APELAÇÃO-CRIME. CALÚNIA. INJÚRIA. ARTIGOS 138 E 140,
AMBOS DO CP. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA APENAS QUANTO AO SEGUNDO DELITO. SENTENÇA
CONDENATÓRIA PARCIALMENTE REFORMADA.
1. Para caracterização dos crimes contra a honra,
imperiosa a constatação da existência de dolo e de um fim específico
consistente na intenção de macular a honra alheia.
2. Hipótese em que o elemento subjetivo da conduta restou
demonstrado apenas no tocante ao crime de injúria, havendo dados suficientes
nos autos indicando a ação intencional do querelado ao fazer comentário em
artigo de blog, no qual se referiu à querelante com atributos pejorativos,
ofendendo o sentimento de dignidade da vítima.
3. À mesma conclusão não se chega quanto à calúnia, uma
vez que não houve imputação direta de fato definido como crime.
APELO PARCIALMENTE PROVIDO.
Recurso Crime
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Turma Recursal
Criminal
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Nº 71005042239 (N° CNJ: 0027734-42.2014.8.21.9000)
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Comarca de
Vacaria
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PAULO ROBERTO DA SILVA FURTADO
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RECORRENTE
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ANGELA MARIA ZAMBONI
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RECORRIDO
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MINISTERIO PUBLICO
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INTERESSADO
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Juízes de Direito integrantes da Turma
Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do
Sul, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, além do signatário
(Presidente), os eminentes Senhores Dr. Luiz Antônio Alves Capra e Dr.ª Madgeli
Frantz Machado.
Porto Alegre, 09 de março de 2015.
DR. EDSON JORGE CECHET,
Presidente e Relator.
RELATÓRIO
Paulo Roberto da Silva
Furtado interpôs recurso de apelação
contra sentença que o condenou à pena de 07 meses de detenção, a ser cumprida
em regime aberto, substituída por prestação pecuniária, consistente no
pagamento de 01 salário-mínimo, além de 10 dias-multa, à razão de 1/30 do
salário mínimo nacional vigente à época do fato, por incurso nas sanções dos
artigos 138 e 140, ambos do Código Penal, na forma do art. 70, do mesmo diploma
legal. Requereu sua absolvição.
Em contrarrazões, a
recorrida postulou a manutenção da sentença.
Ambas as partes litigam sob
o abrigo da AJG (fls. 17 e 53).
Convertido o feito em
diligência, emitiu parecer o Ministério Público, pelo conhecimento do
recurso.
O Parquet, nesta instância recursal, manifestou-se também pelo
conhecimento do recurso e por seu desprovimento.
VOTOS
Dr. Edson Jorge Cechet (PRESIDENTE E RELATOR)
Eminentes colegas.
Conheço do recurso, pois
presentes seus pressupostos de admissibilidade.
A inicial imputa a Paulo
Roberto da Silva Furtado a prática
dos delitos de calúnia e injúria, previstos nos arts. 138 e 140, ambos do CP, na
forma do artigo 69 do mesmo diploma legal, por ter ofendido a honra da
querelante Ângela Maria Zamboni, segundo descrito na exordial, in verbis:
No dia 11/07/2012, o querelado, no interior da Câmara de Vereadores de
Vacaria teceu comentários ofensivos a reputação da querelante ao dizer que a
querelante teria agido de forma grosseria, agressiva e mal educada. Após o dia
12/07/2012 o querelado repetiu as ofensas em seu blog.
Nas mesmas circunstâncias, o querelado disse que a querelante lhe tratou
de forma racista pelo fato de ser negro, quando disse que “tem gente aqui em
Vacaria que gosta de tratar os negros como escravos e com racismo.” Depois
repetiu as expressões na rede social da internet Facebook e em seu blog. Assim
o querelado imputou falsamente definido como crime e ofendeu a dignidade e o
decoro da querelante.
O querelado ofendeu, sem motivos, a honra do querelante, na presença de
testemunhas, sendo perceptível que sua conduta traz o animus de prejudicar a
sua honra. Além disso, imputou fato definido como crime, ou seja racismo.”
O querelado recusou a
oferta dos benefícios despenalizadores da transação penal e da suspensão
condicional do processo (fl. 29).
Mérito recursal
Da Calúnia e Da injúria.
Noções breves
O crime de calúnia está
tipificado no art. 138 do Código Penal e diz respeito expressamente à imputação
falsa de um fato definido como crime.
