilidade de instalação de um abrigo permanente em Rio Branco, sobre a assistência dada aos haitianos que chegam a Brasiléia e, ainda, sobre a política de concessão de vistos. A organização não recebeu resposta até hoje – e a crise continua.
 
Em Rio Branco, segundo parceiros locais, o centro de exposições que tem dado acolhida temporária para os imigrantes já alberga ao menos 450 pessoas. O local será palco de uma grande exposição em julho, o que obrigará a administração local a pensar, desde já, em soluções duráveis.
 
Já em Brasileia, ainda conforme o relato de parceiros locais, os imigrantes que atravessam a fronteira encontram-se desamparados depois de percorrem quase 6 mil quilômetros para chegar ao Brasil. Por conta da falta de dinheiro, informações e estrutura, muitos estão dormindo nas ruas da cidade.
 
São Paulo
 
Grande parte dos haitianos que deixaram Brasileia nas últimas semanas foram trazidos a São Paulo. Apesar de receber fluxos constantes de imigrantes, a cidade conta com uma estrutura de acolhida precária e insuficiente. A chegada desses novos grupos pressionou ainda mais o sistema, levando a SMDHC (Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania) a criticar, em nota, a decisão do governo do Acre e o imobilismo do MJ.
 
“É necessário que o Ministério da Justiça dê condições para que esses imigrantes, beneficiários de um visto humanitário concedido pelo País, sejam inseridos na sociedade com dignidade e respeito”, diz a nota. “Além disso, espera-se que tomem medidas cabíveis com relação ao governo do Acre diante destas ações com esta população já tão sofrida.”
 
A SMDHC prevê que o total de migrantes nestas condições alcance 800 pessoas e pede “uma política mais ampla para as migrações no Brasil, que envolva os três níveis da federação e seja capaz de elaborar políticas públicas permanentes”.
 
Auge da crise
 
A cheia dos rios da região deixou o Acre isolado nos últimos meses, impossibilitando o deslocamento dos imigrantes para outras regiões e aprofundando a já degradante situação do galpão que lhes servia de abrigo.
 
Quando esteve no abrigo, em agosto de 2013, Conectas constatou as péssimas condições de acolhida. O espaço, com capacidade informada para 200 pessoas, era então dividido por 800. Apenas 10 latrinas e 8 chuveiros atendiam os imigrantes. Não havia distribuição de sabão ou pasta de dente e o esgoto corria a céu aberto. O hospital local dizia que 90% dos pacientes provenientes do abrigo tinham diarreia. A organização denunciou a situação e recebeu, do governo federal, a promessa de uma força tarefa. Nada foi feito. O caso foi levado à CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) e ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Envio de haitianos a SP escancara crise migratória

