APELAÇÃO. QUEIXA-CRIME. CRIME DE
CALÚNIA CONTRA FUNCIONÁRIO PÚBLICO. ART. 140, CAPUT, e ART. 141, II e III, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. Caso
concreto em que não restou configurado animus
caluniandi. Querelantes são guardas
municipais e se sentiram caluniados pelo jornalista querelado, através de
publicações em redes sociais e vídeos em seu blog. Querelado que não
ultrapassou os limites da razoável liberdade de imprensa, assegurada na
Constituição Federal. O que ocorreu foi que fez fortes críticas aos agentes públicos,
considerando que foi chamado ao local dos fatos pelos moradores que estavam se
desentendendo com os guardas municipais para fazer reportagem sobre o ocorrido.
As críticas efetivadas pelo querelado nas redes sociais à atuação dos agentes
municipais não comprovam o dolo de caluniar, porquanto ficou evidente que a
intenção do acusado era ver investigada a ação dos agentes públicos. Sentença
de absolvição mantida. APELAÇÃO
DESPROVIDA. UNÂNIME.
Apelação Crime
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Segunda Câmara
Criminal
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Nº 70070735535 (Nº CNJ: 0283747-92.2016.8.21.7000)
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Comarca de
Vacaria
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VANESSA DAMIANI RODRIGUES
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APELANTE
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ANGELA MARIA ZAMBONI
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APELANTE
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THOBIAS LAMES PRETO
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APELANTE
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CLODOMAR ALVES DE SOUZA
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APELANTE
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PAULO ROBERTO DA SILVA FURTADO
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APELADO
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Segunda
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar
provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores Des. José Antônio Cidade Pitrez (Presidente) e Des.ª Rosaura Marques
Borba.
Porto Alegre, 13 de outubro de 2016.
DES. LUIZ MELLO
GUIMARÃES,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Luiz Mello Guimarães (RELATOR)
Trata-se de ação peal privada movida por THOBIAS LAME
PRETO, ANGELA MARIA ZAMBONI, VANESSA DAMIANI RODRIGUES e CLODOMAR ALVES DE
SOUZA, contra PAULO ROBERTO DA SILVA FURTADO, DIEGO WATRAS GOMES e DORIVAL
GOMES, dando-os como incursos nas sanções dos arts. 138, 139, 140, 141, II e
III, todos do Código Penal.
O querelado Dorival Gomes aceitou o beneficio da
transação penal; o querelado Diego Watras Gomes concordou com a suspensão
condicional do processo, seguindo o feito apenas em relação ao querelado Paulo
Roberto da Silva Furtado.
Após regular instrução, sobreveio sentença julgando
improcedente a queixa-crime para absolver o querelado Paulo, nos termos do art.
386, III, do CPP.
Inconformados, os querelantes apelaram.
Em razões, postularam pela condenação do querelado,
alegaram suficiência probatória, tendo em vista que a conduta do querelado
extrapolou os limites constitucionais. Teceram argumentação.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos.
A douta Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando
pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTOS
Des. Luiz Mello Guimarães (RELATOR)
Trata-se de recurso dos querelantes contra decisão que
absolveu o querelado Paulo Roberto da imputação do crime de calúnia na
queixa-crime.
O caso, em síntese, trata de ação movida por guardas
municipais da cidade de Vacaria (querelantes Thobias, Ângela, Vanessa e
Clodomar) contra o jornalista Paulo Roberto em razão de alegadas calúnias
proferidas por ele, em seu blog e redes sociais, relativas à abordagem
realizada pelos guardas municipais ora querelantes ao veículo conduzido por uma
mulher (Dejyssika).
Sustentam os querelantes que foram caluniados
publicamente pelo querelado, que é jornalista, através de vídeos e mensagens
que foram publicadas relativas à ação dos guardas municipais quando da
apreensão de um veículo em frente à residência da proprietária, sustentando que
Paulo teria ofendido com comentários caluniosos a família de Dejyssika e também
os guardas municipais, imputando falsamente aos querelantes a prática do crime
de invasão de domicílio, sem averiguar a verdade dos fatos.