É o mais grave de todos os delitos contra a honra previstos na lei penal. Para
que se configure, carece do preenchimento dos seguintes requisitos: objetivo: imputação de fato definido
como crime; normativo: contido na
expressão “falsamente”, devendo o réu ter conhecimento desta circunstância; e subjetivo: consistente na intenção de
caluniar.[1]
Já na injúria, de acordo
com os ensinamentos de Rogério Greco, “ao contrário da calúnia e da difamação,
com a tipificação do delito de injúria busca-se proteger a chamada honra subjetiva, ou seja, o conceito, em
sentido amplo, que o agente tem de si mesmo”.[2]
Ainda, referido doutrinador cita em sua obra a definição trazida por Aníbal
Bruno, nas seguintes expressões:
“Injúria é a palavra ou gesto ultrajante
com que o agente ofende o sentimento de dignidade da vítima. O Código
distingue, um pouco ociosamente, dignidade e decoro (...). Costuma-se definir a
dignidade como o sentimento que tem o indivíduo do seu próprio valor social e
moral; o decoro como a sua respeitabilidade. Naquela estariam contidos os
valores morais que integram a personalidade do indivíduo; neste as qualidades
de ordem física e social que conduzem o indivíduo à estima de si mesmo e o
impõem ao respeito dos que com ele convivem. Dizer de um sujeito que ele é
trapaceiro seria ofender sua dignidade. Chamá-lo de burro, ou de coxo seria
atingir seu decoro”. (ênfase acrescentada)[3]
Complementa
Greco dizendo que, na injúria, não
existe imputação de fatos, mas, sim, de atributos pejorativos à pessoa do agente. Exemplifica dizendo que
chamar alguém de “bicheiro” configura injúria, mas dizer a terceira pessoa que
a vítima está “bancando o jogo do bicho”, caracteriza difamação. Por fim,
acrescenta que “na
injúria não se imputa fato determinado, mas se formula juízos de valor,
exteriorizando-se qualidades negativas ou defeitos que importem menoscabo,
ultraje ou vilipêndio de alguém” (STJ, Apn 390/DF, Rel. Min, Felix
Fischer/CE, RSTJ 194, p. 21).[4]
A prova
Segundo o relato da
testemunha Raul Deitos Renost, nesse dia havia uma audiência pública, para a
qual havia sido designado para trabalhar. Dita testemunha disse que durante a
audiência esteve ao lado da querelante e que, no curso da audiência pública,
Furtado, que estava sentado a frente do plenário, atendeu ligação recebida em
seu celular. Ato contínuo, ele teria saído de onde estava sentado para fora do
plenário, falando ao telefone, em um tom de voz bem alto, atrapalhando a
sessão. Comentou com a querelante sobre a postura de Furtado, que continuou a
ligação no rol do plenário, em tom de voz muito alto, gritando. A querelante
foi até o querelado e solicitou que ele falasse mais baixo ou procurasse outro
local para atender a ligação, para não mais atrapalhar o andamento da audiência
publica. Nesse momento ele se irritou, ficou brabo e começou a destratá-la,
inclusive depois de ela haver entrado novamente no plenário. Quando o querelado
retornou à sala da audiência, passou pela querelante chamando-a de mal educada,
fato que repetiu no final da audiência. Relatou que o querelado começou a falar
para a testemunha Antonio (Almeida) que Ângela tinha sido mal educada com ele,
que o teria ameaçado e mais um monte de coisas. Nisso, a audiência foi
concluída, e as pessoas que estavam começaram a sair cumprimentando o vereador
que deixou de dar atenção ao Sr. Furtado. Dito Vereador disse que verificaria a
história. Aduziu que de onde estava conseguia visualizar a sra. Ângela e que,
no outro dia, pegou as câmeras e viu as filmagens junto com os vereadores.
Afirmou que a querelante não foi mal educada ou grosseira, tendo apenas pedido
que o querelado falasse mais baixo. Tampouco a viu tratá-lo de forma racista
(fl. 54).
A versão foi corroborada
pela testemunha Antonio Carlos Soares de Almeida, Vereador que presidia a
sessão. Disse ter ouvido uma voz um pouco alta, que, depois soube, decorria da
ligação que o querelado fazia ao celular, falando um pouco alto. Por isso, a
querelante pediu para ele falar um tom mais baixo um pouco, por causa do
horário da sessão, dentro da Câmara. Infelizmente, a voz alta que escutou foi
dele. Daí então que deu todo aquele problema ali: “Eu fui chamado para ver o que poderia ser feito com este
fato. Falei com outras pessoas que estavam ali. Não posso precisar o nome das
pessoas que estavam ali. Até para ver o que estava acontecendo ali no fundo,
que começou lá no subido da escada e depois veio até o final do plenário. Então
é que eu vi ele xingando, infelizmente, a guarda. E até pediu que eu fizesse
alguma coisa. Mas eu vi a tranquilidade dela. Não escutei voz alta nenhuma dela
naqueles momentos. Então eu senti até que seria o contrario do que fui pedido
para fazer.” Aduziu que o querelado acusou a querelante de ter lhe
tratado mal, de ter falado alto, coisa que não escutou. Quando questionado se
ele chegou a lhe falar que a Ângela teria sido racista com ele? Respondeu que
chegou a falar em algum momento, que talvez pelo fato de ele ser da cor negra,
talvez tivesse esse tipo de procedimento. Ao apurar o caso, relatou que foi à
corporação da guarda conversar com a chefia e até mesmo os lugares onde ela
trabalhou anteriormente, para verificar se houve um problema semelhante. E todos os lugares que fez esta investigação
não houve nenhum tipo de reclamação neste sentido (fl. 54).