O bate-boca entre governantes de São Paulo e do Acre sobre o destino de imigrantes – em sua maioria haitianos – recém-chegados ao Brasil e enviados à capital paulista é o último desdobramento de um empurra-empurra entre autoridades que se arrasta há pelo menos dois anos e evidencia a crise migratória enfrentada pelo país.
A reportagem é de João Fellet e Luis Kawaguti e publicada pela BBC Brasil, 25-04-2014.
Em 2010, haitianos começaram a entrar no Brasil pelas fronteiras no Norte do país, principalmente pelo Acre. Em 2012, o governo estadual passou a abrigá-los num alojamento na cidade de Brasileia, na fronteira com a Bolívia. Já que chegavam sem vistos, eles permaneciam ali até tirar os documentos para trabalhar legalmente no país.
No início do mês, o governo do Acre resolveu fechar o abrigo e transferir parte dos imigrantes à capital, Rio Branco. Foram enviados a São Paulo outros 400 estrangeiros, dos quais 200 estão instalados num abrigo da Igreja Católica.
Nesta sexta-feira, 88 imigrantes tiraram carteiras de trabalho num mutirão do Ministério do Trabalho.
O envio dos imigrantes pelo Acre foi criticado pelo governo paulista e pela prefeitura de São Paulo, que disseram não ter sido avisadas da decisão. Também nesta sexta, a secretária de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania,Eloisa de Souza Arruda, disse que São Paulo pode levar o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A ONG Conectas, que já denunciou na ONU o tratamento dado pelo Brasil aos imigrantes haitianos, cobra maior envolvimento do governo federal no impasse. Segundo a organização, embora a Constituição atribuia ao Executivo federal a responsabilidade pela imigração, as autoridades em Brasília jamais se empenharam em resolver os problemas enfrentados pelos haitianos no país.
A BBC Brasil elaborou uma série de perguntas e respostas sobre a onda de imigração haitiana ao Brasil.
Por que o Acre fechou o abrigo e mandou imigrantes a São Paulo?
O governo acriano disse ter tomado a decisão porque a permanência dos imigrantes em Brasileia ameaçava causar problemas com a população local. A cidade, de 20 mil habitantes, chegou a abrigar 2,5 mil imigrantes. Moradores diziam que os estrangeiros sobrecarregavam os serviços públicos locais.
Desde fevereiro, a situação em Brasileia se agravou com cheia do rio Madeira, que cortou a ligação terrestre do Acre com o resto do país. Em março, o alojamento dos imigrantes - um antigo ginásio esportivo com capacidade para abrigar algumas centenas de pessoas - chegou a acolher 1,9 mil estrangeiros, sua ocupação máxima até então.
O Acre disse ainda que, ao transportar os imigrantes a São Paulo, deixou-os mais perto dos principais centros de emprego no país.
Por que os imigrantes haitianos têm vindo para o Brasil? Quantos já chegaram?
O terremoto que arrasou o Haiti em 2010 deu impulso extra ao grande fluxo de haitianos que, há várias décadas, deixa o país caribenho em busca de melhores condições de vida em outras nações.
Segundo o governo federal, entre 2010 e o fim de 2013, 21 mil haitianos obtiveram vistos permanentes para viver no Brasil. O número total de haitianos no Brasil é, no entanto, desconhecido, já que muitos ainda aguardam os vistos.
Mesmo assim, o número é pequeno comparado ao total de imigrantes haitianos em outros países. Nos Estados Unidos, o Censo de 2010 contou quase 1 milhão de haitianos. Na República Dominicana, único país a dividir fronteira terrestre com o Haiti, estima-se que haja entre 500 mil e 800 mil haitianos.
Grande parte dos haitianos no Brasil diz ter optado pelo país pelo tamanho de sua economia e suas possibilidades de trabalho. Alguns também citam as crescentes dificuldades para migrar para países europeus e os EUA.
Os haitianos são considerados refugiados?
Não. O Brasil reconhece como refugiados somente aqueles que tenham deixado seu país por sofrer perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas.
Os haitianos, no entanto, migram para o Brasil principalmente por razões econômicas. Ainda assim, grande parte dos que chegam ao país sem vistos solicita refúgio ao governo brasileiro.
Enquanto o governo analisa o pedido, o que pode levar até um ano, eles podem obter documentos para trabalharno Brasil.
Como eles viajam até o Brasil?
Os haitianos que chegam ao Brasil pela Amazônia costumam voam até o Equador e, de lá, pegar ônibus até a fronteira do Peru com o Brasil. A viagem pode durar até uma semana. A chegada deles pela Amazônia foi facilitada pela inauguração, há alguns anos, da estrada Interoceânica, que liga o Acre à costa do Peru, no Pacífico.
No trajeto, muitos imigrantes dizem sofrer achaques policiais e pagar preços escorchantes a atravessadores (coiotes). Nos últimos anos, imigrantes de outros países, principalmente Senegal e República Dominicana, também passaram a chegar ao Brasil pela rota aberta pelos haitianos com início no Equador.
Qual a posição do governo federal em relação às críticas?
O governo federal diz ajudar o Acre a receber os imigrantes com recursos extras para saúde, assistência e integração social. O governo diz ainda ter acelerado a concessão de documentos para os imigrantes (com registro, CPF, carteira de trabalho e cadastro no Sistema Nacional de Emprego).
Além disso, no início de 2012, em resposta à crescente chegada de imigrantes haitianos pela Amazônia, o governo federal passou emitir na embaixada brasileira no Haiti cem vistos permanentes por mês para famílias haitianas que quisessem viver no Brasil.
O governo disse que a medida tinha fins humanitários e visava encorajar haitianos a chegar ao Brasil de avião, livrando-se assim da ação de atravessadores e dos riscos da longa viagem por terra.
Como a procura por vistos foi muito superior à oferta, porém, o governo acabou pondo fim ao limite mensal. Agora, o Itamaraty diz que as autorizações são concedidas conforme a capacidade de seus funcionários.
Por que o programa de vistos não pôs fim às chegadas pela Amazônia?
Muitos haitianos se dizem incapazes de cumprir os requisitos burocráticos para tirar o visto na embaixada. Para se candidatar ao visto, o postulante deve ter passaporte em dia, portar atestado de residência que comprove que vive no Haiti e apresentar atestado de bons antecedentes. Com todos os documentos em mãos, deve ainda pagar US$ 200 para a emissão do visto.
Além disso, nem todos os haitianos que têm chegado ao Brasil estava vivendo no Haiti. Parte do grupo já vivia como imigrante em outros países, como a República Dominicana ou as Bahamas.
Onde estão os imigrantes que chegaram nas primeiras levas ao Brasil?
Muitos haitianos foram recrutados ainda em Brasileia por empresários de várias regiões do Brasil, principalmente na região Sul. A maioria tem trabalhado em indústrias ou na construção civil. Os senegaleses também têm como principal destino o Sul do país, onde geralmente conseguem empregos em abatedouros dedicados à exportação de carne para países de maioria muçulmana. Os senegaleses trabalham justamente com a preparação da carne conforme os preceitos islâmicos.

