Redação CartaCapital (apenas esta parte inicial foi publicada na edição impressa)
Em ações voltadas à comemoração do Dia Internacional da Mulher, no dia 8 de março, agricultores ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e à Via Campesina invadiram terras e ocuparam áreas de grandes empresas, como a mineradora Vale do Rio Doce, a Aracruz Celulose e a sueco-finlandesa Stora Enso.
Na segunda-feira 10, trabalhadoras rurais ocuparam um trecho da ferrovia da Vale, em Resplendor (MG). As manifestantes protestavam contra a construção da barragem de Aimorés e contra a concentração de terras nas mãos da empresa. De acordo com o movimento, a mineradora estaria comprometendo o meio ambiente na região.
As invasões se estenderam ao todo por 17 estados do País nas últimas duas semanas, mobilizando um total de mais de 5 mil trabalhadores, no que pode ser considerada a maior onda de ocupações dos últimos anos.
Um dos principais alvos das ações do movimento, a Vale afirma que desconhece a motivação das invasões. “Nós não mantemos nenhum tipo de diálogo com o MST, até porque o que o MST se propõe a defender não diz nenhum respeito à Vale”, explica Tito Martins, diretor-executivo de assuntos corporativos e energia da mineradora.
O coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile, diz que essa movimentação acontece “contra o abuso do avanço do capital internacional e de suas empresas, que passaram a dominar a agricultura brasileira, sem controle nenhum”.
Especificamente contra a Vale, Stedile diz que as invasões foram feitas “porque a empresa desrespeita sistematicamente populações locais e o meio ambiente”, atitude que a mineradora afirma não tomar.
“Nós tomamos muitos cuidados com as populações dos locais onde estamos, porque a mineração é um negócio que pode ter impactos negativos, em especial os relacionados ao meio ambiente”, diz Martins. “Então eu não consigo entender como podem fazer alegações de que nós tratamos mal os municípios, não falamos com as comunidades e coisas do gênero. É só ir nas comunidades e perguntar.”
As razões do MST para invadir as múltis
14/03/2008 18:22:42
Daniel Pinheiro
Apesar da Justiça ter recentemente se mostrado favorável a algumas reivindicações do MST, o líder do movimento, João Pedro Stédile, critica em entrevista à CartaCapital a política agrária do governo Lula e explica o porquê das empresas multinacionais estarem agora na mira dos protestos.
CartaCapital: A onda de protestos anunciada recentemente pode ser considerada como uma frente organizada de desagrado com o ritmo da reforma agrária no governo Lula? Como o MST avalia a posição do governo em relação aos ideais de mudança social que antes faziam parte da agenda do PT?
João Pedro Stédile: As recentes mobilizações levadas a cabo pelos movimentos da Via Campesina e, em especial, pelas companheiras mulheres, é resultado de duas situações complementares. De um lado, a falta de uma política que de fato priorize um modelo agrícola voltado para a soberania alimentar, para os camponeses e para reforma agrária. E de outro, um protesto contra o abuso do avanço do capital internacional e de suas empresas, que passaram a dominar a agricultura brasileira, sem controle nenhum, trazendo enormes conseqüências na soberania do território, nos nossos recursos, e na agressão de nosso meio ambiente, por meio da monocultura desenfreada.
CC: A Vale diz ter sido vítima de sete invasões do MST desde agosto de 2007. Existe uma perspectiva realista do governo desapropriar terras da maior mineradora do país? Ou quais outros objetivos estariam por trás dessas invasões concentradas nas terras da empresa?
JPS: As mobilizações que houveram em alguns estados contra a Vale do Rio Doce, decorreram porque, em todos esses Estados, a Vale desrespeita sistematicamente populações locais e o meio ambiente. E inclusive nem estava pagando os royalties devidos de sua maior mineradora para a prefeitura de Parauapebas (PA).
CC: Muitas das invasões recentes do MST e da Via Campesina têm se concentrado em terras de grandes empresas, como Vale, Aracruz e Stora Enso. Isso representa uma mudança na estratégia do movimento? A mudança de curso significa que a distribuição de terras avançou?