Enquanto isso, a testemunha
João Amaro Borges da Silva relatou fora ele quem telefonara ao querelado, que
num primeiro momento não atendeu. Depois, ao tornar a ligar, ele atendeu e
disse que não poderia atender o telefone lá dentro. Ouviu uma discussão,
perguntou o que estava acontecendo e ele disse: “tem a guarda municipal dizendo que eu não posso atender o
telefone aqui. Eu disse para ela que eu não posso atender no plenário. Mas aqui
eu posso atender.” O fato que ficou sabendo foi esse (fl. 54).
Já a testemunha Maria
Helena da Silva Lima, apenas pôde confirmar ter visto o querelante ao telefone
falando ao mesmo tempo com a querelada. Disse que ambos falavam em voz alta.
Relatou que depois o querelado lhe contou que a D. Ângela reclamou que ele
estava falando muito alto ao telefone (fls. 64/v.).
O querelado, por sua vez,
negou que tivesse escrito que a querelante era racista, que não teria sido para
ela, que “no artigo eu citei
uma comunicadora evangélica, era uma radialista o qual me referi, não foi a
Ângela Maria Zamboni que eu me referi.” Prosseguiu dizendo que “estava trabalhando nessa data e eu
vinha recebendo uma ligação do João Amaro, na época Doutora eu não tinha a
minha digital, eu trabalhava só com telefone. E o João Amaro vinha insistindo,
insistindo e insistindo e eu não estava atendendo ele, estava a trabalho, aí eu
saí, porque é proibido atender telefone dentro do Plenário da Câmara de
Vereadores”. Disse que se retirou do Plenário e foi para fora, estava há
uns quarenta metros do Plenário. “Quando eu estava atendendo o telefone do João Amaro, chega a Ângela Maria
Zamboni, até fiquei surpreso porque ela chegou gritando e fiquei meio perdido,
eu estava conversando com o João Amaro e não entendi muito bem o que estava
acontecendo, até nem sabia que era para mim. Ela me atrapalhou no telefone, eu
estava ligando e disse: “João Amaro, te peço licença, não vou concluir a ligação
porque tenho que falar com ela”, aí ela queria que eu saísse para fora da
Câmara de Vereadores para atender o telefone, ela disse para ir lá na rua, mas
eu estava no espaço permitido, não estava atrapalhando ninguém, não estava
incomodando ninguém, fui só atender o telefone de trabalho, estava a trabalho
cobrindo uma audiência pública. A gente trabalha com jornal, com blog, com
site, então a gente faz vários eventos, então a gente estava exercendo a nossa
função. Até eu fiquei surpreso da atitude dela, eu até a conheci uns dias
antes, por sinal me demonstrou ser uma pessoa muito simpática e educada.”
Afirmou que no blog falou que “ela me tratou com grosseria, me senti realmente ofendido, me senti
até constrangido e as pessoas aqui de Vacaria me conhecem, sabem do meu
trabalho. (...) Eu escrevi o fato realmente, mas a questão que eu citei do
racismo não foi para ela” (fls. 110/111).
A prova judicializada
permite a manutenção da condenação apenas quanto ao crime de injúria. Veja-se
que a testemunha Raul Deitos Renost confirmou que o querelado passou pela querelante chamando-a de mal
educada, fato que repetiu no final da audiência. Além disso, ao publicar o
artigo intitulado “Truculência e Discriminação de Uma Guarda Municipal, no
“Jornal Negritude”, transmitido pela mídia eletrônica, em forma de blog, site:
http://jornalnegritude.blogspot.com.br (fl. 06), o recorrente registrou que a
querelante agiu de forma “agressiva e grosseira e mau educada”.
Nessas circunstâncias,
tenho que demonstrado o elemento subjetivo dessa conduta, havendo dados
suficientes indicando que o querelado agiu intencionalmente, ao chamá-la com
atributos pejorativos, ofendendo o sentimento de dignidade da vítima.
Entretanto, não há como
manter a condenação pelo delito de calúnia, uma vez que nenhuma testemunha
confirmou a imputação e, também, porque a expressão “tem gente aqui em Vacaria
que gosta de tratar os negros com escravos e com racismo”, publicada no
periódico acima referido, não tratou de imputar diretamente à querelante fato definido como crime.
Voto, portanto, por dar
parcial provimento ao recurso, para o fim de absolver o querelante do crime de
calúnia, mas manter a condenação do mesmo, pelo delito previsto no art. 138 do
Código Penal.
Dr. Luiz Antônio Alves Capra (REVISOR) - De
acordo com o(a) Relator(a).
Dr.ª Madgeli Frantz Machado - De acordo com o(a)
Relator(a).
DR. EDSON JORGE CECHET - Presidente - Recurso
Crime nº 71005042239, Comarca de Vacaria: "À UNANIMIDADE, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO
RECURSO."
Juízo de Origem: 2. VARA CRIMINAL VACARIA - Comarca de
Vacaria
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