Da análise da prova testemunhal, somada aos vídeos
gravados pelo querelado, à fl. 41, onde constam três gravações (duas do querelado Paulo, que
foi ao ar em seu blog - um criticando a ação dos guardas municipais e outro
criticando o boletim de ocorrência que deu causa à presente queixa-crime -,
além de um vídeo de relatos da família de Dejyssika criticando a ação dos
guardas municipais) não se vislumbra animus
caluniandi, ou seja, não foi possível
provar que o querelado tinha intenção de caluniar os querelantes, mas sim
objetivava comentar e criticar a ação dos guardas municipais.
Quanto à prova oral, transcrevo trecho da sentença
prolatada pelo Dr. Mauro Freitas da Silva, que com propriedade analisou os
depoimentos e os expôs de forma clara:
“O querelado Paulo Roberto da
Silva Furtado, ao ser interrogado, em juízo, aduziu que, em síntese, no dia da
ocorrência, recebeu uma ligação de Diego Watras, o qual informou que houve uma
invasão de um guarda municipal. Diante disso, foi até o local. Quando chegou
lá, estavam guinchando um veículo. Confirmou que divulgou uma entrevista
realizada com os familiares. No outro vídeo que realizou, apenas se limitou a
efetuar comentários com base nos relatos efetuados pela família. Disse que sua
intenção apenas foi informar a ocorrência. Em que pese não ter um bom
relacionamento com a GM Ângela, em razão de outra ocorrência, não tem nada
contra os demais guardas. Em sua defesa, sustentou que tem o direito de
liberdade de expressão e opinião, sendo que seu jornal está sempre aberto para
o contraditório, e, em nenhum momento quis prejudicar os guardas municipais,
apenas apontou críticas à Instituição da Guarda Municipal. Mencionou que, em
nenhum momento quis fazer um jornalismo vingativo contra a GM Ângela, uma vez
que sequer sabia que ela estava envolvida no fato (CD-fl. 184).
A testemunha Renato Abreu de Vargas, policial
militar, em juízo, relatou que, quando chegaram no local, para atendimento à
ocorrência, não percebeu nenhuma anormalidade, bem como que não haviam removido
o automóvel ainda. Mencionou que os ânimos estavam alterados, mais por parte
dos moradores da residência (CD-fl. 178).
Na mesma linha, a testemunha Vagner Natálio
de Oliveira Rocha, policial militar, em juízo, relatou que compareceram no
local, sendo que os guardas estavam iniciando os procedimentos. O carro ainda
não tinha sido guinchado. Referiu que foram em apoio, considerando que a
informação era no sentido de que os moradores tinham investido contra os
guardas. Todos estavam na rua. Disse que os guardas não estavam alterados,
somente os moradores. Não percebeu nenhum procedimento ilegal pelos guardas
municipais (CD-fl. 178).
A informante Dejyssika Gomes, em juízo,
relatou que estava retirando o carro do pátio, para lavar, momento em que foi
abordada pela GM Vanessa e GM Souza. Na abordagem, eles disseram para que
descesse do carro, eis que iam revistá-lo. Desceu do carro e eles efetuaram a
revista. Referiu que não estava com a CHN, bem como que o licenciamento estava
vencido. Diante disso, eles recolheram o veículo. Disse que eles sacaram a arma
e queriam invadir a residência. Em razão disso, acionaram a brigada militar e a
imprensa. O Senhor Paulo Furtado foi quem retirou as fotografias. Mencionou que
os guardas municipais entraram no pátio da residência, sendo que, se não só
segurassem, eles iam invadir a casa. Não tem carteira de habilitação. Quando os
guardas efetuaram a abordagem, ficou com o carro na rua. Acredita que os
guardas entraram no pátio devido a uma controvérsia com seu irmão Diego.
Referiu que seu irmão foi perguntar o porquê da abordagem, normalmente. Disse
que ligaram para o réu Paulo, para relatar o fato (CD-fl. 178).
A informante Diele Libera Watras Gomes, irmã
de Dejyssika, em juízo, relatou que estava em sua residência, sendo que o carro
de seus fica em sua casa, devido ao fato de que na moradia deles não havia
espaço. Disse que, naquela oportunidade, sua irmão, Dejyssika, estava retirando
o carro da garagem para lavar. Nisso, os guardas municipais efetuaram a abordagem.