JPS: Não é mudança de estratégia do MST. É apenas o resultado do avanço dessas empresas transnacionais sobre nosso território, nossa terra, nossa produção. Elas é que estão mudando, comprando terras em áreas de fronteira, o que é ilegal. Impondo o monocultivo de eucalipto, que é predador do meio ambiente e traz enormes prejuízos. Foi a Aracruz que roubou 15 mil hectares dos povos indígenas e depois de nossas mobilizações teve que devolver por decisão judicial. E ainda falta devolver 22 mil hectares roubados de comunidades quilombolas. Foi a Estora Enso quem comprou ilegalmente 56 mil hectares, na fronteira com o Uruguai, e que o próprio Incra não legalizou.
CC: Como o governo federal tem se posicionado diante de indícios de abuso por parte das forças de reintegração de posse na ocupação no Rio Grande do Sul? O governo parece disposto a impedir que o uso da violência volte a ser excessivo? Quais medidas foram tomadas?
JPS: Infelizmente muitos governos estaduais continuam sendo neoliberais e totalmente comprometidos com as empresas e seus financiadores de campanha. A governadora Yeda Crusius recebeu 500 mil reais das três empresas de celulose para sua campanha. Devolveu o agrado mudando ilegalmente a lei de zoneamento ambiental, que existia há anos, para permitir a expansão do eucalipto sobre o bioma dos pampas, totalmente prejudicial. E agora usando a Brigada Militar como verdadeiro braço armado das transnacionais. Chegou ao cúmulo de usar um interdito proibitório contra a Via Campesina, genérico, para fazer despejo sem ordem judicial.
O governo federal ficou quieto no caso da repressão. Mas o Incra se manifestou, denunciando que de fato as terras compradas pela Stora Enso, inclusive as que ocupamos, eram ilegais. Nós esperamos que a opinião pública gaúcha e a sociedade percebam como as elites brasileiras usam o poder do Estado apenas para proteger os interesses econômicos de grandes empresas transnacionais.
CC: A decisão da Justiça de proibir o plantio de eucalipto na região de São Luiz do Paraitinga, SP, mostra disposição por parte de forças governamentais em atender as reivindicações do MST? Essas medidas são suficientes? Como o MST planeja garantir a durabilidade destes ganhos parciais?
JPS: O MST não tem presença na região de São Luiz, que é dominada por pequenos e médios agricultores. Essa decisão é uma vitória do movimento ambientalista e do povo de São Luiz que sempre protestou contra o monocultivo do eucalipto na região, que está acabando com as nascentes de água, com a biodiversidade da flora e fauna. Isso demonstra que, felizmente, ainda temos pessoas conscientes no poder Judiciário, que se preocupam com os interesses do povo, e não apenas com o lucro das empresas. Espero que a moda pegue, e que outros magistrados assim interpretem.
CC: O senhor tem alguma esperança de ver uma reforma agrária mais profunda ainda no governo Lula?
JPS: A reforma agrária é uma necessidade. Nenhuma sociedade se constituiu democrática sem antes democratizar a propriedade da terra. Mas não devemos esperar nada gratuitamente de governo algum. Todas as conquistas do povo, em qualquer situação, sempre dependeram do grau de consciência e de mobilização da população. Por isso que muitas vezes, por mais justas que sejam as causas, elas demoram a se concretizar. Porque dependem de mudança da correlação de forças. O Brasil vai mudar quando o povo se mexer.
Sem diálogo
14/03/2008 20:47:07
Daniel Pinheiro
Tito Martins, diretor-executivo de assuntos corporativos e energia da Vale, fala sobre as invasões que áreas da empresa vêm sofrendo por parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra e sobre a acusação de não estar pagando os royalties devidos à prefeitura de Parauapebas (PA), onde a mineradora explora minério de ferro, ouro e manganês.
CartaCapital: O MST diz que as invasões feitas em propriedades da Vale estão baseadas no desrespeito sistemático contra as populações locais e contra o meio ambiente. O que a Vale tem a falar sobre isso?
Tito Martins: Nós tomamos muitos cuidados com as populações dos locais onde estamos porque a mineração é um negócio que pode ter impactos negativos, em especial aos relacionados ao meio-ambiente. Esta é uma acusação falsa, porque estamos sempre em contato com as populações, estamos sempre investindo em capacitação das pessoas que estão neste locais, sempre buscando levar o desenvolvimento humano.
Se você promove desenvolvimento das municipalidades onde estamos, você imediatamente gera uma demanda por mão de obra relacionada a serviços que são prestados àquela população cuja atividade toda está ligada à mineração. Então você vira um multiplicador de negócios, você passa a treinar gente para a prestação de serviços, que vai desde a agricultura básica, passando por serviços gerais, tipo padaria, costureiras.