Atitude 'amigável' do governo atrai haitianos para o Brasil

A exposição do Brasil no exterior trazida pela Copa do Mundo e com a participação das tropas brasileiras nas missões de paz da ONU aliada a uma atitude "amigável" do governo brasileiro em relação ao Haiti são alguns dos fatores que atraem imigrantes haitianos para o país.
Segundo o governo brasileiro, mais de 21 mil haitianos entraram legalmente no país entre 2010 (ano do terremoto que matou mais de 300 mil pessoas no país caribenho) e 2013.
A reportagem é publicada pela BBC Brasil, 28-04-2014.
A maioria chegou ao país cruzando o Equador e o Peru até entrar no Brasil pela fronteira do Acre - onde grande parte recebeu documentos e abrigo na cidade de Brasileia.
Segundo o imigrante haitiano Tira Herold, a boa vontade do governo brasileiro em ajudar todos os que conseguiram chegar ao país criou no Haiti uma sensação generalizada de que imigrar para o Brasil é bom - devido às supostas afinidades entre os governos das duas nações.
"Depois do terremoto que matou milhares de pessoas o presidente do Haiti pediu um favor (para o governo brasileiro) para a gente poder entrar aqui, trabalhar e buscar uma vida melhor", afirmou.
"Os presidentes (Michel) Martelly e Dilma (Rousseff) têm um bom diálogo e são muito bons para nós", disse o imigrante Franky Jerome.
Destino "da moda"
Boa parte dos imigrantes que chegam ao Brasil tem familiares em países com grandes comunidades haitianas como os Estados Unidos (um milhão de haitianos, segundo o último censo) e República Dominicana (500 mil a 800 mil, segundo estimativas locais). Porém, segundo Jerome, o Brasil é o destino "da moda" entre os membros da diáspora de seu país.
A reportagem esteve na Missão Paz, um local mantido pela Igreja Católica no centro de São Paulo para oferecer ajuda a imigrantes. Nos últimos dez dias o centro recebeu mais de 400 haitianos. Quase todos eles chegaram do Acre com passagens pagas pelo governo local - ação que gerou tensão entre os governos dos dois Estados.
"Um conjunto de fatores fez com que (os haitianos) viessem para o Brasil: o terremoto, a presença brasileira no Haiti e também a crise econômica no hemisfério norte e uma certa projeção internacional que o Brasil está tendo", disse o padre Paolo Parisi, um dos coordenadores da Missão Paz São Paulo, entidade da Igreja Católica situada na igreja Nossa Senhora da Paz que cuida de imigrantes necessitados na capital paulista.
"A política brasileira também influenciou, até aquelas mensagens que foram dadas anos atrás que diziam enquanto a Europa se fecha o Brasil abre as portas para os migrantes, houve discursos muito claros nesse sentido", disse.
Segundo ele, muitos imigrantes - não apenas haitianos - dizem ao chegar em São Paulo que as obras da Copa do Mundo dão a impressão internacionalmente de que o país está em expansão.
Idioma
A maioria dos recém chegados é homem e partilha de uma história comum: aprenderam a trabalhar na construção civil na República Dominicana, vizinha do Haiti. Com essas habilidades decidiram viajar para o Brasil.
A familiaridade com a língua espanhola falada em Santo Domingo, a capital dominicana, também está facilitando a vida no Brasil, pois aprender o português é mais fácil para quem já tem noções de espanhol.
Mas uma parcela dos haitianos que chega ao Brasil só fala creole - idioma derivado do francês - não passou pelo país vizinho e está enfrentando grande dificuldade com a língua portuguesa.
Por isso, o padre Parisi diz que vem pedindo aos moradores de São Paulo para não discriminar, acolher e ser paciente com os novos moradores da cidade.
"Eles têm uma dificuldade com a questão linguística. Ensinar como se vai a um local, como pegar um ônibus ou entrar em um hospital. É importante ter essa maior paciência e sensibilidade", disse.

Mutirão ajuda comunidade haitiana no centro de São Paulo

A chegada repentina em São Paulo de centenas de imigrantes haitianos que estavam no Acre mobilizou autoridades e atraiu empresários interessados em oferecer empregos.
A informação é publicada por BBC Brasil, 28-04-2014.
Os esforços de ajuda estão concentrados na igreja Nossa Senhora da Paz, no Glicério, centro de São Paulo.
Esse mutirão para fornecer documentos, comida e trabalho está atraindo para o local não só os recém chegados mas parte dos cerca de 4.000 membros da comunidade haitiana de São Paulo, que vem passando dificuldades desde o início da atual onda de migração, em 2010.

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