Referiu que os guardas efetuaram a abordagem “puxando as armas”, sendo que seus
filhos, que estavam brincando, no pátio, se desesperaram e correram para
dentro. Diante disso, seu irmão compareceu no local, perguntando o que estava
acontecendo, momento em que os guardas mandaram ele calar a boca e disseram que
era uma abordagem de rotina. Disse que os guardas invadiram o pátio de sua
residência. Em face da abordagem, pediu para que a imprensa comparecesse no
local (CD-fl. 178).
A testemunha de defesa Moisés Ribeiro de
Oliveira, afirmou que viu as viaturas da Guarda Municipal e dos Brigadianos,
bem como uma discussão com a condutora do veículo estar sem carteira e de que
ela tentou fugir da abordagem deles. Referiu que não houve invasão e que estavam
todos na rua. Mencionou que, quem estava mais nervosa era a condutora do
veículo (CD-fl. 184)
Com efeito, para configuração
do crime de calúnia necessário que o agente, ao imputar falsamente e de forma
direta a alguém a prática delitiva, a faça de forma proposital, com dolo de
ofender, magoar, macular a honra alheia, devendo chegar ao conhecimento de
terceiros.
E, no caso, imputa-se ao
querelado o crime de calúnia qualificada, praticada, em tese, contra
funcionário público no exercício da função, que leva em conta o interesse maior
da Administração, de modo que necessário se faz comprovar a existência
de (1) imputação de fato definido como crime; (2) a falsidade da imputação (devendo
o réu ter conhecimento desta circunstância);
(3) a intenção de caluniar; e (4) que a atribuição seja levada a
conhecimento de terceiro.
No caso, a par disso, deve-se
analisar se os comentários e críticas do querelado em relação aos guardas
municipais querelantes ultrapassaram os limites da liberdade de imprensa,
existindo uma linha muito tênue entre a liberdade de expressão da imprensa e o
cometimento de crimes contra a honra.
Com efeito, verifico do conteúdo dos vídeos e
publicações de rede social que foram trazidas aos autos que o querelado não
ultrapassou os limites da razoável liberdade de imprensa, assegurada na
Constituição Federal. O que ocorreu foi que fez fortes críticas aos agentes
públicos, considerando que foi chamado ao local dos fatos pelos moradores que
estavam se desentendendo com os guardas municipais para fazer reportagem sobre
o ocorrido.
Como mencionado pelo magistrado sentenciante: “Além dos mais, da análise dos documentos
acostados nos autos, tanto pelos querelantes quanto pelo querelado, denota-se
que Paulo Furtado, apenas reproduziu as informações que lhe foram repassadas,
com o intuito que fosse investigada a ocorrência realizada pelos guardas
municipais, de forma que não há provas suficientes de que tenha imputado aos
querelantes o delito de calúnia.”
De fato, as manifestações do ora querelado, como jornalista,
são, ao que tudo indica, polêmicas, e podem trazer desgosto a algumas pessoas,
diante da forma como relata os fatos ocorridos diariamente na cidade de Vacaria
e da forma como expõe sua crítica ao que entende estar em desacordo com as leis
e bom senso. Todavia, tal maneira de agir do réu, como jornalista, não é
suficiente para comprovar, no caso concreto, que estivesse caluniando os
querelantes quando disse que invadiram o domicílio de pessoas; o que se vê é
que criticou a atuação dos agentes municipais e queria ver investigada a ação
dos agentes públicos.
Logo, embora os comentários do jornalista possam ter
sido de “mau gosto” ou ter atingido intimamente os querelantes, a prova não é
inequívoca acerca do dolo de caluniar por parte do querelado Paulo, o que
afasta o tipo penal dos arts 140, caput, e 141, II e III, do CP.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO APELO.
Des.ª Rosaura Marques Borba (REVISORA) - De
acordo com o(a) Relator(a).
Des. José Antônio Cidade Pitrez (PRESIDENTE) - De
acordo com o(a) Relator(a).
DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ -
Presidente - Apelação Crime nº 70070735535, Comarca de Vacaria: "NEGARAM PROVIMENTO
AO APELO. UNÂNIME."
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