A mineração age como atividade alavancadora de negócios, para o perfil desenvolvimentista da região. Nós estamos cada vez mais preocupados com a população das cidades onde tempos negócios. Só para dar uma noção do que eu estou falando, uma numerologia, só me volume em programas sociais no ano passado, destinado principalmente ao crescimento do ser humano, um ser produtivo, um ser que possa realmente exercer as suas atividades, foram mais de 250 milhões de dólares investidos no Brasil.
A Vale é reconhecida nacionalmente e internacionalmente como uma empresa que tem uma extrema preocupação com as questões ambientais. E aí, a gente quando fala isso não é só de acordo com a lei não. Nós temos práticas inclusive que ultrapassam aquela exigência legal, porque nós nos preocupamos e de certa forma somos até cobrados por diferentes stakeholders (partes interessadas), de ser uma empresa que, apesar de estar em uma atividade que gera impacto do ponto de vista ambiental, ela trata este impacto e na verdade recupera as áreas onde ela está. Então eu não consigo como podem fazer alegações de que nós tratamos mal os municípios, não falamos com as comunidades e coisas do gênero. É só ir nas comunidades e perguntar.
CC:E quanto à acusação de a Vale não pagar os royalties devidos para a prefeitura de Parauapebas (PA)?
TS: Eu não sei porque foi dito isso, eu desconheço isso. Hoje nós temos questões relacionadas à CFEM, que na verdade o royalty da mineração é a CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), nós temos discussões nem judiciais, mas administrativas, com o DNPM não só em Parauapebas mas também em vários municípios do Estado de Minas Gerais, por conta de critérios de apuração. Agora, nós nunca deixamos de pagar nada que era devido não. Eu desconheço a razão de estarem levantando esta questão, como uma questão de a Vale ser má pagadora e coisas deste tipo. Não faço a menor idéia.
Existem algumas discussões em relação à interpretação da lei com relação ao CFEM, e não a Royalties. A Vale tem uma interpretação sobre onde e como há incidência de CFEM e o DNPM tem outra. O que está acontecendo é que os municípios recorreram ao DNPM, vários deles e não só Paraupebas, e a Vale está defendendo seu ponto de vista. Pois bem. O que acontece é que sobre aquela parte que entendemos que a incidência está OK, está sendo pago, ou seja, não há inadimplência da Vale. Agora, se você conversar com alguns prefeitos, eles têm uma interpretação. O que a gente quer deixar claro é que aquilo que a Justiça determinar, está pago. Aliás não é nem a Justiça aí, está em processo administrativo e em entendimento sobre a forma de cálculo. O que não é correto dizer é que somos inadimplentes, apenas o que temos é um entendimento da aplicação, e os municípios têm outros. Mas é claro que nós acreditamos que estas questões vão concluir para um entendimento.
Isso não é nada excepcional. Na verdade, o que está na regra e no papel, na regulamentação, não só sobre a CFEM, mas também sobre outros tributos, eventualmente, dada as características de determinado tipo de operação, que acaba questionando sobre o fato de o cálculo ser feito via rota A ou via rota B o cálculo, mas isso é uma coisa corriqueira, rotineira.
CC: Qual é a opinião da Vale sobre as ações do MST? A empresa tentou estabelecer algum diálogo com o movimento para que as ações fossem encerradas?
TS: A gente não tem diálogo nenhum com o MST. Até porque o que o MST se propõe, imagino eu, a defender não diz respeito à Vale. A Vale é uma empresa privada com milhares de acionistas, milhares de brasileiros, brasileiros inclusive que usam o FGTS, que têm sido muito bem informados ao longo dos anos, paga seus dividendos, tem gerado renda, gerado empregos e continuamos na nossa vida. Estamos surpresos em virar alvo de iniciativas do tipo que vem acontecendo. Isto é claramente uma mudança no comportamento destes movimentos e não há o que comentar, apenas a lamentar só que tenham escolhido a nossa organização para ser alvo de suas iniciativas. Tomara que essas invasões parem mesmo, porque eu acho que os maiores prejudicados nessa história toda foram os trabalhadores. No caso da invasão no Maranhão, por exemplo, em que há um consórcio de que fazemos parte, que paralisa a obra e o trabalhador não ganha, isto é o mais complicado.