Mais de 8 mil pessoas foram mortas por PMs no Rio, aponta Anistia Internacional
Mais de 8 mil pessoas foram mortas por policiais militares no estado do Rio de Janeiro entre 2005 e 2014. Na cidade do Rio, foram mais de 5 mil vítimas. Em 2014, o número de mortes em decorrência da intervenção policial correspondeu a 15,55% do total de mortes violentas intencionais registradas no estado, segundo estudo Você matou meu filho! – Homicídios cometidos pela Polícia Militar no Rio de Janeiro, divulgado hoje (3) pela Anistia Internacional.
A reportagem é de Vinícius Lisboa, publicada pela Agência Brasil, 03-08-2015.
A pesquisa informa que, entre 2010 e 2013, 99,54% das vítimas eram homens, 79% eram negras e 75% tinham entre 15 e 29 anos. Para Átila Roque, diretor-executivo da entidade no Brasil, o patamar de homicídios cometidos pelaPolícia Militar é muito alto.
"A anistia não pode se furtar de pontuar e sublinhar um problema que persiste em um patamar muito alto, mesmo reconhecendo os avanços. Ainda estamos falando de 580 autos de resistência no estado do Rio de Janeiro por ano. Esse é um patamar muito alto", destacou Roque.
"A anistia não pode se furtar de pontuar e sublinhar um problema que persiste em um patamar muito alto, mesmo reconhecendo os avanços. Ainda estamos falando de 580 autos de resistência no estado do Rio de Janeiro por ano. Esse é um patamar muito alto", destacou Roque.
Acari
A Anistia Internacional analisou assassinatos na Favela de Acari. De acordo com a entidade, os casos na região "são apenas a ponta do iceberg de conjunto de violações de direitos humanos dos residentes locais".
"A Anistia Internacional documentou diversos casos de agressões físicas, invasões arbitrárias de domicílios, ameaças e roubos. São situações que se repetem frequentemente em muitas operações da Polícia Militar", diz documento.
Em 2014, dez pessoas foram mortas pela Polícia Militar na favela. Há 25 anos, 11 jovens, sendo 7 menores de 18 anos, desapareceram. A suspeita é de envolvimento de policiais no episódio, que ficou conhecido como Chacina de Acari. A entidade escolheu analisar os casos na favela após apelo de moradores e defensores de direitos humanos em decorrência do número de mortes registrado no ano passado. Os pesquisadores ouviram moradores, testemunhas, famílias de vítimas e servidores públicos, incluindo policiais civis e militares.
Uma das violações mais relatada pelos entrevistados foi o arrombamento de portas e invasão de casas, com uso de chave-mestra, sem apresentação de mandado judicial. "Em muitas ocasiões, as casas estão vazias, mas há casos de moradores surpreendidos por policiais dentro de suas próprias residências. Moradores que relataram a invasão ilegal de suas casas disseram ainda que policiais militares levam dinheiro, eletrodomésticos e comida".
Segundo o relatório, as invasões servem a um procedimento chamado "troia", quando, conforme a Anistia Internacional, são feitas execuções sem que a vítima ofereça perigo aos policiais. De acordo com a organização, em declaração anônima, um policial relatou que "um grande grupo de policiais, com várias viaturas, entra na favela fazendo muito barulho e depois sai. Só que dentro da favela ficam alguns policiais escondidos em alguma casa esperando os traficantes aparecerem. É uma tática para execução. Ninguém está querendo prender ninguém. Não dá nem para chamar isso de tática, né? Mas a lógica, qual é? Quando os traficantes aparecem, os policiais que estão escondidos os executam".
Outro lado
O secretário de segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, criticou a divulgação do relatório, que considerou injusta e temerária. "Sabemos que no Rio ainda há áreas com guerra, como mostra esse estudo de casos. Mas é inegável a melhora nos índices de criminalidade de 2007 para cá", disse Beltrame. Para ele, o estudo não reconhece avanços da política de segurança.
Átila Roque disse reconhecer "enormes avanços" no Rio de Janeiro e identifica uma "vontade real de mudança" na cúpula da Polícia Militar.
Roque disse que foi recebido pela cúpula da Segurança Pública para apresentar o relatório e que a reunião já pode ser considerada positiva. "Só o fato de a reunião acontecer, vejo como muito positiva. Não é corriqueiro. Não é trivial". "Vamos ter divergências. Não tem jeito. Os nossos lugares nos colocam nessa posição".
Nos últimos dez anos, de 2005 a 2014, a Polícia Militar do Rio matou, em média, duas pessoas por dia, em registros denominados “autos de resistência”, ou seja, homicídios cometidos por policiais teoricamente em situação de defesa. A Anistia Internacional identificou, em uma pesquisa exclusiva que divulga hoje, 8.466 ocorrências desse tipo no período pesquisado.
A reportagem é de Carina Bacelar, publicada pelo O Estado de S. Paulo, 03-08-2015.
A capital fluminense concentrou o maior número de casos ao longo do período, 5.132, mais do que o dobro da Baixada Fluminense (com 2.070) e quase quatro vezes a soma de todo o resto do Estado (1.264).
O relatório Você Matou Meu Filho – Homicídios Cometidos pela Polícia Militar na Cidade do Rio de Janeiro analisou ainda casos que aconteceram entre 2010 e 2013 para traçar um perfil dos mortos pela PM.
Das 1.275 vítimas de homicídio decorrente de intervenção policial entre 2010 e 2013 na capital, 99,5% eram homens, 79%, negros e 75% tinham entre 15 e 29 anos. Em 2014, quando houve 244 mortes por ação da PM apenas na cidade do Rio, os autos de resistência representaram 15,55% de todos os assassinatos da capital.
“A gente não deve desconsiderar que a política de guerra às drogas de fato coloca o policial em uma situação de estresse permanente e de risco maior, o que leva a uma situação de confronto. As condições de trabalho e a vida de todas as pessoas, até mesmo dos policiais, não devem ser relativizadas em hipótese nenhuma, mas ao Estado cabe a preservação da vida e do Estado de Direito”, disse o diretor executivo da Anistia Internacional, Atila Roque.
Tomando como referência inquéritos policiais realizados em 2011, a Anistia também detectou que há falta de investigação dos registros de mortes por intervenção policial. Até 2015, entre todos os 211 registros da cidade do Rio, apenas um resultou em uma denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) contra o policial autor do homicídio. Um total de 183 investigações permaneciam em aberto mesmo após quatro anos.
Investigações
No relatório, a Anistia considerou que há um “amplo contexto de impunidade” que dificulta a apuração desses casos. A ONG observou também que o termo “auto de resistência” vicia a investigação, levando a pressupor que um agente do Estado tenha agido contra um criminoso. Em quatro dos dez casos ocorridos em 2014 na comunidade de Acari, na zona norte, os assassinados estavam já feridos ou rendidos. Em outros quatro casos, foram baleados sem aviso. Em um último, a vítima fugia da polícia quando foi baleada.
Segundo o documento, nos casos em que a vítima aparece como relacionada ao tráfico de drogas nos registros da polícia, a investigação se limita a referendar o depoimento dos policiais, presumindo que a morte aconteceu em legítima defesa, sem fazer menção a uso de força desproporcional. “Todo o processo busca conferir legitimidade a esse homicídio, supostamente praticado por justa motivação e necessidade”, disse.
Por isso, a ONG recomenda que todos os homicídios sejam investigados pela Divisão de Homicídios, mesmo quando ocorridos por intervenção policial. A Anistia demanda ainda que haja protocolos rígidos de ação dos PMs e a suspensão de atividades de policiais envolvidos em mortes. Já ao Congresso Nacional pede a aprovação do Projeto de Lei 4.471/2012, que cria procedimentos para garantir a investigação adequada de crimes de morte violenta por ações de agentes do Estado.
Detalhes. No relatório, pesquisadores da Anistia Internacional, com base em entrevistas com moradores de comunidades, delegados, defensores públicos, especialistas e promotores, dão detalhes de como são forjadas as cenas de homicídios cometidos por policiais em favelas cariocas.
O documento identificou, por exemplo, a prática do chamado “kit auto de resistência”. “Trata-se de uma ‘arma fria’ (não oficial), chamada de ‘vela’, que seria colocada no local do crime nos casos em que for preciso justificar a ação policial. (...) Outra prática compartilhada informalmente dentro das corporações consiste em esconder um cadávercolocando pedras e entulhos dentro do abdome para o corpo não boiar e, assim, desaparecer quando jogado no mar ou em um rio”, descreveu a pesquisa.
Na Favela de Acari, na zona norte do Rio, onde foi feita a maioria do trabalho de campo que deu origem ao relatório, moradores descreveram, em entrevistas, uma estratégia chamada “Troia”, adotada por PMs em operações, que consiste em usar a casa de um morador para armar uma emboscada para a execução de uma pessoa específica sem correr muitos riscos.
“Muitas vezes, os agentes entram na favela durante uma operação e se escondem por muitas horas, mesmo depois da incursão ter acabado. Em alguns casos, os policiais chamam o ‘caveirão’ para buscá-los e retirá-los do local. Essa é uma tática muito conhecida e usada, especialmente pela Polícia Militar, cujo nome é inspirado na história doCavalo de Troia”, explicou relatório.
A falta de socorro quando alguém é baleado e a invasão das casas de moradores das comunidades sem mandado judicial que permita tal ação também foram queixas apresentadas. “A polícia é vista muitas vezes de forma análoga ao crime organizado. Evidente que a confiança da população cai”, declarou Roque.
O relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a tortura, Juan Méndez, estará no Brasil até o dia 14 de agosto para inspecionar a ocorrência da prática de tortura em locais de privação de liberdade.
A reportagem é publicada por Pulsar Brasil, 03-08-2015.
A missão ocorre devido a denúncia feita pelas organizações de direitos humanos Conectas, Justiça Global eSociedade Maranhense de Direitos Humanos no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em março de 2014, sobre as violações ocorridas no presídio de Pedrinhas, Estado do Maranhão. A chegada de Méndez coincide com o segundo aniversário da lei que cria o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Para garantir o êxito das inspeções, a agenda de visitas da comitiva é secreta. Sabe-se apenas que o relator passará pelos estados de São Paulo, Sergipe, Maranhão, Alagoas e Distrito Federal. No último dia da viagem, 14, em Brasília, o relator concederá uma entrevista coletiva para adiantar conclusões e recomendações – que devem ser sistematizadas e apresentadas, formalmente, ao Conselho de Direitos Humanos, em março de 2016.
Em nota oficial, Méndez afirma que espera colaborar com o governo brasileiro para “superar os desafios na manutenção do Estado de Direito, promovendo responsabilização e cumprindo com o direito à reparação das vítimas”.
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